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Andy Warhol e a Pop Art (parte – 1)

ANDY WARHOL : A PRIMEIRA ESTRELA DA ARTE

Warhol é um dos artistas que tiveram o status de lenda ainda em vida. Raras vezes se escreveu e bisbilhotou tanto sobre alguém, como sobre ele. Se reuníssemos as páginas dos manuscritos dedicados à sua vida e obra, seria algo de uma extensão grandiosa. E quando Warhol aparecia em público, poderia dar a impressão de não ser deste mundo. É difícil estabelecer a verdade sobre a vida de Andy Warhol, como ele se chamou a si próprio, a partir do momento em que foi morar em Nova Iorque. Sua vida se tornara divulgada e obscura ao mesmo tempo, pois existia a contradição entre verdade e mentira, tudo isso numa dissimulação de fatos biográficos, como um tipo de método do que vem à luz e do que fica na sombra.

Warhol se formou como desenhista publicitário, mas desde o princípio se via como um artista, e seguindo tal mística criou uma persona e um método de arte inteiramente novos que irritou, abalou e transformou o mundo da Arte. No entanto, de certo modo, o seu método de fazer arte poderia ser comparado, guardadas as proporções e as características de época, como um tipo de gestão muito bem associada ao que se fazia no Renascimento e no Barroco. Por outro lado, Warhol era tido como uma pessoa muito reservada e mostrava-se particularmente lacônico para com os jornalistas. No entanto, nenhum artista da sua época deixou tantos testemunhos como ele: além de um grande número de entrevistas e aforismos, deixou dois livros autobiográficos. Porém ninguém sabe exatamente quem de fato escreveu os livros: se o próprio Warhol ou um dos seus inúmeros “ghostwriters”.

Apesar de não ter faltado praticamente a nenhum acontecimento público ao seu alcance, e raramente deixar passar uma “party”, gostava de se fazer representar por sósias. Um dia, precisamente quando Warhol festejava com “The Chelsea Girls” os seus primeiros êxitos comerciais de cineasta, a fraude veio à luz do dia: depois de ter feito algumas conferências em diversos “colleges” americanos, Warhol, cansado deste trabalho, confiou-o a Allen Midgette, que se fez passar por ele. Warhol, então, escondia-se muitas vezes por detrás de óculos escuros e peruca branca, e mal tinha acabado de se instalar em Nova Iorque, pintara-a já os cabelos em tons de loiro-palha.

Andy Warhol tinha uma admiração forte pelas estrelas do cinema e dos meios literários americanos mais em voga. Porém, em sua época, esta era a qual as próprias “superstars”, agora ameaçadas pelas “megastars”, viriam para superar e eliminar as vedetes da época heroica do cinema americano, que gozavam de uma fama sem limites. “Ser célebre durante um quarto de hora”, eis o lema de Warhol, que concretiza bem a mentalidade de uma época, que privilegia o efêmero.

Andy Warhol encarnava, na perfeição, o novo tipo de estrela. Ele era criador e ao mesmo tempo realizador e ator, e legou ao mundo o artista-vedete que, no universo artístico, sucedeu ao gênio. Hábil nos negócios e patrão de uma oficina de 18 empregados (“the boys and the girls”), soube comercializar sua criatividade e sua própria pessoa. “Para Andy Warhol, que se intitulava a si próprio ‘business-artist’, com dinheiro é que a arte é bela!” (Eva Windmöller). E um amigo de longa data e também mecenas convicto, Henry Geldzahler, elogiava o fascinante “amálgama de negócios e de arte” por parte do artista.

Sem a estilização consciente da sua personalidade como estrela desligada da realidade, teria tido muito mais dificuldades nos negócios. Em todas as estrelas, de todos os estilos e proveniências, e como se brilhasse algo de divino, que é nada mais que o efeito da projeção dos admiradores. “No ser superior, mítico (a estrela), projeta-se toda uma série de necessidades e desejos que na vida não podem ser realizados”, escreve o sociólogo e cineasta Edgar Morin, que deste modo enuncia o pressuposto sociopsicológico mais importante para o culto das estrelas no século XX.

