Na Serra, a festa em homenagem à orixá será em Jacaraípe
“Chegou, chegou, chegou! Afinal que o dia dela chegou!”, já dizia Dorival Caymmi na música Dois de Fevereiro, em homenagem a Iemanjá. Na verdade “o dia dela” ainda não chegou, mas está chegando. É no próximo domingo (2), quando centenas de pessoas irão para a tradicional entrega do balaio de Iemanjá, que chega a sua 42ª edição. A festividade acontece no píer que leva o nome da orixá, na Praia de Camburi, em Vitória, e é organizada pelo Nzo Musambi ria Kukuetu, também conhecido como Barracão de Mãe Néia, sacerdotisa que deu origem à festa, em 1983.
Mãe Néia chega ao píer às 15h para o cortejo até a imagem, onde as preces serão feitas. De lá, as oferendas serão jogadas no mar. Após o retorno da embarcação, Mãe Néia partilha comidas sagradas na entrada do píer. Uma novidade deste ano é criação do Guia de Boas Práticas do 2 de Fevereiro em Camburi, disponível para download no link. O documento foi elaborado pela Associação Cultural e Beneficente Nzo Musambu ria Kukuetu, Centro Espírita Santa Clara de Assis 3 Cangas, Círculo de Irradiações Espirituais São Lázaro Templo Xangô e Centro Espírita Umbandista Senhora de Santana.
O ogã do Barracão de Mãe Néia, Yuri Paris, afirma que “a festa de Iemanjá é para todos”, mas destaca que é preciso que se conheça a história e os significados da celebração. “Ainda que a pessoa não seja de religião de matriz africana, é necessário saber o que é importante e o porquê para quem é dessa religião”, diz, reforçando que essa necessidade é ainda maior quando o 2 de fevereiro cai no final de semana, como neste ano, pois acaba atraindo mais gente. O ogã destaca também a necessidade de orientações para o respeito à natureza.
Entre as orientações contidas no Guia está o respeito à tradição, por exemplo, evitando caixas de som e música alta e o consumo de bebidas alcoólicas e outros entorpecentes. Segundo o Guia, “a natureza é protagonista’, portanto, orienta-se a não pisar ou quebrar as plantas rasteiras que ocupam a areia. O Guia também recomenda o uso de vestes brancas, “sinal de paz e respeito a todas as energias”. Além disso, alerta que “presentes como flores, perfumes e comidas podem ser deixados aos pés do monumento a Iemanjá, ou oferecidos às águas sem plásticos ou vidros”.
Mãe Néia veio de Santos, em São Paulo, no ano de 1982, adotando o Espírito Santo como sua terra. Aqui ela se tornou uma das referências no combate à intolerância religiosa e na defesa dos direitos humanos. Filha de Iemanjá com Ogum e Obaluaê, quando Mãe Néia deu início ao tradicional festejo à rainha do mar todo dia 2 de fevereiro, na praia de Camburi, o píer em homenagem à orixá ainda nem existia.
“Fiz a primeira entrega de balaio em 1983. Peguei minha cestinha, fiz oferenda para minha mãe, começou a aparecer um monte de curiosos. Veio até polícia pensando que alguém estava morrendo afogado. Acabou que eles ficaram ali comigo”, conta. Com a inauguração do píer, em 1988, ela passou a fazer o festejo ali, mas em 1999, a mãe de santo, junto com a Federação Afrobrasileira do Espírito Santo, presidida na época por Nilton Dário, mobilizou as religiões de matriz africana para que também fizessem na praia, o que acontece até hoje. “Normalmente se fazia no ano novo, aí misturava religião com outras coisas, com bebida. Me sinto feliz, pois fiz um trabalho e tive resposta. Digo de cabeça erguida: eu fui corajosa. É uma vitória”, comemora.
Festa em Jacaraípe
Em Jacaraípe, na Serra, a festa de Iemanjá, na praça Encontro das Águas, também é tradicional, ultrapassando três décadas. Este ano, traz como novidade um cortejo que contará com quatro paradas de cerca de 20 minutos ao longo da praia. Em cada uma delas haverá ijexá e toques de Umbanda. A concentração será às 14h, na Arena Jacaraípe, com início do cortejo às 14h30. A chegada na praça está prevista às 17h, dando início à entrega dos balaios.
Após a entrega, haverá apresentações de capoeira, maculelê, samba de roda e outras atrações culturais. O evento é organizado pela União de Matrizes Africanas (UMA), que congrega cerca da 30 casas de todo o Espírito Santo. A ideia do cortejo, segundo Brasinha, pai de santo da casa Ilê Asé Igbo Odé Oloya, de Jacaraípe, afirma que o cortejo é também uma forma de protesto diante da falta de políticas públicas para as religiões de matriz africana. “É para chamar atenção do poder público, mostrar quem somos, quantos somos, que existimos”, diz.