Dylan Marlais Thomas nasceu em Swansea, no País de Gales, em 27 de outubro de 1914. Dylan viveu seus primeiros 20 anos em Swansea, o que, pelas palavras de Fitzgibbon, teve importância no caráter galês construído na formação de seu espírito e no modo em que exerceu a sua poesia. Sendo Swansea geograficamente um porto de mar, aonde se encontram a língua inglesa e galesa.
De ascendência galesa, Dylan Thomas foi, contudo, um poeta de língua inglesa, “e nenhum poeta maior inglês foi jamais tão galês quanto ele”, nos assegura seu biógrafo. Com instintos e impulsos que denotavam o caráter de um homem formado no meio rural, carregado por imagens e metáforas de pulsações cósmicas, Thomas foi, entretanto, em um certo sentido, de um temperamento também urbano. Ainda em Swansea, o poeta teve tempo e oportunidade para formular seus próprios valores artísticos, criar suas próprias técnicas e descobrir seus próprios modos de se expressar fora do circuito de modas londrinas. E, falando em Swansea, mais uma vez, foi lá que Thomas herdou o hábito da bebida, e que teve na sua biografia o retrato de um comportamento que pelo seu caminho tangencia o de um alcoólatra.
É dos tempos de Swansea, também, que datam tanto seus primeiros poemas, como também algumas de suas leituras decisivas, uma em destaque, por exemplo, que foi a de Rimbaud, em especial a do soneto das “Voyelles”, o famoso poema de Rimbaud em que as vogais ganham “cores”, fazendo Thomas se considerar, a partir de então, “o Rimbaud de Cwmdonkin Drive”, afirmando ainda que seria um poeta “tão bom quanto Keats, senão melhor”.
E é também dessa época que datam suas primeiras short stories (contos), gênero no qual o autor deixaria algumas obras-primas, como as que se encontram no Portrait of the artist as a young dog (Retrato do artista quando jovem cão), com uma influência joyceana evidente, e tendo nesta época ainda o despertar de seu interesse pelo cinema, o que o levou a produzir roteiros para filmes, se tornando um dos mais competentes roteiristas de seu tempo, juntando a isso, também, um interesse pelo teatro, no qual se revelou um ator de talento, pensando neste profissão, especificamente, como um bilhete de saída de sua vida opaca em Swansea. Neste caso, nas palavras de Fitzgibbon: “E, naturalmente, sua atuação na radiofonia britânica, tanto como leitor quanto como ator, e o público que angariou como leitor de poesia proporcionaram-lhe enorme êxito popular”.
Segundo seu biógrafo, foi ainda em Swansea, contudo, de 1931 a 1934, o período mais importante da vida de Thomas como poeta, pois foram neste anos que ele escreveu todos os poemas de seu primeiro livro, Dezoito poemas, e a maioria dos que compõem o segundo, Vinte e cinco poemas, e de forma embrionária, grande parte dos últimos, podendo se afirmar, sem exagero, que todo o seu estilo de poesia, de forma conceitual e composicional, se devem a este período de três anos ainda em Swansea. E é nesta época, também, que Dylan Thomas trabalhou como jornalista, sobretudo no South Wales Daily Post, quando começou a beber cotidianamente, criando não apenas a sua poesia, como também sua própria imagem como poeta, sobre a qual se construiu sua legenda e, digamos, “aura”.
ESTILO E INFLUÊNCIAS
Falando agora, mais especificamente, da construção estilística da poesia de Dylan Thomas, é nesta época de jornal e bebedeiras que ele toma contato com suas influências literárias e poéticas, partindo das modernas correntes e tendências da literatura inglesa, e passando pelos imagistas e simbolistas, incluindo-se neste últimos as obras e o conceito poético de Rimbaud. Como também recebeu influência dos chamados “poetas metafísicos’ do século XVII, os quais, por sua vez, formaram a sua concepção de poesia mais firme, tanto no ritmo, como no que, tomando a teoria literária de T.S.Eliot, em paródia, poderíamos chamar de “música de ideias”.
E um fato interessante do que diz respeito ao trabalho poético de Dylan Thomas é o de que quase tudo o que ele escreveu neste período foi preservado em cadernos de notas, com exceção de um único caderno, encontrando-se hoje alguns deles em bibliotecas de universidades americanas. A partir deste acervo, organizado e publicado em 1968 pelo professor Ralph Maud com o título de Poet in the making: the notebooks of Dylan Thomas, pode se ter uma dedução de que, entre os 17 e 19 anos, o período de Swansea, ele tenha escrito cerca de 250 poemas considerados dignos o bastante de serem incluídos naqueles cadernos. Ainda neste material não se encontram preocupações significativas ou sistemáticas com a rima, o que só seria utilizado mais tarde nos poemas mais longos e de maiores ambições no que se diz sobre o ritmo, principalmente.
