Fotos: Leonardo Sá / Porã
Muitas pessoas passam em seu exercício noturno na Praia de Camburi, em Vitória. Poucos olham, menos ainda param. Mas ele está ali. De segunda a sexta, de 17 às 22h, com o compromisso de um funcionário exemplar. “Ajude a comprar meu sax”, dizem três plaquinhas, provavelmente feitas aproveitando seu conhecimento de ter trabalhado numa gráfica.
Sentado num banquinho de praia, trajando colete e gravata, Leandro Mendes dos Santos toca uma escaleta, enquanto a caixinha do instrumento serve para depósito de moedas de doadores. Alguns até dão notas de R$ 5, mas mal param para ouvir. Deve ser caridade. Eu parei e fiquei uns incômodos 10 minutos exatamente ao seu lado esperando que cansasse de seus poucos e repetitivos acordes. Tentei falar-lhe e senti que não me via nem ouvia, concentrado no toque, ora com olhos fechados, ora abertos mas sem dirigi-lo a nenhum lugar. Sintoma claro de timidez.
“Você toca saxofone?”, é a primeira pergunta que me vem. “Não, mas quero aprender”. Mas de onde vem esse interesse? “Ah, é uma longa história…”. Uma história de fé e música.
Morador de Vila Independência, em Cariacica, Leandro sofria o drama de muitos brasileiros: o desemprego. Aluguel atrasado. “Foi acabando o arroz, o feijão. Fiquei uns 15 dias sem ter o que comer. Mesmo sem saber da situação, vez outra os irmãos me chamavam para almoçar ou jantar, o que ajudava”.
Na Igreja Deus É Amor, onde ele toca guitarra aos domingos, conta que um fiel lhe fez uma revelação. “Você vai passar um vento forte, mas Deus vai estar contigo”. Depois, outra irmã: “Deus vai dar um entendimento para você suprir suas necessidades”. Certa vez Leandro encontrou na internet uma escaleta, à venda na OLX. “Eu nem sabia para que servia. Mas senti no coração de comprar aquilo”. Ele tinha R$ 40 e o instrumento custava R$ 150.
Pegou emprestado o que faltava. “Quando cheguei em casa, bateu o arrependimento. Devo estar ficando doido, como comprei instrumento se nem tenho dinheiro?”. A tristeza bateu e chegou a véspera do Natal, sem ter o que comer e nem um sabão para lavar roupa, relata. Neste dia, ele decidiu ir tocar em frente a um supermercado em Campo Grande, com os acordes que estava aprendendo sozinho.
Conta que ficou o dia todo até que, pela noite, o segurança lhe dissesse que não podia tocar ali. “Queria ao menos conseguir o dinheiro da marmita, o que estava me mantendo era comer manga, que estava na época e eu pegava dos pés”. Chegou em casa com R$ 280. Tempos natalinos, quando o espírito solidário está mais aflorado nas pessoas. No dia de Natal voltou a tocar, e as coisas começaram a mudar. Já passou a conseguir minimamente a se sustentar.
Logo veio o sonho do saxofone. Mas não quer comprar o mais barato, pois a experiência com a escaleta já mostrou que o barato pode sair caro. Algumas teclas já não funcionam. A manutenção pode custar quase tanto quando comprar um instrumento de qualidade. O sax que quer custa R$ 10 mil. Por dia, tira em média R$ 70 a 80, às vezes mais, às vezes bem menos. “Faltam uns R$ 8.500. Acho que até o final do ano tenho meu saxofone”. Se antes rodava por vários lugares, hoje tem preferido fixar-se em Camburi, pois o resultado das contribuições têm sido melhor.
Leandro já tem até nome artístico para sua carreira com o instrumento que ainda não sabe tocar: Zain Sax, de inspiração bíblica.
Termino o papo. Melhor deixá-lo tocar, pois assim os pedestres podem sensibilizar-se e doar mais do que enquanto conversa comigo. Quatro jovenzinhos, com uma garrafa de vinho barato, param a contemplar, se abraçam e curtem o som, comentam sobre instrumentos. Outra jovem já ouvia. E mais duas senhoras chegam. Público recorde: comigo são oito espectadores. Nada que dure mais que alguns minutos e poucas moedas.
Mas o Leandro da escaleta segue seu caminho disciplinado para chegar a ser Zain Sax.