Com romance inédito sobre um pugilista, escritor do Espírito Santo recebe um dos mais importantes prêmios do país
“As configurações de alegria foram atualizadas”, diz Caê Guimarães ao telefone numa manhã nublada de sexta-feira. Desde domingo ele convivia em segredo com uma felicidade que explode dentro de si, só revelada ao mundo no dia anterior. Entre outros 691 candidatos, seu primeiro romance, Encontro você no oitavo round, foi premiado como vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2020, um dos mais importantes a nível nacional.
“O Prêmio Sesc de Literatura é hoje um dos grandes ventiladores, um dos renovadores da literatura brasileira. Nomes que surgem por lá são grandes nomes da literatura. E a gente ter nessa peneira Caê Guimarães é um grande momento da literatura do Espírito Santo”, explica o escritor Saulo Ribeiro, diretor da Editora Cousa, que lançou algumas obras do autor.
Com o prêmio, Encontro você no oitavo round, ainda inédito, será lançado pela editora Record, além de possibilitar ao autor circular pelos diversas unidades do Sesc pelo país para apresentar a publicação, que deve sair no final deste ano.
Nascido no Rio de Janeiro e vindo ainda criança para o Espírito Santo, Caê é além de escritor, jornalista, roteirista e redator. Sua carreira na literatura tem mais de 20 anos, mas se destacava até então pela poesia, além de contos e crônicas.
Concluir o primeiro romance, que já nascerá premiado, não foi uma tarefa simples. Começou em 2012 e parou várias vezes. “Parei e voltei a ele umas quatro ou cinco vezes, tenho várias versões da história contada de forma diferente, com estilo diferente e algumas alterações”, conta ao Século Diário. Na verdade, afirma que havia começado escrevendo o que julgava ser um conto. Mas entre escrituras e intervalos, percebeu que já tinha cerca de 40 páginas e que o conto estava virando um romance.
“Na penúltima vez que voltei a escrever, pensei que não era a minha, que não sou romancista. Mas no ano passado retomei com uma força que já não tinha como parar”. Ele metaforiza a escritura de um romance com a tentativa de domar um cavalo selvagem montado em pelo. “É um mergulho no escuro, você não sabe onde vai. A própria história vai te conduzindo. Parece meio chavão dizer isso, mas não é”.
Como sugere o título, Encontro você no oitavo round é uma obra situada no espaço do pugilismo, bastante masculino. Mas um dos pontos fundamentais para conclusão do livro é a personagem feminina, uma jornalista, que antes só na última versão vai ganhar uma participação mais importante, servindo como elemento de transformação da narrativa, que vai evidenciar os mistérios da obra.
O boxe não era algo desconhecido para Caê Guimarães. Seu avô havia sido pugilista amador no Rio de Janeiro e costumava acordá-lo para assistir às grandes lutas que ocorriam nas madrugadas por conta do fuso horário, contando ao neto sobre os golpes e as lutas em si. Na literatura, o escritor encontrou o pugilismo em obras como o livro de contos Nocaute: 5 histórias de boxe, de Jack London, e A Luta, de Norman Mailer sobre a histórica luta entre Muhammad Ali e George Foreman no Zaire na década de 1970.
“É um universo que tem uma carga dramática muito interessante para a literatura, mais que outras atividades físicas, pelo risco que impõe a luta, a grosso modo praticada por pessoas excluídas pela sociedade, sendo que os grandes campeões são negros, latino-americanos, caribenhos, que encontraram lá uma forma de se firmar num mundo excludente”.
O livro não é só sobre um esporte e uma competição. “O boxe é um cenário. É uma história sobre redenção que poderia ser ambientada em outro espaço. Mas eu escolhi o pugilismo para esse percurso”, diz Caê Guimarães.
O personagem principal é um pugilista em fim de carreira que se prepara para a última luta e enfrenta um zumbido que o atormenta. Os medos e angústias o levam a correr se afastando da cidade, do urbano. Uma frase de um livro de Albert Camus norteou a escritura de Caê sobre seu personagem, quarentão como ele, que narra a obra em primeira pessoa: “O que foi que eu fiz com a única existência que me foi dada a viver?”.
A obra guarda um mistério sobre o motivo de seu abandono de outra profissão para um ingresso tardio na carreira de pugilista, que agora se acerva ao fim, promovendo novas angústias. A primeira metade da obra é sobre a preparação para a luta e a segunda sobre a luta em si, sendo cada capítulo um round, daí a preocupação do escritor em descrever com detalhe, carga emocional e qualidade literária os momentos de uma luta, inspirando-se em diversos dos grandes combates históricos que se propôs a assistir durante a elaboração do livro.
Como o boxe é um universo que geralmente não é muito conhecido pelos amantes da literatura, o autor conta que buscou também que o personagem falasse um pouco sobre pugilismo ao longo da obra para ambientar o leitor. Também aproveitou outro universo, bastante conhecido por ele, que é o do jornalismo, ao qual o livro apresenta algumas críticas sobre o imediatismo, sensacionalismo e outros aspectos problemáticos dessa prática no mundo contemporâneo.
“É um romance de extensão breve, mas que tem um fôlego muito concentrado em uma densidade poética da linguagem que verticaliza e põe em uma profundidade muito grande a experiência da leitura. Um romance, uma escrita que pega do princípio ao fim e que é extremamente bem construída, tem uma artesania de linguagem, de criação muito boa”, analisa a jurada Renata Pimentel, que participou da seleção final junto com Samarone Lima, elegendo de forma unânime a obra de Caê.
Na categoria Contos, o vencedor foi o gaúcho Tônio Caetano, com o livro Terra nos cabelos.
Em meio à pandemia e enquanto aguarda o lançamento do livro e a circulação pelo Brasil, Caê Guimarães já se aventura num segundo romance, Filho de Zeus e seu avô, já em andamento. Parece que tomou gosto. Escrever, assim como coçar, é só começar.