Depois de promover trocas de cartas com crianças indígenas, Projeto Tupiabá chegará a comunidades quilombolas e pomeranas
Em meio à pandemia do coronavírus, com as escolas indígenas fechadas, um projeto promove a troca de cartas entre comunidades indígenas e pessoas de outras localidades. O projeto Tupiabá recebeu mais de 400 cartas destinadas a crianças e jovens de diversas etnias e agora se prepara para um novo momento, em que busca alcançar também crianças e jovens quilombolas, pomeranos e italianos do Espírito Santo.
Inspirado nas reflexões do líder e intelectual indígena Ailton Krenak, o projeto busca levantar “Ideias para adiar o fim do mundo”, nome de um pequeno livro resultante de uma palestra de Ailton. Tanto as crianças e jovens das aldeias são estimuladas a escrever e responder cartas, como qualquer pessoa pode enviar cartas a elas por meio de um formulário na internet. “Propomos pensar e fazer uma reflexão a partir das crianças indígenas, que são sujeitos competentes de suas culturas”, conta Marina Miranda, professora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e uma das coordenadoras do projeto junto com a professora Fernanda Camargo, da Universidade Federal do Estado (Ufes).
Marina lembra das inúmeras cartas coletivas escritas pelos povos originários para a sociedade brasileira e mundial denunciando os maus-tratos e invasões de seus territórios ou falando de suas sabedorias e seus processos identitários e cosmológicos. “Esse projeto é importantíssimo para na verdade a gente responder essas cartas, que há 520 anos têm sido escritas e a gente não respondeu”, diz. “Esse processo de proximidade com o restante da sociedade nos chama para sermos aliados deles nessa luta pelo território, pela demarcação de suas terras, que vem acontecendo há muito tempo”, lembra.
Depois de reunidos os relatos online, o projeto imprimiu essas cartas e as entregou para os professores indígenas as distribuírem entre os estudantes, junto com postais com ilustrações de povos originários, um kit de materiais de escrita e desenho, e máscaras para proteção contra contágio por Covid-19. O momento de entrega e os dias seguintes acabam sendo uma oportunidade de socialização e aprendizagem para as crianças e jovens, diante das escolas fechadas. As leituras e escritas de novas cartas os trazem a refletir sobre sua identidade e território.
O projeto foi concebido durante o Abril Indígena, evento nacional que reúne diversas etnias e que este ano teve que acontecer em formato online devido à pandemia. Surgiu a partir de vivência anteriores de muitos anos atrás e de conhecimentos que vêm de tempos ancestrais. Graduada e mestre em Educação pela Ufes e doutora na Bahia, Marina uniu no projeto comunidades indígenas do Espírito Santo e do sul baiano, de etnias como Tupinkim, Guarani e Pataxós, em parceria da UFSB com as comunidades, e a Ufes, por meio de seu Programa de Licenciatura Intercultural Indígena (Prolind), que está formando professores indígenas para atuar nas aldeias de Aracruz, norte do Estado.
Em parceria com dois grupos de pesquisa, o Tupiabá também pretende contribuir para articular o trabalho acadêmico com o saber popular. “Minha ideia é criar uma universidade com professores e professoras crianças. Somos adultos maltratados pelo mundo, que corre o risco de acabar. As crianças têm muito a nos ensinar”, propõe uma das cartas.
O Tupiabá também tem outros desdobramentos, entre eles no audiovisual. O mestre de cultura popular Itamar dos Anjos fez a leitura dramatizada de uma delas.
O projeto chamou atenção da TV Uneb, da Universidade do Estado da Bahia, que está produzindo uma série de vídeos relacionado com o projeto e as cartas.
A ampliação da interculturalidade do projeto, agregando além das diversas etnias indígenas outras comunidades tradicionais, conta com apoio de professores da Serra, Santa Maria de Jetibá e Santa Teresa, que articulam com essas comunidades a participação. No Espírito Santo, as cartas chegaram às aldeias de Pau Brasil, Comboios e Nova Esperança (Kaagui Porã), todas em Aracruz.
“Ñande mitãramo, opa rupi ñande jaiko”, diz um provérbio do povo Guarani Kaiowaá, que é lembrado pelo Projeto Tupiabá. “Quando somos criança, vivemos por toda parte”.