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Celebremos Sérgio Blank, o poeta puro e implacável

Escritor cariaciquense encantou nessa quinta-feira e deixou um legado de amor e ação em favor da literatura no Espírito Santo

Um dia depois de completar um ano da posse como imortal da Academia Espírito-Santense de Letras (AEL), o escritor Sérgio Blank partiu de fato para o mundo dos eternos nessa quinta-feira (23).

Apesar da saúde frágil – tinha cirrose hepática e esperava há sete anos por um transplante de fígado- a morte surpreendeu a todos amigos e familiares, pois muitos haviam mantido contato recente e ele aparentava estar muito bem.

Sua partida rendeu muitas homenagens, mostrando o peso de seu trabalho como escritor e sua incansável militância em favor da leitura. Nascido em 1964 em Cariacica, Sérgio lançou o primeiro livro aos 20 anos, e teve uma produção intensa entre os anos 80 e 90, publicando seis livros em 12 anos, em obras que se destacavam por serem bastante diferentes entre si, em sua busca de construção de uma linguagem. “Foi um período em que eu era uma criatura apaixonada pela vida, pelas coisas e pelas pessoas. Então essa paixão pela vida me levou a escrever”, disse em entrevista pública em evento no Centro de Vitória.

Vitor Nogueira

De 1996 a 2019 viveu um longo hiato sem lançar obras inéditas, curiosamente rompido com o lançamento de Blue Sutil, uma coletânea de textos que vinha publicando em suas redes sociais. “O que eu vejo hoje é que meu compromisso quando comecei (…) é o mesmo. É a responsabilidade com a palavra, o respeito pela palavra, e é um compromisso que eu tenho e acho que consegui cumprir nesses 35 anos”, disse no ano passado.

“A palavra é tão maltratada por todos nós no cotidiano”, apontou mais como uma constatação do que como uma crítica. “A partir do momento em que eu coloco que meu maior oficio é trabalhar a palavra, tudo que eu publiquei, que eu levei ao público, que eu levei a ser transformado em literatura, essa responsabilidade com a palavra eu mantive. Eu tenho essa segurança”, afirmou o escritor. “Meu compromisso com a palavra se manteve até no silêncio”.

Mesmo nos anos em que passou sem publicar obras inéditas, Sérgio Blank nunca deixou de estar envolvido com a literatura. Foi editor, crítico literário, organizador de eventos, gestor e trabalhou na Biblioteca Pública do Espírito Santo. Na entrevista já mencionada, o escritor Caê Guimarães chega a lançar o desafio para alguém apresentar uma pessoa ou instituição que tenha feito mais no Estado em prol da promoção do livro e da leitura em todas suas facetas.

Em 2016, o documentário independente Risque Meu Nome do Mapa entrevista Blank e conhecedores de sua obras justamente nesse período em que levava anos sem publicar.

Tímido mas atencioso, de personalidade discreta e gentil, Sérgio cativou admiradores de sua obra e pessoa. O escritor e professor de literatura Francisco Grijó, hoje secretário de Cultura de Vitória, lembrou as palavras de Reinaldo Santos Neves, amigo em comum de ambos, para descrevê-lo: “Sérgio era um puro”, falando sobre sua forma de se relacionar com as pessoas. “Mas não condizia com a fúria de suas palavras, com a potência implacável de seus versos, com o que foi capaz de ensinar a quem amava a literatura em geral e a sua, em particular”, disse.

O poeta e professor do departamento de Letras da Universidade Federal do Estado (Ufes), Orlando Lopes, destaca na obra de Sérgio três aspectos: leveza, efemeridade e singularidade. Grijó fala da marca selvagem, como um poeta que não tinha futuro, mas presente. “A ideia de futuro era sempre desbancada por poemas que, presentificados, podiam ser lidos em qualquer época”, aponta. “Sérgio escrevia para todos, desde que esses todos fossem como ele: inteligentes, honestos, prontos a encarar o abismo, preparados para enfrentar a dificuldade que é a criação em todos os sentidos. No caso dele, a literária”, complementa Francisco Grijó.

