O artista Fabio Carvalho é um dos convidados para o “Cultura em Colapso”, que acontece em abril de modo online
Entre os temas que serão discutidos com convidados de diferentes formações, atuações e territórios do Espírito Santo estão os retrocessos e descontinuidades nas políticas públicas culturais, a precarização do trabalho no setor, a necessidade de descentralização dos recursos, as limitações das políticas de editais, e a falta de políticas para equipamentos culturais independentes.
O nome do evento busca chamar atenção para a gravidade do momento que se enfrenta. “Algumas trabalhadoras e trabalhadores do setor não conseguem desenvolver nenhuma atividade, passam por necessidades básicas, como a falta de alimentos”, aponta Karlili Trindade, da Ciclo Escola de Economia Criativa, um dos grupos que organizam o “Cultura em Colapso”.
“Com certeza vivemos um grande colapso geral, mas precisamos pôr luz sobre o colapso da cultura pela importância de sua dimensão não somente econômica, mas simbólica e social. A cultura se faz, existe e resiste, independente de recursos, mas a que custo isso acontece? Com a precariedade do trabalho? Com artistas, produtores e gestores desenvolvendo diagnósticos clínicos de ansiedade e depressão? Qual é o custo humano desse colapso?”, questiona.
Um ano depois do início da paralisação por conta da pandemia, a cultura segue sem poder voltar a se apresentar. O avanço de governos conservadores, geralmente mais avessos aos investimentos e políticas de cultura, incluindo o governo federal, onde o Ministério da Cultura foi extinto e passou a ser uma secretaria dentro do Ministério de Turismo, também vem dificultando a manutenção de projetos e espaços culturais, assim como a sobrevivência dos trabalhadores do setor. Mas apesar da emergência do momento, a programação busca especialmente debater questões estruturais.
O projeto é fruto de parceira da Ciclo com outras entidades como o próprio Mídia Ninja ES, Associação Cultura Capixaba (Cuca), Espaço Thelema, Editora Cousa, Guilene Leonardi Publicidade, Bacutias, Coisas de Ruth e Studio 7 Luas.
Convidados de vários municípios e atuações na cultura
A mesa de abertura, no dia 6, às 19h30, horário de todos os debates, será com o tema ” Os retrocessos na Cultura e a descontinuidade das Políticas Públicas Culturais” e vai contar com presença do cineasta Adriano Monteiro, do gestor cultural Erlon Paschoal e da deputada estadual Iriny Lopes (PT).
No dia, seguinte, o debate será sobre “O setor cultural e a romantização da precariedade do trabalho”, tendo como convidadas as produtoras culturais Simone Marçal, Karlili Trindade e Juliana Barbosa, esta líder do movimento SOS Graxa, que arrecada fundos para apoiar trabalhadores que atuam nos bastidores da cultura e ficaram sem recursos.
Fechando a primeira semana, “A urgência da descentralização dos recursos e investimentos” será discutida com Fabíola Melca, agitadora cultural de Divino de São Lourenço, Crislayne Zeferina, ativista do Território do Bem, conjunto de comunidades de Vitória, e um terceiro convidado ainda a confirmar.
A segunda semana de evento terá início no dia 13, com a subsecretária de Cultura de Viana, Renata Weixter, e os artistas e produtores culturais Fábio Carvalho e chama.amanda que vão realizar o bate-papo sobre “Os editais e a ineficiência de políticas seletivas”, abordando o caráter burocrático, competitivo e concentrador desse formato que tem sido um dos carros-chefe das políticas culturais contemporâneas.
No dia 14 o tema é “A ausência de políticas para manutenção dos equipamentos culturais independentes”, abordando as dificuldades enfrentadas por espaços culturais na Grande Vitória e interior. Quem participa da conversa é Antônio Vitor, do Centro Cultural Eliziário Rangel, Luiz Cardoso, da Má Companhia, e um terceiro convidado a ser confirmado.
A última das atividades do ciclo terá como assunto “O futuro da Cultura: perspectivas, mudanças e desafios”, pensando questões como pluralidade, mecanismos de fomento e distribuição de recursos. Quem participa é a líder quilombola Selma Dealdina, de São Mateus, Joelma Consuelo, ligada à cultura popular de Muqui, e uma terceira convidada, que será uma representante indígena, formando uma mesa totalmente feminina.
“Os convidados têm atuações institucionais, de resistência, luta, mobilizações, posicionamentos favoráveis a políticas públicas e a valorização das outras dimensões da Cultura que não somente a econômica, mas a simbólica e social”, resume Karlili Trindade sobre a programação, que está mais detalhada no box ao final desta matéria.
E-book será lançado com temas dos debates
Além dos debates, o “Cultura em Colapso” vai produzir um e-book editado pela Editora Cousa reunindo diversos artigos que reflitam sobre o momento vivido e os temas de debate propostos pelo evento em formatos e gêneros literários diversos, como ensaio, crônicas, poesia, conto, microconto ou qualquer outra linguagem.
Cada pessoa pode inscrever um trabalho de sua autoria por meio do preenchimento de formulário online. As propostas escritas devem ter até três páginas no formato especificado na chamada e os outros formatos como fotografia, desenho, ilustração, design, pintura ou outras imagens devem ter no máximo uma página.
As inscrições ficam abertas até o dia 3 de abril, com resultado final da seleção divulgada no dia 12 do mesmo mês.
