A Associação de Folclore de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, formalizou, nesta terça-feira (5), o pedido de anulação da eleição do Conselho Municipal de Política Cultural, “por vícios irreparáveis ocorridos durante o pleito”, conforme consta no ofício protocolado na prefeitura, destinado à secretária de Cultura e Turismo, Fernanda Maria Merchid Martins Moreira. O documento também foi encaminhado para o prefeito Victor Coelho (PSB); o presidente da Câmara, Brás Zagotto (PV); e o vice-prefeito Ruy Guedes Barbosa Júnior (Pode).
No ofício, a entidade destaca que o artigo 3º da Lei Municipal 6751 determina que oito dos conselheiros do Conselho Municipal de Política Cultural sejam “representantes de entidades da sociedade civil organizada em setores artísticos e culturais”, sendo escolhidos por elas, e não por meio de eleições. Salienta ainda que, entre esses representantes, um dos segmentos contemplados é a “Cultura Popular”, portanto, a pessoa que o representa “deverá ser um legítimo representante da única entidade municipal que historicamente reúne os portadores do patrimônio imaterial cachoeirense: a Associação de Folclore do Município de Cachoeiro de Itapemirim”.
A Associação prossegue relatando que na, eleição, “alguns servidores da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo votaram no nosso segmento, a pretexto de terem ‘criado’ um coletivo, sendo que uma servidora se colocou como candidata à ocupação do cargo”. A criação de coletivos, conforme aponta a entidade, é importante, “entretanto, não é lícito se apropriar de conhecimentos tradicionais para tirar vantagens de nossos saberes”, além de ser “função de todas as esferas do poder público, seja ele do executivo, do legislativo e do judiciário, proteger o segmento da cultura popular e do patrimônio imaterial desse tipo de atitude, conforme os artigos 215 e 216 da Constituição Brasileira”.
A entidade aponta ainda que, no processo para ocupação das câmaras, as pessoas deveriam comprovar que são reconhecidas como representantes do segmento, “o que não foi o caso”. Diante do fato de o suplente do segmento da Cultura Popular ser representante das religiões de matriz africana, destaca que o segmento “Cultura Popular” não é religioso, embora muitos integrantes sejam dirigentes espirituais de religiões de matriz africana e também de tradições cristãs.
“Uma pessoa que se intitule representante de um segmento religioso, não pode nos representar, inclusive consideramos muito perigoso misturar religião em um Conselho de Política Cultural”, defende, explicando que o artigo 21 da Constituição Federal define que “o patrimônio cultural brasileiro não inclui a religião como patrimônio, e nem poderia incluir, porque estaria contrariando o princípio de separação entre o Estado e religião consagrado na própria Constituição”.
A entidade aponta, por meio do ofício, que a função do Conselho é acompanhar e fiscalizar tanto as ações da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo como a aplicação do Fundo Municipal de Cultura. Por isso, considera “que a presença de servidores públicos, sejam eles pertencentes ao quadro da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, seja aos quadros de quaisquer outras secretarias da administração ou de autarquias municipais, seja ilegal ou no mínimo imoral”, pois “um servidor público não poderá representar a sociedade civil no âmbito da própria administração que o emprega. Desta maneira, não poderá ser isento nas ações de acompanhamento e fiscalização da própria administração pública”.
A Associação também critica o fato de as eleições terem sido virtuais, “o que limitou de forma absoluta a participação legítima da sociedade civil a esse ato administrativo, em especial do segmento cultura popular, que é composto por muitas pessoas que não possuem acesso à internet, seja por residirem em regiões do interior do município não cobertas por sinal de telefone ou internet, seja por não terem familiaridade com as redes sociais em função da idade avançada, seja por não possuírem recursos financeiros para tal”.
Racismo de Estado
O membro fundador e gestor de projetos da Associação, Genildo Coelho, considera que
essas práticas são “racismo de estado“. “Olham o segmento da cultura popular como de pessoas frágeis, negras, pobres, com pouca condição financeira, por isso, acham que podem manipular. Se aproveitam do estado em benefício próprio, se aproveitar da condição de servidor público para representar um segmento ao qual não se pertence é racismo de estado, é prevaricação, inclusive”, denuncia. E acrescenta: “nos olham como um setor menor, menos importante, como coitadinhos, bando de favelados”.