Desapropriada há seis anos na Barra do Jucu, em Vila Velha, uma antiga casa foi tomada pelo mato e pelas águas, que se acumulam num laguinho artificial criado pela antiga proprietária. Espaço privilegiado para reprodução de mosquitos. A irreverência e arte que sempre marcaram o balneário não poderiam deixar de se fazer presentes: no muro do local foi escrito: “Centro Cultural do Mosquito”. Uma brincadeira muito séria. Além de questionar o problema de saúde pública, também reivindica políticas culturais.
A questão virou até marchinha no Carnaval:
“Coça, coça, coça, minhas costas.
O corpo todo tá coçando sem parar.
Dengue, Chikungunya, Zica ou Malária.
Não tem escolha, uma dessas vou pegar.
Tem sangue bom.
O mosquito vai atrás
Em Vila Velha a coisa tá demais.
Toma cuidado, Senhor Prefeito!
Tá dando força
pro mosquito ser eleito”.
A letra da marchinha foi distribuída em cerca de mil panfletos de papel. Em seus últimos versos faz referência à curiosa eleição suplementar realizada no município em 1987, quando em forma de protesto, boa parte da população decidiu votar no “Mosquito”, que era considerado um dos problemas que afetavam a cidade na época.
Como a eleição era feita em cédula de papel, era necessário a cada eleitor escrever o nome do candidato – ou o que bem entendesse. Os votos do Mosquito foram todos anulados, mas os votos nulos superaram todos os outros candidatos, sendo o mosquito uma espécie de “vencedor moral” do pleito, que acabou levado pelo segundo colocado, Magno Pires.
Mas voltando aos tempos de hoje, a atual casa do mosquito, com cinco mil metros quadrados, foi desapropriada pelo governo do Estado no final da primeira gestão de Renato Casagrande, para ser transformado numa escola. O artista plástico Kléber Galvêas, vizinho do terreno, conta que após a troca de gestão no governo, alguns técnicos avaliaram que o local não era adequado para receber o colégio, por não atender às condicionantes para construir a unidade educacional, incluindo espaço para quadras de esportes e outras atividades. O artista também observa que a maioria dos jovens da região vive do outro lado da avenida, o que implicaria um maior risco para as crianças virem estudar.
O terreno vazio acumula mato e água parada na Barra do Jucu
O lugar ficou então sem uso oficial, embora no carnaval tenha sido “ocupado” para criar adereços e alegorias do Bloco Tradição, herdeiro do famoso Bloco Surpresa. Assim cresceu a proposta da criação de um centro cultural municipal, algo que chegou a existir no bairro na anterior gestão do atual prefeito Max Filho, nos anos 2000. Com a troca de comando, o governo de Neucimar Fraga instalou uma delegacia onde funcionava o espaço de cultura que promovia atividades como shows e exposições. A placa de trânsito indicando Centro Cultural continuou na Rodovia do Sol, mas quem chegava se deparava com policiais e escrivaninhas, lembra Kléber Galvêas. Hoje o local é um posto de saúde.
Saúde e segurança também são importantes, mas e a cultura, como fica? O terreno “do mosquito” para onde os moradores propõem refundar está localizado em região central do bairro, e ao lado do ateliê de Kléber, e em frente ao Barracão, bar e ponto de encontro do congo. “Se o lugar é impróprio para a escola, é muito próprio para o centro cultural”, alega Galvêas, que imagina uma lona de circo instalada para um “picadeiro multiuso”, onde diversos artistas possam se apresentar.
Ateliê de Kléber Galvêas está localizado ao lado do espaço reivindicado para novo centro cultural
Ele lembra o papel destacado da Barra do Jucu no cenário cultural capixaba pelas bandas de congo, teatro, coral, rendeiras, músicos, escritores, fotógrafos, artistas, plásticos e artesãos, além dos diversos artistas do entorno da região da Grande Terra Vermelha, que tem revelado grandes talentos. “O centro cultural que existia não era da Barra do Jucu, mas de toda Vila Velha, com sede na Barra do Jucu”, lembra.
Para que a demanda seja atendida, os moradores pedem que a área do governo do Estado seja cedida em comodato para que a prefeitura possa construir o centro cultural e afastar dali o fantasma do mosquito que atormenta moradores e políticos em Vila Velha.