Proibida de frequentar igreja evangélica, Mel do Rosário é protagonista de Toda Noite Estarei Lá
A data de lançamento coincide com o Feriado de Corpus Christi, dia em que ocorre em vários estados a Marcha Para Jesus, evento marcado pela manifestação da fé cristã, e seguirá em cartaz em junho, o mês do Orgulho LGBTQIA+. Além da Capital do Estado, Vitória, a exibição ocorrerá em Fortaleza (CE), Niterói (RJ), Rio de Janeiro (RJ), Palmas (TO), Salvador (BA) e São Paulo (SP).
“A Mel é uma travesti defensora dos direitos humanos. Ela enfrenta todos os dias uma sociedade que oprime e desumaniza pessoas LGBTQIAP+. Muita gente se apoia nos discursos fundamentalistas de algumas igrejas para justificar a LGBTFOBIA. A gente costuma dizer que a Mel é uma outsider tanto no contexto da igreja e da religião com a qual ela se identifica, porque essa igreja não acolhe pessoas como ela, quanto no contexto progressista, que tem extrema dificuldade de dialogar com as religiões neo pentecostais, por exemplo”, ressaltam as diretoras, Suellen Vasconcelos e Tati Franklin.
Para as cineastas, a história representa os dilemas da sociedade. “Acompanhando sua trajetória, a gente vê um rastro do ultraconservadorismo e da violência conta uma determinada população”, afirmam.
Segundo elas, filmar na porta igreja, onde Mel fazia seus protestos, era sempre muito tenso e insalubre. Além disso, viveram junto as idas e vindas dos processos judiciais e o perdurar das injustiças. “Ficamos imersas nesse processo do filme por muito tempo, tanto pelo processo do filme em si quanto pelos dois anos de pandemia”, acrescentam.
As diretoras conheceram Mel por meio de uma pequena participação no filme de um amigo, Thiago Moulin, que assina a produção executiva de Toda Noite Estarei Lá. “Ele ficou muito impactado com a história e produziu um curta-metragem contando o caso com a igreja. Nesse processo, se deu conta de que a história da Mel renderia um longa, mas entendeu que não dirigiria o filme, e precisava encontrar alguém para assumir a direção desse novo projeto”, contam sobre o convite.
Mel já tinha participado de dois curtas e um telefilme, mas ficou animada em protagonizar um longa-metragem. “Ela dizia que era importante contar essa história naquele momento e que o movimento que o filme traria para sua vida também era uma forma dela se proteger, porque acreditava que a igreja iria recuar com as ameaças se soubesse que fariam um filme sobre este conflito. Ela dizia que ‘eles vão pensar duas vezes antes de fazer alguma coisa comigo agora que vocês estão filmando’. Estar em evidência era uma forma de proteção também”, explicam.
Elas acreditam que quando as pessoas conhecem a história, reavaliam seus papeis nesses contextos. “Enquanto diretoras lésbicas, a gente acredita que que só existe transformação através de intervenção. Esse filme propõe um diálogo com quem pensa que existem vidas que valem menos que outras e que se não contarmos essas histórias, se não existirmos nas telas, se não construirmos um imaginário diferente, uma memória dessas vidas, a gente não muda essa realidade. Quantas heroínas travestis existem no cinema brasileiro? Quantas travestis a gente conhece? Quantas frequentam a nossa casa? A Mel também está nesse lugar de representar uma população sub-representada no nosso imaginário e nas nossas telas”.
O longa foi premiado em diversos festivais, como 30º Festival de Cinema de Vitória com os prêmios de Melhor Interpretação, para Mel Rosário, e o Troféu Vitória de Melhor Filme, pelo Júri Popular, Olhar de Cinema 2023 (Melhor direção e Melhor atuação) e 17º For Rainbow (Melhor atriz, Melhor Trilha Sonora, Melhor direção de arte), além de ter sido exibido no Mix Brasil, Festival do Rio e Wicked Queer: The Boston LGBT Film Festival! (EUA). O documentário é uma produção da Graúna Digital, em associação com Filmes Fritos, distribuído pela Descoloniza Filme.