Os temas diletos do jovem poeta Dylan Thomas eram então os da loucura, da feitiçaria e do diabolismo, exemplos do caráter facilmente mórbido da adolescência. No que Thomas repudiou-os, posteriormente, já ostentando uma nova roupagem surrealista, só com o tema da morte persistindo no caminho seguinte, tema que, por sua vez, ganhava um esforço de superação através de uma espécie de panteísmo, na identificação de si mesmo e de seu corpo mortal com toda a natureza, espaço novo em que Thomas realizou um espectro de imagens fisiológicas, bíblicas e até astronômicas.
O DESPONTAR DA CARREIRA
Um pouco depois, por sua vez, os poemas de Dylan Thomas já começavam a aparecer em publicações de prestígio dos círculos literários londrinos, tais como o New English Weekly e o Adelphi. Alguns meses depois disso, por conseguinte, Stephen Spender, sustentando a opinião de Glyn Jones, referiu-se elogiosamente aos poemas de Thomas junto a Geoffrey Grigson e a T.S.Eliot, este então editor do Criterion e também responsável, nesta época, pelo lançamento de alguns novos poetas ingleses sob o selo da Faber & Faber. Tais contatos levaram Thomas tanto ao Criterion como também ao New Verse e o Listener.
Com o caminho aberto, o reconhecimento poético do autor veio, de fato, em 25 de março de 1934, com a conquista do prêmio de poesia do Sunday Referee. A partir deste momento Thomas passou a se dedicar à organização de um volume de poemas, os quais já se encontravam em embrião em seus antigos cadernos de notas, e tais poemas foram trabalhados com afinco, e todos, por sua vez, passaram parcial ou integralmente, a serem reescritos, na busca de Thomas por maior densidade e complexidade. Determinado a alcançar o impossível, Thomas violentava as palavras e a si mesmo, sendo desta mesma época o work in progress que se tornaria o Finnegans Wake de James Joyce.
Em fins de 1934, Dylan Thomas já estava consolidado como poeta. Ele era, contudo, um outsider de sua geração, pois cronologicamente pertencia à “Geração dos 30”, na qual transitavam nomes como o de W.H. Auden, Stephen Spender, Cecil Day Lewis, Christopher Isherwood, Edward Upward e Calder-Marshall, os integrantes do grupo de poetas de Oxford, que se caracterizavam por ser poetas políticos de inspiração marxista, nada mais distante do caminho de Dylan Thomas, que era um poeta de fundas raízes telúricas de sua Gales natal, com uma preocupação linguística e formal, praticando uma poesia longe de ser politicamente engajada. E em 18 de dezembro, por sua vez, é publicado, finalmente, o primeiro volume de poemas do autor, Dezoito poemas, com uma tiragem de 250 exemplares.
Nos dois anos seguintes Dylan Thomas vive em Londres, flanando pelos pubs de Soho, sempre com problemas de falta de dinheiro, o que aconteceria até o fim de sua vida, pois gastava tudo em bebida, tudo o que ganhava como produtor de programas radiofônicos em Nova York, conferencista ou roteirista de cinema. Nesta época de Londres, Thomas, por sua vez, além dos poemas, escreveu diversas short stories (contos), como “Llareggub”, conto de influência dos Dubliners (Dublinenses) de James Joyce. E ainda neste período, além do conto “The lemon” (O limão), estava em composição seu melhor conto deste mesmo período, “A view of the sea”, que só seria publicado postumamente em 1955, com o título A prospect of the sea.
E foi durante 1936 que Dylan Thomas publicou cinco outros contos na revista surrealista Contemporary Poetry and Prose, além de nove poemas para a sua segunda coletânea de versos, que resultaria em 10 de setembro de 1936, nos Vinte e cinco poemas, com uma tiragem de 750 exemplares. Tal livro resultou em êxito editorial, com a impressão de mais três edições, num total de três mil exemplares, se aproximando dos três mil e quinhentos dos Poems de Auden.
