quinta-feira, novembro 21, 2024
24.4 C
Vitória
quinta-feira, novembro 21, 2024
quinta-feira, novembro 21, 2024

Leia Também:

Artistas LGBTQIA+ conquistam espaço no hip hop capixaba

Afronta MC (foto) é a primeira trans a participar das tradicionais batalhas de rima 

“Us mano pow, as mina pá”, diz o famoso rap do cantor Xis. Mais recentemente, o movimento Hip Hop tem sido provocado a discutir também “as mona”. Assim como tem sido uma grande luta incluir as mulheres numa cena construída majoritariamente por homens cis héteros ao longo da história, as pessoas LGBTQIA+ vem tendo evidência na cena, contando com alguns aliados mas também com muito enfrentamento para conquistar seu espaço.

A websérie Mulheres do Hip Hop, realizada pela Nação Mulher ES, apresenta um pouco desse panorama em seu quinto capítulo, chamado Montadas para a batalha. Com apresentação da drag queen Lara Lestrange, é possível conhecer um pouco da realidade, das dificuldades e preconceitos enfrentados mas também da força e contribuição de artistas LGBTQIA+ no hip hop capixaba em seus diversos elementos.

Participa da obra Pandora da Luz, militante do movimento LGBTQIA+, uma das mulheres que atuam no movimento hip hop desde o início da década de 1990. E também uma série de artistas da nova geração que estão apresentando seus trabalhos e provocando debates dentro e fora do movimento hip hop, seja na dança, na música, no graffiti ou em outras atividades ligadas ao hip hop.

“Muitas mulheres passaram pelo hip hop e não ficaram. Não vou dizer que foram os caras que não deixaram. Mas não era muito facilitado, o machismo ainda é muito presente. As mulheres para permanecerem tinham que bicar o pé na porta e ainda ficar com o braço esticado para segurar”, diz como metáfora Pandora, que é estilista, produtora cultural e mobilizadora política junto ao movimento. Se a presença feminina tem crescido ao longo dos anos, a questão LGBTQIA+ está em momento de emergência, sem estar desvinculado de tudo que acontece na sociedade em geral, já que o hip hop é um movimento cultural e social.

Pandora acredita que nas décadas passadas, se haviam pessoas LGBTQIA+ no hip hop era mais difícil se assumir como tal, pois isso poderia colocá-las em situação desqualificadora. “Eu não em assumi como LGBT dentro do hip hop. Fui é participar do movimento LGBT e no hip hop nunca me perguntavam nem eu dava satisfação”, conta.

O hip hop possui quatro elementos: o graffiti, os DJs, os MCs e o break dance. A websérie entrevista Dan Dan MC, considerado o primeiro gay a participar das tradicionais batalhas de MC, onde os rappers se enfrentam num campeonato de rimas. Também Afronta MC, a primeira trans a participar.

“Ser uma pessoa como eu no dia a dia, sair como saio, me vestir como me visto, traz muitas dificuldades pois as pessoas da sociedade nos dizem o tempo todo como somos erradas por ser como somos e muitas se sentem mal consigo mesmas”, diz Afronta MC, que começou a acompanhar as batalhas de MC em 2018 mas só tomou coragem para entrar numa delas em março de 2019, depois de se sentir fortalecida ao ver vídeos de artistas como Monna Brutal, de São Paulo.

Depois de estrear nas batalhas de MC, Afronta vem investindo em produções musicais. Foto: Brenda Lima

Sobre participar das batalhas, ela explica que é difícil os homens abrirem mão do privilégio e darem espaço para pessoas LGBTQIA+, mas acredita que o cenário vem mudando a partir da luta dessas pessoas para terem acesso aos espaços. “Infelizmente a coisa avança de forma muito lenta. A gente tem que sacudir, dar um remelexo. Isso me incomoda porque poderia estar acontecendo mais rápido se as pessoas prestassem mais atenção, se ligassem nas coisas, ouvissem mais, para dar oportunidade a todas pessoas serem ouvidas”, considera Afronta.

