Esta matéria dá início à série Movimento Literário Capixaba, que apresentará matérias especiais com as editoras independentes de literatura da Grande Vitória.
Uma estante abarrotada de livros, grande parte deles de autores capixabas e publicados pela Cousa, editora que já atua há seis anos em Vitória, responsável por movimentar, e muito, o cenário literário independente da Grande Vitória. A estante em questão fica na sala/escritório de Saulo Ribeiro, o criador de toda essa história de editora. Ele hoje faz de sua casa, quase ao topo da escadaria Serrat, no Centro de Vitória, um local de trabalho, descanso, moradia e reuniões.
Há pouco tempo era possível encontrar a Cousa no espaço do grupo Má Companhia, também no Centro de Vitória, mas os planos mudaram e a editora está de volta na casa de Saulo. O espaço do escritório apresenta-se como uma pequena biblioteca ou um escritório não tão formal. Não por acaso, a Cousa também não é dessas editoras formais. Volta e meia é possível encontrar Saulo pelas ruas do Centro Vitória participando de evento literários, feirinhas, vendando livros a quilo, lançando obras nas calçadas junto com seus autores, articulando novas publicações, e fazendo a editora Cousa levar adiante o que ele chama de ‘movimento’ e ‘rede’.
“Como nós somos uma editora ativista, é quase que um cenário natural nos integrarmos e até encabeçarmos esses eventos independentes e as formas diversas de vendas e discussão literária. Participar do Cocar – Festival de Cultura, em Conceição da Barra; do Circuito Ufes de Leituras; do Literatura a Quilo; do Cachaçada Literária, entre tantos outros eventos, é o que tem dado substância para a editora. São nesses momentos que vendemos livros, divulgamos nossos autores e a Cousa. Como não temos uma vitrine nacional, e eu duvido que alguém tenha hoje em termos de editora de literatura – nem os grandes conseguem tal feito –, para a Cousa essas pequenas iniciativas são fundamentais”, explica Saulo.
Numa conversa em sua sala, ele fala detalhadamente que esses eventos pequenos, vistos até como modestos, que integram autores – desde os que já publicam até os que escrevem em cadernos e blogs -, escritores, editores e público leitor são as atividades que movimentam de fato, já há algum tempo, a literatura da Grande Vitória. Em comparação aos eventos oficiais, concentrados na Bienal Capixaba do Livro e na Feira Literária Capixaba, os eventos independentes dos quais a Cousa participa são de maior movimentação e com resultados perceptíveis. “Acredito que nossos pequenos eventos, que são baratos, mas que são de ativistas e de integrar autores, geram mais impacto do que uma Feira em que se gasta um milhão, por exemplo, e não tem uma curadoria clara, não tem formato atrativo, e é extremamente fragmentado para os autores”, acrescenta ele.
A forma que a Cousa encontrou de se manter é simples: continuar sendo uma editora pequena e exclusivamente de literatura. Saulo explica que esse formato tem sustentação para ser mantido por muito tempo, pois a Cousa não está em atividade para lançar livros no mercado formal, ela está para integrar autores em uma movimentação literária que preza pela difusão, discussão e incentivo à leitura. A editora, além de lançar poucos livros por ano – em 2015 foram cerca de 11 obras –, também lança poucos exemplares. E diante de todos os eventos independentes em que está inserida, vende significativamente mais rápido esses exemplares.
“A Cousa este ano publicou muita coisa. Todo o ano a gente acha que vai publicar menos livros, mas acabamos subindo as metas. O ideal para nós seria publicar cerca de cinco ou seis livros por ano, visto que não lidamos só com edição de livro, temos os projetos como o Circuito Ufes de Leituras, os projetos de difusão, os eventos, e uma série de coisas. Então a nossa ideia sempre foi fazer poucos livros anualmente, mas a demanda é muito grande. Somos uma das poucas empresas que projeta metas para menos, mas as extrapolamos”, conta Saulo em risos.
