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Coletivo de cinema negro Damballa lança seu primeiro filme

Com baixo orçamento e muita colaboração, ‘Live’ terá exibição online e vai circular por festivais

Divulgação/ Coletivo Damballa

“Romeu é um Youtuber que costuma ser polêmico em suas Lives. Um dia seu público assiste algo além das polêmicas”. Essa é a sinopse que provoca o espectador a assistir “Live”, o primeiro filme produzido pelo Coletivo Damballa, que reúne profissionais negros do audiovisual do Espírito Santo. O curta-metragem será lançado nesta segunda-feira, às 19h30, no YouTubeFacebook do coletivo, com exibição seguida de debate com o diretor e roteirista Adriano Monteiro, o ator Paulo Carvalho e a curadora e crítica de cinema Kênia Freitas.

“É comum muita gente confundir quando se fala em cinema negro, achar que são filmes que falam somente de racismo ou da cultura afro-brasileira, ligado às religiões de matriz africana. Isso é você limitar, criar barreiras, estabelecer fronteiras, saca? E o cinema negro é contra-fronteiriço por essência, é um cinema contra a narrativa eurocêntrica hegemônica”, provoca Adriano Monteiro. Para ele, a temática do racismo pode estar nas entrelinhas, já que é quase inerente na realidade do cotidiano brasileiro, mas não necessariamente precisa estar no centro da narrativa do cinema negro, embora muitas vezes esteja e isso também seja ótimo.

Mais habituado em produzir numa estética realista, como é o caso de Guri, curta selecionado para o próximo Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, referência no país e fora dele, Adriano Monteiro se lançou ao desafio de experimentar o cinema de gênero, com a estética e linguagem do suspense e do terror, numa narrativa que fala sobre a política nacional.

Divulgação/ Coletivo Damballa

Um das influências principais para “Live”, vem do filme Searching, do americano-indiano Aneesh Chaganty, que utiliza como linguagem a webcam e o ponto de vista do ator olhando para o computador. Mas traz também inspiração nos suspenses de Alfred Hitchcock, na Laranja Mecânica de Stanley Kubrick, e em Violência Gratuita, de Michael Haneke, o que ajuda o amante do cinema a imaginar o que vem por aí com o lançamento da primeira obra do Damballa.

A produção foi de fato coletiva. “Combinamos de levarmos cada um algumas ideias para discutir e ver o mais viável de ser feito por conta do orçamento. Aí, a galera gostou da minha ideia. E foi um processo interessante porque depois decidimos a função de cada um, fizemos o levantamento de quantas pessoas precisaríamos convidar para trabalhar no filme”, conta Adriano. O próprio roteiro de Adriano foi discutido coletivamente e teve seu final modificado a partir das contribuições de outros integrantes do grupo.

A iniciativa começou em 2019, quando o Damballa decidiu que era hora de começar a produzir. Criado em 2017 pelos cineastas Alexander S. Buck, Adriano Monteiro, Dell Freire e Daiana Rocha, o grupo incorporou posteriormente Bella Ferreira e Ingrid Rocha. Surgiu com objetivo de atuar em três frentes: no campo político, na formação e na produção audiovisual.

“Dentro da discussão efervescente da atualidade sobre cinema negro no Brasil, observamos em nosso Estado estas carências que, trabalhando nelas, podemos nos inserir no debate nacional”, explica Adriano. Politicamente o Damballa foi fundamental para pautar e ajudar a construir a política de ações afirmativas que estão vigentes para os editais da área de audiovisual da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), o que acontece em poucos estados do país. “Sejam realizadores negros e negras de periferia, principalmente, ou de classe média, todos têm o direito de sonhar e se profissionalizar no mercado audiovisual. O Estado brasileiro é responsável em garantir isso. Pluralidade de narrativas é fundamental para um cinema brasileiro rico”, aponta o diretor, considerando que boa parte do cinema produzido no Brasil conta com recursos públicos, mas historicamente privilegia pessoas brancas e de classe média, em sua maioria homens, como evidenciam os dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine).

Divulgação/ Coletivo Damballa

Além disso, o coletivo busca desde o ano passado recursos para ativar o projeto BlackLab, para contribuir com a formação de jovens cineastas negros no Espírito Santo. No campo da produção, conseguiram dar início mesmo sem recurso.

“Live” foi realizado de forma totalmente independente, tendo orçamento de apenas R$ 500 por meio de vaquinha entre os integrantes, além de contar com trabalho voluntário de técnicos e artistas, empréstimos de equipamentos pela produtora parceira Finórdia Filmes, e cessão da locação na Casa da Barão, Centro de Vitória.”Um ato de aquilombar-se mesmo, um ato político”, diz Adriano Monteiro.

Nessa de fazer filme sem grana, surgiu até uma anedota, que virou uma piada interna. “O Buck disse: ‘vamos criar umas regras e tal para ser menos custo possível’. Eu falei: ‘tipo o Dogma Feijoada’ [criado por Jeferson De para o cinema negro brasileiro, em referência ao manifesto Dogma 95, dos dinamarqueses Thomas Vinterberg e Lars von Trier]. Aí, a Daiana disse: ‘então, vamos criar o Dogma Moqueca’. Aí, a gente brinca até hoje sobre isso”.

Será “Live” então um marco para a afirmação de um cinema negro capixaba? Veremos.

Após o lançamento na segunda-feira, o filme irá circular por festivais de cinema.

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