Já sancionada, Lei Aldir Blanc vai trazer quase R$ 60 milhões ao Estado e beneficiar os 78 municípios capixabas
A Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc foi sancionada na noite dessa segunda-feira (29) pelo presidente Jair Bolsonaro, com pequenas alterações do projeto aprovado pelo Congresso Nacional. Agora terá início uma série de procedimentos legais para a distribuição e aplicação dos R$ 3 bilhões que vão atingir todos os estados e municípios do país, no maior investimento da história no setor.
Esta lei foi fruto de uma ampla articulação de organizações e militantes da cultura junto a deputados para destravar recursos federais destinados à cultura que não estavam sendo aplicados e conseguiu dar um xeque-mate no governo federal, que não manifesta interesse em fomentar o setor mas teve que engolir a lei, que em certo modo beneficia a economia do país num momento de profunda crise, sendo que se tratam de recursos vinculados à cultura e que não poderiam ser aplicados em outros setores.
Segundo os cálculos extra-oficiais, o Espírito Santo deve receber um total entre R$ 55 milhões e R$ 60 milhões, sendo metade para o Estado e outra metade dividida entre os municípios de acordo com critérios populacionais e do fundo de participação nacional. Para se ter ideia da dimensão do recurso, o montante previsto pela Lei Orçamentária Anual de 2020, como aporte do governo estadual previsto para o Fundo de Cultura do Espírito Santo (Funcultura), é de cerca de R$ 9,17 milhões.
A Lei de Emergência Cultural, que meses atrás parecia um sonho, agora é realidade. Assim, para os gestores estaduais e municipais, a euforia divide espaço com a preocupação. Muitos dos municípios não possuem uma pasta própria para a Cultura, que está vinculada dentro de outras secretarias, ou possui uma estrutura muito pequena diante de um desafio que pode demandar ajustes legais para recepção e distribuição dos recursos federais.
Levantamento da Secretaria de Estado da Cultura (Secult) indica que dos municípios que puderam ser identificados, poucos possuem o chamado CPF da Cultura, que inclue Conselho, Plano e Fundo de Cultura ativos. São 28 conselhos instituídos para participação da sociedade civil, dos quais 19 estão ativos. Em termos de fundos municipais de cultura, há 17 instituídos, mas apenas oito ativos: Aracruz, Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Linhares, Santa Teresa, Vila Velha e Vitória, que podem receber os recursos diretamente no fundo.
Para resolver as dificuldades em conjunto, foi criada uma articulação entre dirigentes municipais de cultura de todos os municípios capixabas com apoio da Secult e da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), no qual podem trocar dificuldades, projetos e experiências para esse momento inédito para a cultura do país. Essa iniciativa permitiu aproximar os diversos dirigentes culturais do Estado, o que por si só já é um feito que pode repercutir em outras iniciativas e parcerias futuras, já que até então o Estado não possui um fórum de dirigentes nos moldes do Fórum Nacional.
Esses são legados fundamentais da Lei Aldir Blanc, tão ou mais importantes do que a chegada dos recursos em si. Quando foi formulado o Sistema Nacional de Cultura, convocando estados e municípios a aderirem, a ideia era de um funcionamento similar ao que acontece em outros setores como saúde, educação e assistência social, com recursos sendo repassados para os entes federativos aplicarem localmente.
Porém, na cultura isso nunca ocorreu de fato, e a Lei Aldir Blanc será um primeiro teste sobre o funcionamento desse mecanismo sonhado pelo setor cultural para poder atingir todo o País. Está estabelecido um prazo de 120 dias para os municípios indicarem como vão aplicar os recursos, sob o risco destes serem devolvidos.
O recurso federal tem três destinações definidas. A primeira é para auxílio de R$ 600 por três meses para trabalhadores da cultura que não tenham sido contemplados pelo auxílio emergencial do Governo Federal. A segunda para subsídio mensal de R$ 3 mil a R$ 10 mil a espaços e centros artísticos culturais que tiveram seu funcionamento afetado. E a terceira, chamado de linha de fomento, pode incluir investimentos por via de editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural, entre outros mecanismos. Segundo a lei, esta última deve contemplar ao menos 20% do recurso total aplicado.
Como será essa divisão, ainda não está explícito. O tema vem sendo discutido no Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e pode ser resolvido por meio da regulamentação da lei, que poderia, por exemplo, definir o encargo do auxílio aos artistas para os estados e dos espaços culturais para os municípios, ou o inverso. Ou que o Estado arcasse com os dois primeiros tipos de auxílio. Caso isso não seja definido a nível federal, caberia ao governo do Estado indicar este formato.
Enquanto isso não é definido, os próximos dias devem ser de lançamento de cadastros municipais e estadual para trabalhadores da cultura e espaços culturais, pois é a partir deles e de outros anteriores que será possível fazer os pagamentos dos apoios emergenciais. Por isso, é importante os agentes culturais ficarem atentos aos órgãos municipais para orientações.
Quanto à terceira linha dos investimentos, podem ser feitos de diversas maneiras e cabe a cada município escolher os instrumentos que considerar adequados. Legalmente, há preocupação com o caráter de emergência e prazos que demandam agilidade e desburocratização para inscrições e liberação de recursos. Os decretos de emergência vigentes em termos nacional, estadual e municipal por conta da pandemia do novo coronavírus podem ajudar nesse processo, mas não deixa de haver preocupações com as limitações e entraves legais, que poderiam colocar em risco o repasse do dinheiro.
Se bem sucedida, a aplicação da Lei Aldir Blanc vai representar um teste do Sistema Nacional de Cultura, um aquecimento para a economia e auxílio para o setor cultural num momento extremamente delicado. Mas para além da institucionalidade e dos valores financeiros mensuráveis, há algo mais. Como vem dizendo o historiador e gestor cultural Célio Turino, se trata da possibilidade da arte e da cultura servirem como remédios para uma sociedade já injusta e polarizada, que vive um momento crítico, atacada “pela pandemia e pelo pandemônio”, este último representado pelo governo federal, com alguns vêm dizendo. Quem conhece de perto, sabe. A cultura pode ajudar a curar feridas e doenças sociais.