Outro ponto marcante na trajetória de Blank foi o lançamento de Safira, sua única obra infantil que se tornou um clássico do gênero no Espírito Santo. Na véspera de sua partida deste plano, publicou em seu Facebook destacando que gostava de ser convidado para visitar as escolas, conversar com as crianças sobre o livro e ser apresentado pelas professoras como escritor infantil. “O compromisso de um escritor infantil devia ser soltar pipas, jogar bola de gude, tomar banho de chuva descalço, comer fruta tirada-do-pé, colecionar álbuns de figurinhas, brincar de pique-esconde e comer algodão-doce feito de nuvens. Essas pequenas delícias da poesia. Aprecio ser um escritor infantil”, escreveu. Na tarde do dia seguinte, seria encontrado sem vida em sua casa por parentes. O poeta encantou.

“Sérgio era um dos pilares da literatura produzida no Espírito Santo, além de importante ativista dela”, exaltou Saulo Ribeiro, escritor e editor da Cousa, editora que lançou a coletânea Os Dias Ímpares, que reúne toda obra poética publicada de Sérgio Blank e foi adotada no vestibular da Ufes em 2015. “A certeza é que a obra de Sérgio não morre. É original, criativa e forte. Como era o poeta”, reflete Saulo.

Blue Sutil, a última publicação, que reúne microcontos e crônicas, traz um sopro de leveza em tempos tão difíceis. Entre outros, lembramos um de seus textos que reflete um pouco de seu espírito como pessoa e escritor:

“Tenho por hábito colecionar gentilezas colhidas no cotidiano. Guardo no bolso da camisa um punhado de poemas para cada susto que a vida oferta. Esse é o meu maior e mais caro segredo. E talvez meu pecado de estimação.

(Sérgio Blank)

O reconhecimento no final de sua vida como membro da AEL registrou nas formalidades sua importância para a literatura do Estado. “Sérgio não é de pedir nada com o idioma da voz. Não pediu sequer voto para entrar na Academia Espírito-Santense de Letras. Ousadamente, eu fiz campanha em seu nome, como se ouvisse rumoroso apelo de sua tão serena poesia. Houve farta concorrência, mas ninguém saiu derrotado. Porque a literatura venceu”, publicou em texto o jornalista e escritor Adilson Vilaça, também membro da Academia.

Segundo a Prefeitura de Cariacica, que decretou luto oficial de três dias por seu falecimento, Blank foi o primeiro escritor do município nomeado para a AEL. “A poesia calou-se. Estarrecida emudeceu em luto, como todos nós. Não, não será para sempre. Sua poesia continuará imortalizada”, apontou Renata Weixter, secretária municipal de Cultura.

Mesmo imortalizado em vida pela Academia, o tempo e a vida transformaram corpo e pensamento de Sérgio Blank, como faz com todos nós. Mas uma coisa ele manteve intacta: nunca desistiu da literatura.

Uma imagem que me marcou foi vê-los em fotos cercado de jovens acompanhado os slams, uma espécie de recital em modo competitivo que ganha força entre a juventude das periferias do Brasil e do mundo. Poeta suburbano, como se definiu o cariaciquense, ele contrastava na idade, na cor da pele, na vestimenta, mas seu semblante era de encantamento observando que a poesia resiste, brota e se reinventa nas gerações e territórios.

“O que eu notava do Sérgio é que mesmo ele sendo de outra geração de poetas, ele não tinha essa necessidade de ser o protagonista. Você percebia que ele se sentia bem fortalecendo essas novas frentes que surgiram relacionadas à literatura”, indica Jhon Conceito, organizador do Slam ES e do Slam Interescolar, que ao vê-lo nos eventos costumava convidá-lo para compor o júri que avaliava as poesias apresentadas. “Ele queria saber o que eu estava lançando, se tinha novidade, mesmo que fosse um fanzine ou um livro de papelão. O mesmo com os outros poetas. Não me via como adversário ou oponente que vai roubar mercado dele. Me via com uma semelhança”.

O homem maduro que se manteve poeta jovem e escritor infantil se foi com a sensação de dever cumprido em seu compromisso com a literatura e com a segurança que esse amor pelas palavras se perpetua com as próximas gerações.

Saravá, Sérgio Blank. Até sempre.

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