Historiador aponta necessidade de pensar melhorias para palco dos desfiles

Foi na dispersão do domingo, último dia dos desfiles do Carnaval de Vitória, que encontrei Walace Bonicenha, professor, historiador e um grande folião do carnaval, atualmente presidente da Associação de Moradores do Centro de Vitória (Amacentro). “Está linda a festa, mas uma coisa que precisa ser pensada é a melhoria do Sambão do Povo”, provocou.
Aquilo era ainda mais evidente no domingo, quando o local está na “ressaca” do desfile das maiores escolas de samba do Estado, que passaram por lá na madrugada de sábado. Já era noite, mas uma montanha de lixo ainda permanecia na calçada no caminho externo ao Sambão, exalando mau cheiro. O lugar que era de fluxo encontro vazio, enquanto desfilam as escolas do Grupo de Acesso B, a terceira divisão do Carnaval, que aliás, mereciam uma atenção maior das autoridades, da mídia e do público capixaba.
Num pequeno beco, na madrugada de sábado, foliões que foram assistir e outros que desfilaram ou vão desfilar se cruzam no caminho entre a concentração e a dispersão, por vezes tendo que desviar quando as fantasias são mais vultuosas. Lidar com as poças d’águas é inevitável, tanto pela chuva que costuma vir nos dias de desfiles, como por conta da água dos aparelhos de ar condicionados dos camarotes que são despejados ali, direto no chão ou na cabeça dos transeuntes.
“O Carnaval cresceu, mas a estrutura é a mesma. Precisa melhorá-la especialmente onde acontece a festa dos foliões, de quem produz, dos brincantes de fato”, diz Walace, que chegou a desfilar no Carnaval de inauguração do Sambão do Povo, em 1987. Enquanto nos camarotes a iniciativa privada se preocupa em garantir cada vez mais luxos a preços exorbitantes para uma noite, o poder público vacila em conseguir dar solução para o folião comum.
Walace reclama que faltam banheiros – e acrescento que falta manutenção dos que existem durante os três dias – e que estruturas dos camarotes restringiram o acesso dos foliões de uma ponta a outra do sambódromo pelo lado da baía de Vitória.
O historiador aponta a pouca estrutura da sala de jurados, personagens decisivos para o resultado do Carnaval, que passam mais de oito horas acompanhando e avaliando os desfiles. Acrescento também a sala de imprensa, que, pasme, não tem vista para os desfiles. De lá os jornalistas veem apenas paredes. Precisam descer para a pista se quiserem ver as escolas passando e subir novamente caso necessitem transmitir algo de lá.
Não é de hoje que se reclama da necessidade de melhorias no local. “Mas as autoridades só se lembram do Sambão dois ou três meses antes do Carnaval”, reclama o professor. Além de problemas estruturais que já levaram a interdição de alguns espaços, ele considera importante se ater aos detalhes que podem melhorar a experiência dos apaixonados pela festa que circulam por ali.
As próprias concentrações e dispersões, que não fazem parte do desfile oficial, mas são fundamentais para o mesmo, poderiam ser melhorados para maior organização da festa e da circulação de pessoas e carros alegóricos, evitando também o risco de acidentes ou entroncamentos que podem prejudicar os desfiles das escolas.
Quem sabe também não se poderia pensar em algum monumento ao samba capixaba que pudesse servir como um marco ao final do desfile, a exemplo dos arcos da Praça da Apoteose na Sapucaí – guardada a diferença de que o sambódromo capixaba termina em uma avenida contínua do município e não numa praça.
O historiador enxerga a anunciada construção da Cidade do Samba, em espaço entre o Parque Tancredão e o sambódromo, seja uma oportunidade de repensar também a estrutura da passarela do samba, para a qual seria importante ouvir os foliões e usuários do espaço. Não é hora de criar um Museu do Carnaval do Espírito Santo? Que reúna a história dos festejos, bailes, escolas de samba, blocos, batucadas e tudo mais que compõe essa manifestação que encontra no Espírito Santo um local de particular desenvolvimento?
Isso poderia caber na própria estrutura do Sambão, que já abriga a Escola da Ciência, Biologia e História, ou na Cidade do Samba, que terá 16 mil metros quadrados com dois galpões e sete barracões para confecção de adereços e alegorias e montagem de carros alegóricos das escolas de samba do Grupo Especial. A previsão é de que as obras começariam neste ano de 2025, após a realização dos desfiles.
Sobre o Sambão do Povo
O sambódromo capixaba foi o segundo do tipo no Brasil, criado três anos depois da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, e foi construído em tempo recorde na gestão do prefeito Hermes Laranja. Foram pouco mais de quatro meses entre a assinatura do contrato e a inauguração do local, em 27 de fevereiro, num sábado de Carnaval. Mas o grosso das obras começou apenas a partir de 6 de janeiro, conforme registrou na época uma reportagem da TVE.
Isso foi possível graças colaboração da vizinhança e de foliões e sambistas, o que ajudou a cunhar o nome popular do espaço, oficialmente chamado de Complexo Walmor Miranda, em homenagem a um famoso Rei Momo.
Antes da construção do sambódromo, os desfiles aconteciam nas avenidas do Centro de Vitória (com exceção de uma ocasião em que foram realizados na Reta da Penha). Foi o crescimento do Carnaval que provocou a criação do Sambão, que depois entraria em decadência ao ficar quase 10 anos sem utilização para os desfiles. Isso porque houve uma paralisação das escolas em 1992, quando parte das escolas de samba decidiram não desfilar por falta de apoio e recursos do poder púbico e da inciativa privada para a celebração. No ano seguinte, nenhuma escola voltaria a sair no sambódromo.
Os desfiles só voltariam a ser realizados, de forma não competitiva e na Avenida Jerônimo Monteiro, entre 1998 e 2001, já que a estrutura do Sambão do Povo, em desuso, estava abalada. Em 2002, na gestão de Luiz Paulo Velloso Lucas (PSDB), o evento retornou ao sambódromo e a disputa pelo título voltou a ser realizada, embora nem todas escolas tenham sobrevivido aos tempos de paralisação.
No finalzinho de 2013, em um dos últimos dias da gestão do prefeito João Coser (PT), foi inaugurada uma reforma do Sambão, em parceria da prefeitura com o governo do Estado.
De lá pra cá, algumas escolas de samba que não mais desfilavam voltaram às atividades e novas escolas vem surgindo e se integrando às ligas, que já totalizam 19 agremiações na disputa.
O Carnaval de Vitória só cresce, e o seu palco precisa acompanhar esse crescimento, com foco em quem vive e faz a festa acontecer, como ressalta o professor Walace Bonicenha.