Evento tradicional em Monte Alegre, Cachoeiro, terá missa, debate, ação social, lançamento de livro, grupos folclóricos e feijoada
Passados 135 anos da abolição da escravidão, a conquista da liberdade será comemorada na 135ª edição do Raiar da Liberdade, tradicional festa realizada na comunidade quilombola de Monte Alegre, em Cachoeiro de Itapemirim, sul do Espírito Santo, neste sábado (13).
A programação deste ano está diferenciada, mas sem perder sua essência. Além da tradicional apresentação de grupos de patrimônio imaterial e da feijoada comunitária, haverá ações com foco na empregabilidade, emissão e renovação de Carteira de Identidade (RG), e, ainda, missa afro, mesa de debate e lançamento de livro.
De manhã, das 8h às 12h, terá a Ação Balcão de Empregos e Emissão e Renovação de RG, em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social de Cachoeiro. Genildo Coelho, da Associação de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial Cachoeirense, explica que a inclusão dessa atividade foi motivada pelo fato de que Pacotuba, distrito no qual a comunidade quilombola de Monte Alegre está localizada, tem um dos menores índices de desenvolvimento humano de Cachoeiro, sendo, portanto, uma área com muitas pessoas em vulnerabilidade social.
A abertura da festa será às 17h, com a missa afro, celebrada pelo padre Daniel Nyanydh, moçambicano, que atua na Diocese de Cachoeiro de Itapemirim. A missa contará com a participação da equipe de música da Pastoral Afro da Diocese e fará uma imersão na cultura africana, agregando aspectos culturais e vivências da comunidade. Em seguida, às 18h30, acontecerá a mesa de debate “Direito à cultura dos povos e comunidades tradicionais: dever do Estado”.
A festa terá prosseguimento com a apresentação de grupos de patrimônio imaterial, às 20h, como os de Caxambu, Jongo, Charola e Folia de Reis. Ao todo, serão 10 grupos. Depois, será realizada a feijoada comunitária, com previsão de distribuição de cerca de mil pratos.
Genildo destaca que, este ano, além de uma programação maior, os grupos terão garantia de transporte e receberão “um cachê justo”, assim como as pessoas que trabalharão na cozinha e outros espaços, que nas edições anteriores atuavam voluntariamente.
Os ingredientes da feijoada e outros produtos adquiridos para a realização da festa serão comprados principalmente na comunidade. Isso foi possível, segundo ele, por meio de recursos da Lei de Incentivo à Cultura Capixaba (LICC). Nos anos anteriores, a festa era financiada por meio de edital do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), que limita o valor ao teto de R$ 20 mil.
Patrimônio Imaterial
O Raiar da Liberdade já teve o início da tramitação de seu processo de registro da festa como patrimônio imaterial aprovado pelo colegiado do Conselho Estadual de Cultura. O próximo passo é a apreciação pela Câmara de Patrimônio Imaterial, para elaboração de um parecer. “É preciso reconhecer as festas genuinamente populares, de comunidades negras, quilombolas“, pontua Genildo. Ele explica que em muitas outras localidades do Espírito Santo e do Brasil se comemora o 13 de maio, mas a única comunidade do Estado que manteve a festa no dia 13 foi Monte Alegre. “Com o êxodo rural, as festas passaram a acontecer nos terreiros de Umbanda e Candomblé”, afirma.
A elaboração do inventário para dar entrada no registro de patrimônio imaterial foi feito com recursos do Edital 12 da Secult, de Seleção de Projetos e Concessão de Prêmio para Valorização dos Patrimônios Imateriais Reconhecidos e Registrados no Estado do Espírito Santo, de 2020. Na metodologia, adotada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para o estudo e o reconhecimento das referências culturais brasileiras, foram utilizados formulários do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC).
Para a elaboração do inventário, conta Genildo, não foram buscados critérios generalizantes, sendo isso uma “aposta política e metodológica”. Foi feito um levantamento comunitário por parte das próprias mestras. “A gente transcreveu o que elas falavam, com a linguagem delas, não uma linguagem acadêmica, de um doutor, sem interferência minha, de um acadêmico. Não somos contra a Academia, queremos deixar isso claro. Será que o Conselho vai reconhecer um processo aberto e produzido pelos portadores? Seria um ato de coragem fazer esse reconhecimento, um avanço institucional”, opina.
Genildo conta que o Raiar da Liberdade é uma festa que lembra o processo de luta do povo negro. “A gente comemora a vitória de uma revolução que começou no chão da senzala, que acontece em uma comunidade onde foi formado um quilombo, organizado por negros que fugiram de fazendas da região”.
Ele narra que, em 13 de maio de 1888, a notícia da abolição foi recebida via telégrafo, comunicada pelos fazendeiros aos escravos, que no mesmo dia foram para a praça da cidade, onde começaram a fazer seus batuques em frente à Câmara Municipal. O presidente da Casa de Leis tentou se apropriar da comemoração, tirar o protagonismo dos negros, distribuindo comida e bebida. Dias depois, sem emprego, comida, moradia e outros direitos, os negros voltaram para as fazendas, permanecendo no regime de escravidão.