Texto e fotos Rogério Medeiros
Numa pequena e antiga propriedade em Conceição da Barra, cercada por árvores frutíferas, algumas remanescentes da mata atlântica, e animais circulando livremente, aconteceu um encontro para lá surpreendente, para não dizer inusitado. Um cenário um tanto raro no município, que é dominado pela monocultura do eucalipto. No local, os integrantes do Ticumbi costumam se reunir para ensaiar e manter viva uma das manifestações folclóricas mais importantes do Estado e do país.
A área situada no caminho para o município de São Mateus, próxima à saída do rio Cricaré, também recebe apresentações de forró e outras manifestações locais. Mas por ali, até então, nunca havia soado a música clássica. Neste sábado (28), o ensaio teve a presença do maestro da Orquestra Sinfônica do Estado do Espírito Santo (Oses), Helder Trefzger.
Foi a primeira vez que elementos da música erudita chegaram a esse ambiente forte, influenciado pela cultura negra, que fica relativamente à parte do que ocorre no Espírito Santo. Ali se encontravam integrantes do Ticumbi, que é bom assinalar, são todos negros, cultivam um ambiente de São Benedito – para eles mais do que um santo padroeiro, mas sim um deus, tradição que remonta ao passado, quando os negros eram combatidos pelas elites rurais da região, o que lhe restava era rogar ao santo.
Voltando ao encontro, o maestro Trefzger estava acompanhado de outros dois integrantes da orquestra. Eles estavam ali para ver o que pode ser utilizado no concerto especial – o Ticumbi do Espírito Santo – marcado para os dias 13 e 12 de dezembro, no palco do Theatro Carlos Gomes, em Vitória. As apresentações terão a participação especial do Mestre Terto (Tertulino Balbino), que está há 60 anos à frente do Ticumbi de São Benedito.
De caderninho na mão e caneta, eles ficam surpreendidos com a riqueza musical do grupo – composto por 18 integrantes, sendo que a maioria estava presente. Uma surpresa foi com o que acontece geralmente nos ensaios na época natalina, quando eles fazem o que se chama de forró de sapezeiro – um integrante toca sanfona e o restante do grupo toca pandeiro, mas ali não se toca forró, mas são tirados versos e jogando na roda, na sequência, outro pega um verso e por assim vai, mostrando um sentido de criatividade fantástico.
Logo depois, o Ticumbi deu uma visão das partes que se dá na apresentação de gala que ocorre sempre no dia 1º de janeiro – quando o grupo se reúne para sua própria sociedade, visto até pelo horário da apresentação, que se inicia às 9 horas e se encerra com uma saudação do rei de bamba que diz “Viva a nossa bela sociedade!”.
O maestro conversou muito com o grupo, estando de frente com uma cultura eminentemente negra. Geralmente os integrantes do Ticumbi fazem parte de uma família que está presente no grupo desde a escravatura, que pode ser vista como uma elite negra. Quem também acompanhava os músicos da Oses era o secretário estadual de Cultura, João Gualberto, presença constante em apresentações da cultura popular no Estado.
Essa será uma nova experiência musical para a Oses, que já tocou com banda de congo, bateria de escola de samba e incorporou outros estilos musicais ao clássico, como o rock e a bossa nova. O forró de sapazeiro poderá fechar o concerto, contando ainda com as embaixadas – que são tiradas pelos reis de Congo (cristão) e de Bamba (pagão), quando eles fazem um confronto (luta de espada) dentro da apresentação para saber quem dará o baile de São Benedito.
Todos saíram confiantes que encontraram algo de diferenciado na cultura popular do Espírito Santo, porque o Ticumbi é um quadro único.
Serviço
Apresentação do Ticumbi e Orquestra Sinfônica do ES
Quando: 12 e 13 dezembro
Onde: Theatro Carlos Gomes – Vitória.
As apresentações terão a participação especial do Mestre Terto (Tertulino Balbino), que está há 60 anos à frente do Ticumbi de São Benedito