Ninguém melhor do que Andy Warhol, o artista, percebem este mecanismo do culto das estrelas, como bem o demonstra o comportamento característico que adotava em público. Simultaneamente presente e ausente, dava a impressão de uma aparição encarnada. Henry Geldzahler vê nesta forma de comportamento a razão determinante do êxito fabuloso de Warhol. “Graças ao seu aspecto de “dumb blond”, a opinião pública associou-o rapidamente ao movimento pop. Neste país e no nosso século, só muito raramente os artistas são reconhecidos pelo homem da rua: Pablo Picasso, Dalí, Jackson Pollock – a lista é pequena.” Também Marilyn Monroe, o modelo mais popular de Andy Warhol foi considerada “dumb blond”.

No entanto, e contrariamente ao seu retratista, Marilyn Monroe estava sempre mais presente, apesar de, na realidade, só muito poucas pessoas terem chegado a vê-la. A sua temporalidade materializava-se no écran e foi apenas através deste que a atriz Marilyn Monroe se tornou a deusa do sexo. Em contrapartida, a estrela Andy Warhol não precisava do écran de cinema; ela servia-se dos media “documentários”. O que o filme de ficção tinha sido para os deuses de Hollywood – a começar por Mary Pickford, a primeira estrela a merecer, de fato, este nome, até James Stewart, Ingrid Bergman, Elizabeth Taylor e Marilyn Monroe, passando por Charles Chaplin, Greta Garbo, Marlene Dietrich, Mae West, Bette Davis, Clark Gable e Humphrey Bogart – era para Andy Warhol a imprensa popular, que trabalhava a partir da verdade aparente.

Warhol se aproveitava de um fenômeno de sua época e ainda vigente hoje da passagem do real ao fictício, facilitada e até mesmo organizada, nos anos 1960, pelo triunfo da televisão. Pois com a televisão se batiam as fronteiras entre o real e o imaginário. A “máquina de ficção” que era a televisão, aparentemente um instrumento para documentar, demonstrava, pela primeira vez, o seu poder, o de criar uma nova realidade, embora ficcional, paradoxal.

Andy Warhol elegeu Marilyn Monroe para modelo da sua arte, já depois de ela já ter morrido, e a morte tinha selado a sua existência supraterrestre. Juntamente com Humphrey Bogart, Marilyn Monroe era sem dúvida a única estrela de cinema, cuja fama póstuma havia ultrapassado, de longe, a popularidade que tivera em vida. E Andy Warhol contribuiu, sem dúvida, para este fenômeno. É difícil dizer o que é que lhe despertou a atenção para a atriz mais “sexy” do cinema – naquela época, o trono da deusa do sexo estava ainda reservado a Rita Hayworth e só foi atribuído a Marilyn Monroe muito depois de sua morte.

AS ESCOLHAS ARTÍSTICAS DE ANDY WARHOL

Vista à luz dos nossos dias, a escolha a favor de Marilyn ilustra a perspicácia infalível de Warhol para os caprichos da moda do seu tempo. Certamente que o “sex appeal” excitante da atriz não foi fator determinante. Terá sido, porventura, a lenda que ela teceu à sua volta? O historiador de cinema, Enno Patalas, escreveu a propósito de Marilyn Monroe: “Ela talhou, por medida, uma lenda sobre a sua juventude, segunda a qual os pais lhe batiam com correias de couro, foi violada aos seis anos por um ‘amigo’ da família e, mais tarde, maltratada por pais adotivos sem coração – uma história que foi logo desmentida pela jornalista Ezra Goodman, mas que se ajustava tão bem à personagem, que, apesar de tudo, se gostava de acreditar nela.”