AGENDA CULTURAL
Ciclo de debates Cultura em Colapso
Quando: de 6 a 25 de abril de 2020
Onde: Online, no Instagram do Mídia Ninja ES
Programação:
06-04 |Os retrocessos na Cultura e a descontinuidade das Políticas Públicas Culturais
07-04 | O setor cultural e a romantização da precariedade do trabalho
08-04 | A urgência da descentralização dos recursos e investimentos
13-04 | Os editais e a ineficiência de políticas seletivas
14-04 | A ausência de políticas para manutenção dos equipamentos culturais independentes
15-04 | O futuro da Cultura: perspectivas, mudanças e desafios
SOBRE OS TEMAS:
Os retrocessos na Cultura e a descontinuidade das Políticas Públicas Culturais
O setor cultural passa por grandes dificuldades em meio a uma crise econômica, social, política e sanitária. Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro em 2019, a pasta sofre com o apagamento e o sucateamento, a extinção do MINC e o enfraquecimento dos mecanismos de fomento, financiamento e incentivo. Soma-se a isso a crise sanitária que paralisou as atividades em 2020 e 2021.
No Espírito Santo o cenário não é tão diferente, vários atrasos nos repasses de recursos e na abertura dos editais, o não emprego total dos recursos da Lei de Emergência Cultural, a perda de autonomia de algumas secretarias de cultura, a ausência de investimentos e a sustentação da política cultural em um único instrumento, os editais. O setor é marcado por avanços e enormes retrocessos a cada novo governo, precarizando a atuação das trabalhadoras e trabalhadores da Cultura.
O setor cultural e a romantização da precariedade do trabalho
A Cultura é direito, identidade, memória e humanidade, mas é também um setor econômico que gera riqueza, trabalho e renda. Por isso, independente dos investimentos para produção e circulação de bens e serviços culturais, a arte continua sendo produzida, compartilhada e disseminada por meios do trabalho de artistas e agentes culturais. No entanto, sem uma política pública que garanta todas essas dimensões, os trabalhadores ficam sujeitos a um mercado informal, a não regulamentação, a falta de investimentos e financiamento, além de tantas outras ausências ou ações ineficientes. Estão sujeitos também aos interesses do mercado que condiciona o investimento à lucratividade. E a narrativa de que o amor à arte justifica esse cenário de precariedade, dificulta a busca por melhores condições de trabalho e para o setor.
A urgência da descentralização dos recursos e investimentos
Os grandes centros, as capitais, concentram grande parte dos recursos destinados aos diversos segmentos culturais e mesmo com a criação de alguns instrumentos para a descentralização, as periferias e cidades do interior não recebem recursos suficientes para o desenvolvimento das atividades, a manutenção dos equipamentos e atuação do órgão gestor. Essa realidade gera uma visão distorcida desses territórios, que abrigam um verdadeiro celeiro de atividades culturais, mas são invisibilizados por falta de recursos e investimentos em mecanismos de fomento, financiamento e incentivo. É urgente pensar uma política descentralizada para que as condições de atuação e o acesso aos recursos seja possível nas periferias e no interior do Estado.
Os editais e a ineficiência de políticas seletivas
Toda política cultural precisa ser construída juntamente com o setor, a sociedade civil, instituições e o órgão gestor. A partir de um plano é possível criar instrumentos e mecanismos que de fato atendam as singularidades de cada segmento ou região, caso contrário, a política é pautada somente pelos editais de leis de incentivo, prêmios, chamamentos e tantos outros como acontece no Espírito Santo. E somente quem domina, minimamente, uma escrita técnica e tem acesso às plataformas de inscrição consegue chegar aos recursos e com isso é muito comum que os selecionados sejam, na maioria dos casos, os mesmos. É uma prática que precisa ser quebrada com uma política descentralizada e atenta às diversidades e territorialidades presentes na cultura.
A ausência de políticas para manutenção dos equipamentos culturais independentes
O sucateamento dos espaços públicos é uma realidade, muitos espaços estão fechados, em deterioração ou em reforma durante anos. Esses espaços são de responsabilidade dos órgãos gestores que nem sempre possuem recursos ou um plano com uma previsão orçamentária para operação e manutenção. Já os espaços independentes sobrevivem às maiores adversidades com recursos próprios e sem nenhuma política para a sua manutenção. Com o cenário de crise, alguns fecharam e outros continuam acumulando dificuldades. Sem espaços públicos e independentes, a circulação de bens e serviços culturais fica comprometida e se torna um grande desafio para o futuro do setor.
O futuro da Cultura: perspectivas, mudanças e caminhos
O cenário atual evidencia inúmeros problemas que são estruturais, que se perpetuam ao longo de décadas e se intensificam com as mudanças de governo ou diante de situações de crise. Mas mesmo com todas as dificuldades, o setor cultural foi o responsável por trazer esperanças em um dos momentos mais delicados da história recente*. Olhar para o futuro é entender que a Cultura vai além de um setor econômico e por isso precisa ser resguardada, preservada, garantida e acessível . E isso só será possível com uma atuação coletiva, diversa, humanizada, com recursos descentralizados, equipamentos em funcionamento, a valorização da arte e do trabalho dos artistas, com investimento no setor, regulamentação, reforma tributária, investimento em formação de plateia e com a salvaguarda das tradições e saberes. Cultura é direito, é identidade, memória é humanidade. Não pode ser negada.