Quando Saulo fala “a gente”, ele se refere a todas as pessoas envolvidas na Cousa atualmente. O corpo de pessoas nem sempre é fixo, há rotatividade dependendo do projeto literário, mas quem sempre se faz presente na editora é o designer e diagramador Gustavo Binda e o cofundador Rodrigo Caldeira. Juntos, às vezes com mais alguns nomes, eles realizam todos os processos da publicação de um livro. Saulo conta que a única coisa que faz questão de mexer pouco é no texto. “A editora hoje interfere muito pouco no texto. Recordo até que historicamente sabemos que se editores tivessem interferido em certos textos, poderíamos ter perdido grandes clássicos da literatura”, lembra ele.
O processo de publicação da Cousa envolve, então, o projeto gráfico, a diagramação, os trâmites de publicação, o lançamento e a integração do escritor em eventos diversos. Saulo mostra-se muito cuidadoso com as minúcias de cada livro, desde a capa, o tamanho e o conteúdo – tirando e colocando diversos livros de sua estante, apresenta cada um deles. “Temos essa coisa de fazer o livro ficar muito especial, essa é a nossa vontade”. Inclusive, é essa frase que explica muito a migração de grandes autores para editoras pequenas, no intuito de terem mais ‘humanização’ no processo de elaboração da obra, de poder ter mais voz”.
A Cousa chegou atualmente em um momento que não dá para ler quase nenhum dos originais que chegam por email. São centenas. Desta forma, Saulo conta sobre como faz o crivo da escolha de autores. “Não estou interessado em receber o livro de uma pessoa que manda o projeto para diversas editoras. Eu acabo me aproximando dos ativistas de literatura, gente que está brigando por difusão literária; que faz ou participa de eventos; que posta textos em blogs, que expõe seus escritos em eventos independentes; que gosta dessa troca entre autores. Essas pessoas, quando mandam um livro para a Cousa, eu acabo prestando mais atenção mesmo, uma vez que estamos interessados em fazer células, em movimentar. É claro que prezamos pela qualidade de escrita, mas só ela não nos interessa, pois no mundo em que vivemos, onde precisamos pensar em políticas públicas para a leitura, só a qualidade já não tem funcionado tanto. Nosso momento é outro. Estamos vivendo o momento em que o escritor precisa ser ativista”.
Um movimento não se faz sozinho. E é por isso que essa troca da qual Saulo fala tanto não é só entre autores, ele também baseia a estrutura da Cousa em parcerias com outras editoras independentes pelo Brasil, como a Patuá, de São Paulo, além de ter muito interesse na abertura de editoras independentes no Estado. “Até então, na Grande Vitória, só tínhamos a Cousa e a Aves de Água, que é um atelier editorial que não chega a ser uma editora e tem essa nossa voracidade com os lançamentos e os eventos. Depois surgiu a Pedregulho, que é uma grande parceira, e a Cândida, de Cariacica, além da Praia, uma editora online daqui. Nós damos o maior apoio para essas iniciativas, pois é assim que conseguiremos nos manter”, conta ele.
Saulo tem na cabeça um modelo muito claro de como levar a Cousa adiante. E esse modelo, como já falado, limita-se a ser sempre uma editora independente e de poucas publicações. Um modelo que estrutura-se a partir de integrações, parcerias, associações e muito ativismo – quanto a isso ele até brinca: “Nós somos as baratas da edição de literatura! Pode acontecer uma explosão e o governo nunca comprar mais livro nenhum, e livrarias todas fecharem, que a gente não vai deixar de existir, porque já criamos uma forma de publicar e fazer difusão. É lógico que é em pequena escala, mas queremos que ela seja em pequena escala mesmo. Queremos ser menores do que somos, inclusive – contanto que sejamos em muitos, diversas pequenas editoras. Se tivéssemos mais três ou quatro editoras pequenas no Estado, estaríamos num movimento ideal, porque o movimento literário de Vitória e do interior, ele tem impressionado quem chega aqui. Estamos com um cenário literário que não deve nada a cenário literário nenhum do país”, finaliza Saulo.
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