EP com três músicas foi composto e gravado em seu apartamento durante isolamento social da pandemia
“Eu penso em dar uma volta para desanuviar. Mas tem um vírus perigoso no ar”, alerta Gatinho na Internet, primeira canção do novo EP de André Prando, Calmas Canções do Apocalipse, lançado nesta sexta-feira (15) nas diversas plataformas digitais. Em meio a todo caos do momento, o trabalho reúne duas canções autorais e uma releitura de Belchior.
O projeto ganhou corpo no apartamento de André no Centro de Vitória, onde mantém o isolamento social desde o início da pandemia, com a companhia da esposa Luara Zucolotto, que produziu as fotos de divulgação e contribui com sua voz na primeira faixa, e Larika e Chapado, os dois gatos da casa que também constam nos créditos do trabalho por terem emprestado seus miados à gravação da mesma música, que faz alusão à sua espécie.
A pandemia fez com que Prando tivesse que cancelar uma agenda de shows pelo Brasil com seu último disco, Voador, e se adaptar a uma rotina de apresentações pela internet, nas quais segue fazendo o que gosta, tocar e cantar, e continua em contato com fãs e divulgando seu trabalho, além de contar com a colaboração do público com couverts voluntários, já que sua renda dependia dos shows que por enquanto estão proibidos.
“É um momento de rever muitas coisas, práticas e costumes. Momento de entender que o planeta, está tentando falar com a gente, está dando uma sacudida, que a gente precisa cuidar mais do meio ambiente, a gente precisa cuidar mais um dos outros. Acho que esse é um dos recados que a gente pode receber”, diz.
Esse clima de reflexão interna e profunda, holística e existencial, marca a canção Dharma, palavra que remete a um conceito de religiões orientais intraduzível para nossas línguas do Ocidente. A composição é uma parceria com Luiz Gabriel Lopes, do grupo mineiro indie pop Rosa Neon, contando com participação da guitarra slide de Felipe Duriez.
André Prando não possui um homestudio nem o hábito de gravar em casa, mas a ideia foi ” abraçar essas condições desafiadoras e soar lo-fi”. Literalmente um disco feito em casa.
Em Gatinho na Internet, a autoria é compartilhada com Vicente Coelho, da banda carioca Biltre, que mescla eletrônico, pop e funk, e com quem deve lançar uma nova versão quando superados os tempos de catástrofe. Assim diz o refrão escrito por Prando:
“Tô cansado da rotina me bombardeando bad
Ultimamente pra aguentar
Fico olhando gatinho na internet
Choro com memes e notícias
Discernir não sou capaz
Todo dia uma vergonha diferente nos jornais”
Gatinho na Internet – André Prando e Vicente Coelho
Ambas canções do EP foram iniciadas no ano passado a partir de conversas pelo WhatsApp com os parceiros, mas foram ganhando o último molde diante da atual conjuntura, de confinamento e reflexões. Uma sobre autoconhecimento, outra sobre desespero.
“Demoro muito para fazer as músicas, faço uns trechinhos, volto, vou terminando com o tempo. Elas já falavam de coisas do momento, episódios que temos vivido não só agora, mas há algum tempo, com a crise política e ambiental que vem de alguns anos”, diz o artista, destacando que busca letras que provoquem reflexões válidas a qualquer momento e não somente no que está acontecendo agora. “A obra tem que fazer sentido em diferentes épocas, me importo com isso”.
Assim é também Clamor no Deserto, a terceira faixa, uma canção “Lado B” de Belchior gravada em 1977, que também serve para os dias atuais. Foi num café da manhã de confinamento com Luara que perceberam de fato a força de tal canção, reunindo aflição e esperança, o que dialoga com o EP e o momento atual.
Quem acompanha o trabalho de André Prando deve saber do apreço e influência do cantor cearense, mas, como fez com Sérgio Sampaio, busca imprimir a sua roupagem. “Em nenhum momento pensei num cover, mas numa releitura mesmo, com meu jeito de cantar e interpretar. Fiquei muito feliz com o resultado”, afirmou dando destaque à participação de Federico Puppi no cello e Carlos Sales na percussão.
Desapegado da ideia de banda dadas as condições, de início André pensava em gravar o EP apenas com voz e violão, mas logo foram surgindo as parcerias e contribuições, possíveis graças às tecnologias nos tempos de isolamento.
Prando manifesta também seu gosto pela experimentação por transitar por outros ritmos, como em Gatinho na Internet, em que imprime uma levada de reggae. “Muita gente tem uma visão de que meu trabalho é só rock. Claro que é fortemente rock, mas gosto de passar por várias coisas, não só pelos ritmos, mas na sutileza dos instrumentos utilizados, pelas culturas que eu gosto de explorar”, explica.
“Em vários momentos as músicas soam diferentes, mas estão bem conectadas e amarradas”, firma sobre o EP. O mesmo se poderia dizer sobre o nome escolhido para o álbum. Calmas. Canções. Apocalipse. Três palavras de difícil conexão, mas que conseguem imprimir uma mensagem.