“A ideia era fazer essa manifestação para o samba voltar forte, trazer aquela coisa do samba lá de trás, dos ancestrais, de bater na palma da mão, da galera em volta da roda cantando junto e se divertindo”. O relato é de Axel Fernandes, um dos idealizadores do Samba Itinerante, projeto que comemora dois anos neste domingo, a partir das 14h, com evento no Clube de Pesca de Santo Antônio, em Vitória, contando com participação do sambista carioca Pretinho da Serrinha.
O aniversário acontece em espaço fechado, com cobrança de ingresso, mas justamente para tentar viabilizar a essência do Samba Itinerante: as apresentações gratuitas em espaço público, sobretudo nas comunidades populares de Vitória. Ao longo dos anos, foram 18 edições realizadas, passando por bairros como Itararé, Forte São João, Caratoíra, Santo Antônio, São Pedro, Jesus de Nazareth, Romão, Santa Tereza, Piedade e Centro de Vitória.
Os organizadores estimam que uma média de mil pessoas tenham circulado pelo samba a cada edição. Um trabalho de várias mãos mas com poucos recursos e muito amor ao samba. “Na época que começamos o samba estava meio defasado, não estava acontecendo forte. A onda que tava rolando era mais de pagode nas casas de show e o samba ficando para trás”, conta Axel, que faz parte do grupo Resenha do Romão.
Ao longo do tempo, o projeto foi formando um público itinerante, que o acompanha a cada bairro nas rodas de samba que duram horas, geralmente com início pela tarde até o começo da noite. Além desse público, a cada edição, também atrai a população de cada comunidade, alguns que talvez logo passarão também a acompanhar o movimento para onde ele for.
Mas como viabilizar equipamentos de som, tendas e toda infraestrutura necessária? “Nunca teve apoio, foi tudo na garra, pedindo ajuda aos amigos, tirando do próprio bolso, uma dificuldade tremenda”, aponta Axel.
“A gente já chega na rua devendo cerca de R$ 5 mil porque é o custo da estrutura que a gente monta. Geralmente o que sustenta o movimento é o bar, mas como o projeto é na rua, cada um leva sua própria cerveja”, conta o sambista Vaguinho Azevedo, também integrante da Resenha do Romão. A mobilização coletiva acaba viabilizando de alguma maneira o que parecia impossível. No primeiro evento, por exemplo, foi feito uma grande panela de feijoada, com cada pessoa doando um ingrediente.
De início, a proposta era juntar diversos músicos capixabas, embora nem todos acreditaram e alguns desistiram ao longo do tempo. A proposta é apresentar o samba de raiz, de forma bem democrática, com clássicos, mas abrindo espaço também para composições autorais. Os integrantes da Resenha do Romão e pessoas próximas acabaram virando a fortaleza do projeto, garantindo não só a música mas também correndo atrás da estrutura necessária.
Vaguinho considera que o projeto também ajudou a dar muita visibilidade para o grupo e que seus integrantes tiveram que mudar de postura e assumir a condição de artistas. “Hoje a gente pode se dizer artista graças à visibilidade dada pelo projeto”, considera.
Para Axel, um dos maiores orgulhos é ter o reconhecimento dos mais antigos. “O samba de raiz voltou firme, com outra linguagem. A galera da Velha Guarda fala que o Samba Itinerante revolucionou, virou coisa nova, mas trazendo coisas antigas, como a interação do público com os sambistas, cantando junto e batendo na palma da mão”.
Nos últimos tempos, Vaguinho afirma que o projeto encontra dificuldades para conseguir liberação dos espaços públicos junto à Prefeitura de Vitória. Acredita que isso possa estar associado às polêmicas e repressão do Estado contra os Bailes do Mandela, que também acontecem em bairros periféricos, embora em torno do funk e sem permissão. “Não tem nada a ver. Nosso projeto é totalmente diferente”. Apesar das dificuldades, o sambista considera que o futuro do projeto é continuar na rua com samba para o povo.
O projeto também busca apoio para trazer artistas de expressão de outros estados para tocar junto, fazendo crescer mais o movimento e proporcionando a troca artística com sambistas de fora. “Mas vão ter que cantar no meio do povo, na roda de samba. Não vai ter essa de palco, não. Vai cantar junto com a gente”, diz.
Samba. Agoniza mas não morre. E se move.