Mestras e membros de Associação irão ao Conselho Estadual de Cultura defender o reconhecimento da festa
A festa Raiar da Liberdade, da comunidade quilombola de Monte Alegre, em Cachoeiro de Itapemirim, sul do Estado, dará mais um passo no dia dois de fevereiro para uma possível obtenção do registro de Patrimônio Cultural Imaterial do Espírito Santo. Nessa data será realizada, durante a reunião do Conselho Estadual de Cultura, a defesa da importância desse reconhecimento para o Estado, que será feita pelas mestras Maria Laurinda Adão, Adevalmira Adão Felipe, Geralda Nogueira Calixto e Neuza Gomes Ventura, juntamente com Fátima Buzatto Moura, Luan Faitanin Volpato e Genildo Coelho, que fazem parta da Associação de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial Cachoeirense.
A elaboração do inventário para dar entrada no registro de patrimônio imaterial foi feito com recursos do Edital 12 da Secult, de Seleção de Projetos e Concessão de Prêmio para Valorização dos Patrimônios Imateriais Reconhecidos e Registrados no Estado do Espírito Santo, de 2020. Na metodologia foram utilizados formulários do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), metodologia adotada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), para o estudo e o reconhecimento das referências culturais brasileiras.
Moradora da comunidade e integrante do Caxambu Santa Cruz, Fátima Buzatto destaca a importância da festa ser reconhecida pelo Estado, pois “trata-se, talvez, da mais antiga festa cultural existente no Espírito Santo”. Para Dona Geralda, mestra do Caxambu, “participar e ajudar a organizar essa festa é uma grande felicidade. Ela é o maior divertimento da comunidade desde que eu era criança”.
Conforme consta no pedido de registro, o Raiar da Liberdade “marcou, e ainda marca, a conquista de sua liberdade por parte dos escravizados. Conquista que custou muito sangue de seus antepassados, mas que ainda custa o sangue de muitos jovens, mulheres e homens negros, que seguem sofrendo as consequências de uma sociedade que ainda é escravocrata, patriarcal e que possui uma elite que busca a todo o custo a manutenção de seus privilégios”. Diz ainda que “ao reconhecer essa festa como importante referência cultural para o Espírito Santo, o Conselho Estadual de Cultura estará contribuindo para sua manutenção por ainda mais tempo e também ampliando seu alcance enquanto elemento identitário do povo negro capixaba”.
Cerca de 15 grupos folclóricos se apresentam anualmente no Raiar da Liberdade, em uma relação chamada de “compadrio”, pois eles marcam presença na festa uns dos outros, se visitam. Os grupos não se restringem aos de Cachoeiro de Itapemirim, abarcando também outros municípios do sul capixaba, como Muqui, Itapemirim, Presidente Kennedy, Alegre, Jerônimo Monteiro e Atílio Vivácqua.
Genildo, que é pesquisador da área do patrimônio imaterial, afirma que o Raiar da Liberdade é uma festa que lembra o processo de luta do povo negro. “A gente comemora a vitória de uma revolução que começou no chão da senzala, é uma festa que acontece em uma comunidade onde foi formado um quilombo, organizado por negros que fugiram de fazendas da região”, conta.
Ele narra que, em 13 de maio de 1888, a notícia da abolição foi recebida via telégrafo, comunicada pelos fazendeiros aos escravos, que no mesmo dia foram para a praça da cidade, onde começaram a fazer seus batuques em frente à Câmara Municipal. O presidente da Casa de Leis tentou se apropriar da comemoração, tirar o protagonismo dos negros, distribuindo comida e bebida. Dias depois, sem emprego, comida, moradia e outros direitos, os negros voltaram para as fazendas, permanecendo no regime de escravidão.
A festa, então, passou a ser comemorada anualmente nas comunidades da região, mas hoje acontece somente em Monte Alegre e Vargem Alegre, também em Cachoeiro. Em Monte Alegre, a comemoração é liderada por Maria Laurinda Adão desde 1961, quando ela tinha 18 anos. Trata-se de um compromisso que passa de geração em geração. Seu trisavô, Negro Adão, que fundou a comunidade quilombola, foi quem deu prosseguimento à festa, ainda no século XIX, passando depois para os bisavós, avós e pais de Maria Laurinda, que destaca-se nacionalmente e internacionalmente como defensora da cultura negra e quilombola.
Além de ativista, Maria Laurinda é mestra de Caxambu, parteira, coveira e líder espiritual. Ela recebeu em 2008 o título de “Patrimônio Cultural do Brasil”, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Sua história também foi eternizada no documentário Todas as faces de Maria, em 2011.
‘Estamos na expectativa da celeridade do processo’
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