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Descartes e a maconha – parte II

O autor narra a figura de um filósofo errante e ligado a figuras políticas

A primeira partida de Descartes para a Holanda foi em 1618, e foi para se iniciar nas artes militares. A Holanda, na época, tinha as melhores academias militares do mundo. Em Breda, por exemplo, se destacava a figura de Maurício de Nassau. Descartes, depois de alguns meses, partiu para a Guerra de Trinta Anos na Alemanha. Ele volta para Paris em 1622, mas logo volta para a Holanda, depois de uma misteriosa viagem à Itália.

Descartes via a Holanda como o lugar das novas técnicas e dos novos saberes, onde ficavam as universidades mais avançadas. Foi para Leiden, que era uma espécie de Stanford ou Harvard. Depois teve um percurso errático, passando por Franeker, Amsterdã, Deventer, Amsterdã de novo, Utrecht, Leiden, Santpoort, Egmond aan den Hoef, Harderwijk, Endegeest, perto de Leiden, Egmond Binnen.

Para Tobie, não tinha outra, Descartes era um nômade porque era um traficante, e se mudava de endereço para despistar. Descartes procurava a tranquilidade, e, em 1628, se tornou célebre em toda a Europa. Paris já percebera que se tratava de um gênio.

Como está no livro de Pagès: “O boato se espalhou por toda a Europa intelectual, que não era tão grande assim. Um homem de apenas trinta anos havia encontrado um método revolucionário, a chave de um tesouro, um saber novo. Muito antes que ele se dignasse a pegar uma pluma, sem ter escrito uma só linha, já era disputado. Daí sua partida para a Holanda, para longe “dos importunadores e dos curiosos”.”

Contudo, esta tranquilidade poderia ser um mito, pois a Holanda cheirava a pólvora nesta época, numa tensão entre católicos e protestantes que só aumentava, em correntes protestante vindas do calvinismo, com uma Holanda bicéfala, governada por um “stathouder” e um grande pensionista. E foi aí que o “stathouder” Oldenbarnevelt foi decapitado por seu rival Maurício de Nassau, e, em 1628, quando Descartes chegou, a guerra contra a Espanha havia recomeçado.

Uma curiosa vida tranquila, no mesmo país que, trinta anos depois, um filósofo que também buscava a tranquilidade, de nome Spinoza, escolheria uma pousada fixa. Descartes, contudo, não era um eremita, travou contato com os chefes protestantes.

Pagès descreve: “Através de sua correspondência com a princesa Elizabete, ele estava em contato com a corte – exilada – de Frederico, o eleitor palatino, efêmero rei da Boêmia. Quando a rainha Cristina da Suécia reavivou a chama huguenote, encontrava-se na sua corte um certo Descartes… Uma coisa é certa, o “Seigneur du Peron” se interessou muito pela política do seu tempo”.

Pagès segue a sua narrativa: “Quando cheguei no segundo dia à casa de Descartes, não sobrava mais nada do argumento da ‘tranquilidade’ geralmente admitido pelos comentadores. Em 1618 e 1628, o que Descartes procurava e encontrou naquele país eram a euforia e a excitação. Já em Breda, o encontro com Isaac Beeckman tinha livrado de sua indolência este jovem brilhante, mas desocupado.

Se ele retornou sete anos mais tarde, foi para mergulhar em êxtase num caldo de cultura, que reunia sábios holandeses e intelectuais emigrados. A vanguarda liberal da Europa estava lá e em nenhum outro lugar. Quando Roma condenou Galileu em 1633, a Holanda protestante, adepta de suas teorias revolucionárias, propôs asilo ao matemático de Pisa”.

Pagès continua: “no início do século XVII, é naquele país plano que se encontravam as melhores universidades da Europa. Descartes as “experimentou” todas como um aprendiz acompanhante que faz seu “passeio”. Só que ele era o mestre. Ele detinha um novo saber e precisava de discípulos, saídas, aplicações, aliados.

Longe de viver solitário, ele frequentava a elite do país, os maiores sábios, os homens de influência, tal como Constantin Huyghens, secretário do príncipe de Nassau. Sua correspondência testemunha a extensão de sua rede. Como diríamos hoje: ele “se comunicava”. Aquele jovem que gostava mais de guerra do que de tranquilidade conduzia sua própria guerra, de movimento e posição.”

Aqui neste livro Descartes e a Maconha de Frédéric Pàges, o autor narra a figura de um filósofo errante e ligado a figuras políticas, um misto de gênio e aventureiro, alguém que descobrira uma nova chave para o conhecimento, e que, na Holanda, encontrava uma vida movimentada. Tal tranquilidade mítica talvez estivesse no fato de ele ter encontrado um país de pensamento avançado, em harmonia com a sua intuição e seu conhecimento filosófico.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog:
http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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