Elvis Presley e Elizabeth Taylor foram os outros ídolos a quem Andy Warhol dedicou inúmeras telas e séries de quadros, embora em menores proporções do que a Marilyn Monroe. Não obstante as diferenças, estas estrelas têm um ponto comum: personificam perfeitamente a história do sucesso à americana. Norma Jean Baker, aliás Marilyn Monroe, de criança explorada – a acreditar na sua lenda – a “sex symbol” adulado; Elvis Presley de camionista, que cantava por amadorismo, ao ídolo histericamente idolatrado por toda uma geração, e Elizabeth Taylor de boneca do cinema a uma das estrelas mundiais mais bem pagas de Hollywood.

Depois, todas estas vedetas estão rodeadas de uma aura de tragédia – Marilyn tentou desesperadamente, mas em vão, escapar ao clichê de “sex symbol”; Presley entrava com frequência em depressões e Liz Taylor tinha constantemente problemas de saúde. Não seria de admirar que Andy Warhol se tivesse identificado, pelo menos em parte, com estas estrelas. O culto do sucesso é o laço que une o povo dos Estados Unidos da América. Andy Warhol pretendia ser um dos seus pontífices.

De início, trabalha como desenhador profissional de publicidade, cria anúncios para revistas de moda, tais como “Glamour”, “Vogue” e “Harper`s Bazaar” e abrevia o nome para Andy Warhol. Muda várias vezes de apartamento e de atelier e procura arranjar amigos. O sucesso veio relativamente depressa. O sonho americano de uma ascensão irresistível concretizou-se mais rapidamente do que esperava.

Evidentemente que a maneira como concretizou esta ascensão, deu lugar a imensas anedotas. O crítico de arte, Calvin Tomkins, conta que Tina Fredericks, então “art-director” da “Glamour”, contribuiu grandemente para isso. Ela teria ficado entusiasmada com os desenhos de Warhol, mas não fez qualquer utilização deles. “Ela disse-lhe que os desenhos eram bons, mas que, naquele momento, a “Glamour” só precisava de desenhos de sapatos. No dia seguinte, Andy voltou com cinquenta desenhos de sapatos no seu saco de papel castanho (…) Jamais alguém tinha desenhado sapatos como Andy.”

Muitos veem nos desenhos dos sapatos um motivo que se repete nos seus trabalhos até o início dos anos 1960, o capítulo mais importante da fase comercial da sua obra, em certa medida, a época Warhol antes de Warhol. Tomkins elogia a sua sutileza, estilo Henri de Toulose-Lautrec, e admira o seu rigor empírico. “Cada fivela estava no lugar certo.” A série dos Golden Shoes, criações livres, dedicadas a estrelas do cinema, como, por exemplo, Mae West, Judy Garland, Zsa Zsa Gabor, Julie Andrews, James Dean e Elvis Presley, ou a escritores, como Truman Capote e ao travesti Christine Jorgensen, e que, em certa medida, personificavam estas celebridades, teve grande êxito. Em 1956, uma exposição na Madison Avenue apresentava o álbum dos Golden Shoes, e que era um terreno fértil para os magos da psicologia.

O rasto do artista Andy Warhol, queixava-se Rainer Croner, perde-se num emaranhado de anedotas e de histórias. Conscientemente, os críticos de Arte tinham rodeado a vida e a obra de Warhol de uma ligeira mistificação, burilado a sua personalidade de artista ao jeito da sociedade de consumo, a fim de banalizar aquilo que a sua arte tem de único. Mas, em muitos casos, é o próprio Andy Warhol a origem das anedotas e histórias que gravitam em torno da sua pessoa. Havia boas razões para isto, pois só a bisbilhotice, versão profana dos mitos antigos, cria uma estrela. “Ele nunca perdeu de vista o seu verdadeiro objetivo: ser um artista e, embora nunca o tenha dito, uma estrela” – este, o resumo de Henry Geldzahler, o amigo de longa data.

(Baseado no livro Andy Warhol de Klaus Honnef, editora Taschen)  

Vídeo: música de David Bowie: “Andy Warhol”


Gustavo Bastos, filósofo e escritor

Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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