No curta-metragem Você viu um negro por aí?, gravado e produzido no campus de Goiabeiras, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), uma pessoa percorre o espaço da instituição e pergunta aleatoriamente às pessoas presentes nos locais se elas, como usuárias do espaço, “viram um negro por aí”. A reação das pessoas é de susto, indignação, risos e quase sempre de negação: não vi. Apesar do tom irônico do curta, a obra apresenta uma realidade dura que pode ser encontrada nos espaços acadêmicos pelo Brasil: a ausência dos negros nesses locais.
Como forma de discutir sobre o racismo e o empoderamento do homem e da mulher negra na sociedade brasileira e nos espaços de estudos, o Coletivo Negrada realizou a primeira oficina desse ano com estudantes da rede pública de ensino, além de convidados. O evento abrangeu a apresentação de três obras, a já citada Você viu um negro por aí?; o documentário local Frestas; e um episódio do filme nacional 5X Favela.
Em Frestas estudantes negros do Estado contam a rotina deles como pessoas negras e universitários, destacando adversidades apontadas por quase todos: a dificuldade em conseguir o ingresso em uma universidade, ou bolsa de estudos em uma faculdade; a integração entre trabalhos e estudos; a falta de dinheiro para se manter e, por vezes, a desistência dos cursos profissionalizantes por não conseguirem levar adiante todas as atividades do dia a dia em conjuntos com os estudos.
Após a apresentação dos dois filmes, os integrantes do Coletivo Negrada – grupo que atua na Grande Vitória como um dos únicos criados para levantar o diálogo sobre a presença do negro na sociedade e, assim, discutir as questões de racismo e empoderamento negro – apresentaram, mediante uma conversa com estudantes vindos de Guarapari para a sessão cineclubista, um histórico sobre a presença do corpo negro no Brasil, os estigmas e preconceitos que o negro sofre ao longo da história e como isso se reflete nos dias de hoje, destacando o racismo enraizado na sociedade e os espaços cujos negros ainda têm pouco acesso, como as universidades.
“O negro precisa se ver também como modelo, não só o branco”, falou um dos integrantes do Coletivo acerca da imagem do negro e da necessidade de se apresentar como agente ativo que vem se mobilizando pelas suas causas raciais desde a abolição da escravatura, há 127 anos. Os integrantes ainda abordaram discussões sobre cotas raciais, socais e a necessidade de se instalar efetivamente nas escolas os estudos sobre a cultura africana, incluindo suas religiões.
Após a conversa, a sessão prosseguiu com um episódio do filme 5x Favela, que apresenta cincos capítulos que colocam negros como protagonistas de histórias feitas sob o ponto de vista de negros que vivem em favelas e periferia.
Cine Negrada
O Cine Negrada é um projeto do Coletivo Negrada que apresenta filmes com temática racial para, assim, levantar discussões usando um formato de oficina, como contou Mirt's Sant's, integrante do Coletivo. “Chamamos de oficina porque tem esse caráter de não apenas discutir assuntos, mas de explicar a partir de vivências mesmo”.
Já sobre o nascimento do projeto, Júlia Almeida, professora do curso de Letras da Ufes, ligada diretamente à criação da vertente audiovisual do Negrada, explicou como tudo foi se formando. “O coletivo já tinha essa vontade de realizar um cineclube e eu ofereci uma disciplina que era um projeto de extensão, de laboratório de práticas estruturais. Então, reuniram-se ali um grupo interessado no projeto do coletivo atuar como cineclube também e, dessa forma, fomos fortalecendo essa ideia. Após esse momento nos reencontramos novamente na segunda etapa do projeto de extensão e foi quando formalizamos o projeto”, explicou.