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Construções da região do Hospital Pedro Fontes agora são patrimônio histórico

Tombamento da capela e do cemitério, em Cariacica, foi publicado no Diário Oficial 

A Prefeitura de Cariacica publicou no Diário Oficial desta terça-feira (30), o Decreto nº 274, que “institui o tombamento do Sítio Arqueológico Pedro Fontes, compreendendo a área do cemitério São Francisco, capela e entorno”, no bairro Padre Mathias. A notícia foi bem recebida pelos internos do Educandário Alzira Bley, na mesma região, que prometem ir além e solicitar ao Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan) o tombamento do prédio do Educandário.

Foto: Leonardo Sá

“É uma forma de preservação da história. Estávamos esperando a concretização do tombamento, para solicitar que o Iphan faça o mesmo no que diz respeito ao Educandário”, diz o presidente do Alzira Bley, Heraldo José Pereira. O local vivenciou a história de diversos pacientes com hanseníase que foram internados compulsoriamente no Hospital Pedro Fontes, tendo seus filhos retirados da família e levados para o Educandário, onde cresceram longe dos pais.

O deputado estadual e ex-diretor do hospital, Dr. Hércules Silveira (MDB), recorda que, na capela, havia uma parede para que os padres pudessem se distanciar dos internos para não serem infectados com a doença. O parlamentar rememora também que Padre Mathias, um sacerdote que veio da Alemanha e celebrava ali, foi enterrado no cemitério São Francisco, atrás da capela. 

Interior da capela. Foto: Heraldo Pereira

Para que o tombamento, cujo processo teve início na gestão do ex-prefeito Geraldo Luzia de Oliveira Júnior (Cidadania), o Juninho, e foi concretizado na atual, de Euclério Sampaio (DEM), fosse possível, o Governo do Estado enviou para a Assembleia Legislativa um projeto de lei de doação da área onde se situam o cemitério e a capela, aprovado em 2020 com três emendas de Dr. Hércules. Uma delas estabelece que o município restaure a capela até dois anos após a sanção da lei. A outra, que seja asfaltada a estrada que dá acesso ao local. A última, que seja feita exumação dos cadáveres na entrada do cemitério, em diálogo com as famílias dos mortos, para ajustes estéticos no local.

Além disso, o município de Cariacica tem uma legislação própria de tombamento, elaborada com base nos critérios do Iphan. Assim, os tombamentos seguem a legislação municipal e nacional.

Heraldo destaca que o tombamento é uma reivindicação antiga dos ex-pacientes do hospital e dos ex-internos do Educandário e que, em vários estados onde há os antigos hospitais colônia, essa também é uma demanda.

Além do Espírito Santo, já concretizaram o tombamento Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Acre e Pará. Trata-se, informa Heraldo, de um pleito que vai além do território brasileiro, pois em 2019, durante o I Encontro Latino-americano e Caribenho de Entidades de Pessoas Atingidas pela Hanseníase, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, foi deliberado que o mesmo deveria ser feito em regiões de hospitais colônia de toda a América Latina.
A secretária de Cultura de Cariacica, Nina Santos, afirma que o tombamento possibilita a captação de recursos financeiros para medidas como fazer a restauração da capela, uma das metas da atual gestão. Nina declara ainda que será feita uma visita ao local para conversar com a comunidade e, em parceria, estabelecer ações com foco na cultura para a região.
Mais iniciativas de preservação
Outras iniciativas de resgate histórico da região e dos acontecimentos que ali se sucederam já foram feitas. A história do Educandário Alzira Bley foi resgatada no projeto O Educandário Alzira Bley como Lugar de Memória”, realizado pelo coletivo cultural Start. O trabalho está disponível em uma exposição fotográfica virtual. No site também é possível ter acesso a um catálogo de fotos.
O projeto, contemplado pela Lei de Incentivo à Cultura João Bananeira, de Cariacica, também conta com um documentário sobre o Alzira Bley, disponível no YouTube e que conta com a direção de Judeu Marcum. Segundo o arquivista e integrante do Start, Anderson Gomes Barbosa, a iniciativa tem como objetivo valorizar o educandário como patrimônio cultural do Espírito Santo e de Cariacica, por fazer parte da identidade cultural e social, retratando um contexto importante, apesar de triste, do Estado e do município.
Em 2014 foi lançado o livro Hospital Dr. Pedro Fontes – antiga colônia de Itanhenga, que conta a história da instituição. A obra é de autoria das assistentes sociais e ex-funcionárias do hospital, Dora Martins Cypreste e Alda Vieira, e resgata a história da hanseníase no mundo, no Brasil e no Estado. Além disso, relata a vida dos pacientes desde a época do isolamento compulsório, passando pela transição até os dias atuais, com tratamento e cura da doença.
Outra iniciativa de preservação da memória é a digitalização dos documentos do Educandário Alzira Bley, disponibilizados ao público por meio do projeto “Inventário dos Livros Manuscritos do Educandário Alzira Bley”. Anderson, que também faz parte desse projeto, explica que consiste na digitalização e elaboração do inventário, com descrição dos documentos. O trabalho foi feito com três séries. Uma delas é o livro de atas, que abarca documentos de 1945 a 1998. Também tem o de assinatura e impressão de visitantes, contemplando o período entre 1943 e 1983, além do de entrada e saída de crianças, de 1937 a 2019.
As cópias digitalizadas foram entregues ao Arquivo Público e ao Educandário Alzira Bley, para que possam ser consultadas. Para ter acesso aos documentos de entrada e saída das crianças, será preciso solicitar por meio de requerimento. A restrição, explica Anderson, é para não expor informações pessoais dos ex-internos. Também serão entregues 500 DVDs com os livros de ata e o de assinatura e impressão de visitantes para o Educandário fazer a distribuição, além de serem disponibilizados em um blog da instituição, criado especificamente para isso.
Anderson salienta que no livro de atas há informações sobre a história da instituição, como quem foram os presidentes e a composição da administração em várias épocas. No de visitas, ele destaca o registro da dedicatória do então presidente Eurico Gaspar Dutra, que esteve no Educandário em 1949. Já o de entrada e saída de crianças, para Anderson, é fundamental para a mobilização dos ex-internos, que reivindicam a aprovação do Projeto de Lei 2104/2011. A proposta prevê a garantia de uma pensão vitalícia indenizatória para os filhos separados dos pais com hanseníase no contexto da internação compulsória das pessoas que tinham essa doença.

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