Concentrados, todos tocam e cantam juntos com um sorriso no rosto e sem dispersar a atenção da capitã que dá a cadência por meio do apito e dos gestos firmes. Com um repertório de canções conhecidas do congo tradicional como Ajuda Eu, Madalena e O Velho da Palmeira, o grupo de jovens da Banda de Congo Mirim da Ilha se apresentou nessa segunda-feira (11) no evento Sonora Brasil Tambores e Batuques, no Museu do Negro.
O grupo estava em festa e comemorava 15 anos de existência. A banda começou com o projeto Congo nas Escolas, que aprovado pela Lei Rubem Braga teria apenas cinco meses de educação. Entretanto Fábio Carvalho, um dos coordenadores, percebendo a dedicação e o interesse das crianças decidiu correr atrás de apoio para garantir que o projeto continuasse além do prazo previsto pela lei de incentivo.
Assim nasceu a Banda de Congo Mirim da Ilha, que hoje é formada por 25 crianças e adolescentes com idades entre 8 e 23 anos, moradores da Grande São Pedro. O projeto tem sua sede na Ilha das Caieiras, um local que a princípio não tinha a tradição de congo, mas mesmo assim não houve dificuldade em despertar o interesse nas crianças.
“O Tambor gera uma paixão impressionante. Todo mundo já nasce com um groove seja na batida do coração ou na própria pulsação, então querer batucar é natural. Além disso, a música leva essas crianças para novos locais onde elas conhecem outras pessoas e outras realidades e essa convivência criou nelas o amor pelo congo”, conta Fábio.
O instrutor explica que a missão do projeto é levar para as novas gerações o ritmo, a melodia e a tradição do congo a fim de manter viva a cultura. O Congo nas escolas promove aulas práticas e teóricas sobre a história e a música do congo, tradição da cultura capixaba, além de oficina de Musicalização. Também promove visitas culturais a cinemas, teatros e exposições em galerias de arte.
Os participantes contam com acompanhamento psicopedagógico e plano de saúde. As oficinas de Congo têm como instrutor o Mestre Zé Bento que há doze anos transmite seus conhecimentos através de uma didática própria que desenvolveu para atender a crianças e adolescentes.
As oficinas acabaram despertando a musicalidade de muitos alunos que começaram a estudar música e iniciarem projetos próprios. É o caso de Heverton Lucas Barbosa, de 20 anos, que já passou pelo tambor e agora está tocando a cuíca. Ele também é DJ e produtor musical e costuma usar as toadas de congos para incrementar a música eletrônica e garante que a mistura tem feito sucesso.
O interesse pelo congo veio de um tio que é membro da tradicional Banda de Congo da Barra do Jucu Mestre Honório, na qual toca casaca. “Ele me deu uma casaca de presente e sempre me incentivou a tocar, foi com ele que aprendi sobre a história do congo e a reconhecer sua importância”, conta Heverton. Para o jovem, manter viva a tradição depende da nova geração, “precisamos aproximar o congo dos jovens, ainda há muito preconceito em volta do congo, já ouvi muitos dizerem que é macumba, por isso o conhecimento é importante para acabar com essa visão errada”.
Ana Kecilly Costa Vieira, de 14 anos, também compartilha da opinião de Heverton. “Antes das oficinas eu não sabia nada sobre o congo, não conhecia nenhuma música e nem a sua história. Hoje sei que o congo é maior representação da cultura do Espírito Santo e quero passar isso pros meus filhos e netos”, diz.
Para Fábio trabalhar com crianças é muito recompensador e ele confessa que na maioria das vezes acaba aprendendo mais do que ensinando. “A troca é constante, nós só somos um instrumento para oferecer aquilo que eles querem e a cada dia a gente se surpreende mais”, afirma. Fábio comenta que a paixão pelo Congo é tão grande que muitos que terminaram a escola continuam frequentando as aulas e comparecendo as apresentações, a capitã atual da banda é uma dessas alunas que começou no grupo bem nova e hoje é uma das únicas mulheres a frente de uma banda de congo no Espírito Santo.
A banda de Congo Mirim da Ilha já gravou um CD, o Batuque Muleque e agora já está trabalhando no segundo disco. “Nós não produzimos músicas autorais, nós homenageamos e resgatamos canções antigas dos grupos tradicionais de congo. Esse segundo disco vai fazer um mapeamento dessas canções de bandas de congo em Vitória, Vila Velha, Serra, Cariacica e Guarapari”, explica Fábio.
O grupo faz parte das atividades do Centro Cultural Caieiras que em 2004 o grupo foi contemplado com o edital nacional e se tornou um dos Pontos de Cultura do estado. O Centro é dividido em Núcleo de música com a formação de um grupo de percussão chamado Manguere, Núcleo de Artes Cênicas, Circo e Teatro e o Núcleo de Memória Audiovisual, que trabalha a produção de documentários e a exibição de filmes e fotografia. O centro também atua na formação profissional e oferece por enquanto duas oficinas, uma de roadie e outra de Home Studio.
Evento
O Sonora Brasil é um projeto temático do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Sesc) e visa à promoção e à formação de ouvintes musicais, desenvolvendo programações identificadas com a história da música no Brasil.
Sempre a partir das 19 horas, haverá apresentações de um grupo musical de outro estado ou local. O projeto traz manifestações da tradição oral presentes em comunidades, como quilombolas, que têm o tambor como um elemento fundamental e, em alguns casos, sagrado.
PROGRAMAÇÃO
Terça-feira (12) | 19h
Grupo Alabê Oni (RS)
Quarta-feira (13) | 19h
Grupo Raízes de Tocos, Antônio Cardoso (BA)
Quinta-feira (14) | 19h
Banda de Congo da Barra do Jucu (mestre Honório), Vila Velha (ES)
Sexta-feira (15) | 19h
Bateria da Unidos da Piedade, Vitória (ES)
Sábado (16) | 19h
Grupo Samba de Cacete da Vacaria, Cametá (PA)