“É uma barra, um rolezão. Consigo segurar por mim e pelas minhas, daí que tiro a força”, diz ela, que se define como não-binária e entende que mesmo sendo o rap de origem periférica, majoritariamente pessoas negras, como ela é, as pessoas do movimento não estão livres de preconceitos vindas de sua formação.

Apesar das dificuldades, ela vê muitas possibilidades de alianças no movimento hip hop. “Eles tem muito o que aprender com a gente e a gente também tem muito o que aprender com os caras. Eu aprendi muito. A troca é muito importante. Luto cada dia para que mais bichas e travas possam construir essas trocas com pessoas cis e héteros, de termos a chance de conversar, trocar e ver que contribuições podemos trazer para a vida de cada uma”, considera.

Para Pandora, a presença LGBTQIA+ traz renovação para o hip hop, tanto musicalmente como politicamente. “No rap cada um pega o microfone e fala de sua realidade. No graffiti, na dança e na discotecagem, também se trata de contar histórias. É muito bacana ver as pessoas falando de suas realidades, dos preconceitos, amores, dissabores, da opressão. Quando a comunidade LGBT resolve contar sua história através desses elementos é algo fabuloso, traz um brilho novo”, diz, considerando também os elementos estéticos cheios de cores trazidos por artista LGBTQIA+ para um ambiente em que tradicionalmente imperou o preto e o cinza nas vestimentas. “Há uma alegria, um sorriso novo, uma nova maneira de contar histórias. É fabuloso”, considera.

Pandora da Luz, uma das pioneiras ente mulheres e LGBTQIA+ no hip hop capixaba. Foto: Divulgação

Afronta destaca também a contribuição desses artistas para trazer novas sonoridades para dialogar com o rap, e novos elementos na composição e no flow, no ritmo e jeito de cantar. Coragem e ousadia são duas palavras que ela considera fundamentais. “Tem homens cis héteros que tem vergonha de ir além de certos pontos, têm medo. Nós crescemos ouvindo as divas pop fazendo falsetes inimagináveis. Para nós, ousar e fazer close e lacração sempre foi muito importante. Sempre fazer o possível pra inovar e surpreender. Se eles prestarem atenção tem muito o que aprender com a gente”, sugere. O mesmo pode valer para os outros elementos do hip hop.

Pandora considera ainda que a visibilidade das artistas LGBTQIA+ tem ajudado a manter vivos certos elementos importantes historicamente no movimento hip hop. “Estão de alguma forma retomando essa tradição original de falar dos movimentos sociais, da realidade de suas quebradas, de maneira que os homens já não conseguem falar. Trazendo de volta essa discussão politizada e politizante que o hip hop vem perdendo de alguma maneira nos últimos anos”.

Mulheres do Hip Hop

Quanto à websérie Mulheres do Hip Hop, além do episódio que aborda a presença LGBTQIA+ no hip hop, há outros quatro capítulos no ar, cada um com um tema. Todos estão disponíveis no canal da Nação Mulher ES, ligada ao movimento Nação Hip Hop. Outros cinco episódios ainda virão.

O projeto Mulheres do Hip Hop incluiu 10 artistas, que participaram de oficinas e atividades de formação em áreas como gestão de projetos culturais e gerenciamento de mídias sociais, com intuito de apoiar em suas carreiras. Também receberam um cachê, especialmente importante em tempos de pandemia em que muitos artistas tiveram sua renda afetada pela paralisação das atividades culturais. Para isso, o projeto contou com apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos.

A DJ e produtora cultural Deb Schulz, idealizadora da ação, conta que a intenção é que o projeto tenha visibilidade para apresentar a realidade das mulheres no hip hop capixaba e também conseguir monetizar pelo número de acessos para que possa gerar recursos para as artistas. Ainda virá também uma série de podcasts temáticos, que serão divulgados pela Nação Mulher ES em seu canal no Instagram.

“Queremos não só mostrar o que elas estão produzindo em termos artísticos, mas além disso suas atuações dentro dos territórios em que vivem. O hip hop vai além da produção dos artistas, vai na formação de base e isso também é invisibilizado”, diz Deb Schulz.

Mais Lidas