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‘Descobri que uma pessoa cega pode fotografar’

Exposição no Parque Moscoso, que começa no próximo domingo, apresenta 32 fotografias tiradas por cegos

Com perda total de visão, a psicóloga Kéllezy Barbosa Pereira se questionou se uma pessoa cega poderia fotografar. O questionamento surgiu ao saber da abertura das inscrições para oficinas de fotografia da Escola de Fotógrafos Cegos (EFC), da Associação Cultura e Arte (Soca Brasil). Após se inscrever e passar oito meses se dedicando a essa atividade, encontrou uma resposta para a pergunta que havia feito: “descobri que uma pessoa cega pode fotografar”, enfatiza. Agora, juntamente com os outros 11 participantes da oficina, Kéllezy é uma das fotógrafas da exposição “Quando Fecho os Olhos Vejo Mais Perto”, que começa no próximo domingo (27), no Parque Moscoso, Centro de Vitória.

Arquivo Pessoal

A exposição, que conta com 32 fotografias, finda em 25 de junho. Kéllezy afirma que já conhecia o trabalho do fotógrafo João Maia, que também é cego, mas sabia que a deficiência dele é parcial, não tendo ciência de algum fotógrafo que tenha perda de visão total. De acordo com ela, durante as oficinas, foram trabalhados os sentidos, as sensações, fazendo com que descobrisse que, embora não seja vidente, pode sim fazer “fotografias elaboradas”.

Kéllezy uniu a proposta de colocar em prática seus novos conhecimentos com sua relação com a luta feminista e propôs retratar mulheres pioneiras em diversas áreas nas décadas de 20, 40, 60, 80, e nos anos 2000. Para isso, contou com a participação de atrizes que se caracterizaram como cada uma das mulheres escolhidas. Durante esse trabalho, contou com estratégias como a captação do sentido do vento, para ver para qual lado ele estava indo; sentir a intensidade do calor da iluminação para saber se o equipamento está no ponto certo; e pedir para a pessoa “dar um oi” para saber onde a fotografada estava e se posicionar melhor.

Kéllezy Barbosa Pereira

A psicóloga destaca que um dos diferenciais da oficina foi o fato de os instrutores não agirem de forma capacitista com os alunos. Ela exemplifica com a iniciativa de não colocarem limitações, como dizer que a pessoa não pode subir na cadeira para fazer uma determinada atividade, e sim, colaborar com a ação a ser desenvolvida. A coordenadora artística da EFC, Rejane Arruda, acredita que essa forma de lidar com os participantes da oficina fez com que ela não tivesse nenhuma evasão ao longo do tempo.

Rejane defende que, ao contrário do que muitos pensam, a deficiência é potência em todas as formas de expressão artística. “Eles têm muito a oferecer, por serem cegos, têm algo a mais, e não algo a menos. Não sou eu que tenho um olho biológico funcional e eles não. Eles têm um olhar, uma contemplação de uma forma de viver enigmática, uma função subjetiva de compreensão de mundo, de apreensão, de estar no mundo. A deficiência acolhida se torna potência”, defende.

Cada fotografia da exposição terá uma plaqueta com um QR code que direciona para as audiodescrições, recurso de acessibilidade para pessoas cegas. O local escolhido também é acessível para cadeirantes, inclusive com banheiro adaptado, e durante o período de funcionamento da exposição, estarão presentes mediadores fluentes em Libras, a Língua Brasileira de Sinais. Maior nome da fotografia cega no Brasil, o fotógrafo João Maia estará presente na abertura da exposição, dia 27 de maio. Ele também foi consultor da Escola e uma das inspirações do projeto, inclusive por atuar profissionalmente na área e pelo reconhecimento que conquistou em sua carreira, presente duas vezes na cobertura oficial dos Jogos Paralímpicos.

A seleção das imagens para a exposição ficou a cargo da artista Bárbara Bragato, que considera que a produção fotográfica de um cego pode ser tão ou, até mesmo, mais bela do que aquela gerada pela visão. “É uma forma de pensar as imagens como tudo isso que habita a gente, mas fica esquecido na nossa memória. As imagens do ‘não-ver’ são essas que a gente fecha os olhos e pode sentir, são as imagens que transpiram, que usam som, que fazem arrepiar a pele. Os olhos não precisam estar abertos para que a gente enxergue”, ressalta.

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