CONFLITOS CRIATIVOS
Mais à frente, já com o novo livro de poemas O mapa do amor, e o volume de contos Retrato do artista quando jovem cão, publicados, a nova atividade de roteirista de Thomas fazia com que sua esposa Caitlin, percebendo que, desde a sua junção com Donald Taylor, na Strand Films, a produção poética de Thomas se exaurira, pois nos últimos três anos, desde o casamento, ele não escrevera quase nada de novo, isso fez com que, portanto, Caitlin viesse com a ideia de que Taylor estava corrompendo o talento de seu marido, que agora produzia pouca coisa em matéria poética. Para Caitlin, Taylor afastara Dylan Thomas de sua arte com a perspectiva do dinheiro e dos night-clubs, transformando em cinismo a inocência de seu marido. O que culminou no fato de que Thomas abandonou de vez seus velhos cadernos de notas quando se transferiu de Marshfield para Londres, vendendo-os em 1941.
No que cabe aqui a interessante observação de seu biógrafo Fitzgibbon: “Seria difícil imaginar um gesto mais significativo da parte de Thomas, a maior renúncia ao passado, do que este. Aqueles cadernos de notas eram a sua juventude, eram os seus poemas, eram Dylan o jovem poeta. (…) E aquele veio que ele explorara desde a sua fértil e febril juventude estava definitivamente extinto para ele. O poeta-menino, o Rimbaud de Cwindonkin Drive, deixara de existir. (…) Os poetas líricos se transformam, ou param, ou morrem. Keats morreu aos 26 anos, e Dylan tinha a mesma idade quando vendeu seus cadernos de notas. Não creio que esta tenha sido uma coincidência meramente fortuita. Quando criança, ele dissera à sua mãe que pretendia ser “melhor do que Keats” e por toda a sua vida esse poeta foi, por assim dizer, o modelo a partir do qual Dylan se avaliava a si mesmo.”
E entre 1941 e 1944 Thomas não escreveu, ou sequer concluiu, quase nenhum poema, embora estivesse em gestação o que viria a ser o Mortes e entradas, publicado em fevereiro de 1946, que lhe consolidaria como o poeta maior de sua época. Ele trabalhava melhor em Gales, e foi entre 1944 e 1945, que Thomas concluiu e publicou dez poemas que se incluem entre os mais belos que jamais escreveu, como “Poema de outubro”, “Recusa a lamentar”, Este lado da verdade”, “A conversa das preces”, “Conto de inverno”, “Colina das samambaias” e “Em meu ofício ou arte taciturna”, período criativo só comparável à fase de três anos em Swansea, a maior parte deste novos poemas presentes em Mortes e entradas. Dylan Thomas morreu aos 39 anos, muito em decorrência do abuso do álcool e da depressão pela morte de seu pai, um ano antes dele morrer, e seu corpo está enterrado em Laugharne, em Gales.
A POESIA DE DYLAN THOMAS
Poeta de difícil mensuração na tessitura da poesia de língua inglesa, a poesia de Dylan Thomas é um raro elo entre esta e as fontes galesas, sendo o poeta algo que passa ao largo da Geração da década de 1930, a de Auden e outros, como dito anteriormente. Muito rotulado de surrealista, pode-se ver outra fonte de influência, no entanto, na chamada metaphysical poetry, com a riqueza barroca de metáforas retumbantes, como na poesia de John Donne. Portanto, Dylan Thomas pode ser, parcialmente, um surrealista, pois bebeu em antepassados, antes do surrealismo, seja, por exemplo, na poesia visionária de William Blake, e para falar de uma influência sua contemporânea, esta é, gritantemente, a de James Joyce, com todo o seu diabolismo e experimentações linguísticas. Podendo ainda cair em Milton e Keats, e na herança céltica e galesa de seu nascimento e formação.
Dylan Thomas pode ser considerado falsamente um verbalista, embora sua poesia seja rica em flexão retórica, pois é riquíssimo em metáforas, mas se distanciando de temas intelectuais e filosóficos, sendo um poeta de sentimentos e acontecimentos elementares, como nascimento, morte, amor, infância, com verve sacralizante. E, na culminância de sua poesia, Dylan Thomas realiza ou alcança, por assim dizer, a exigência eliotiana da “música de ideias”, sendo por isto também um poeta musical.
E, por fim, muito de sua poesia pode não resistir ao tempo, pois há nela, ainda, uma parte na qual foi produzida profusão de verbalismo retórico, excesso metafórico (barroco e simbolista), e irracionalismo. Podendo contar como influências externas do corpus poético, para a sua poesia, ainda, a Bíblia e Freud. Como assinala Lawrence Durrell, os símbolos de Thomas “mergulham no substrato do inconsciente, na selva de suas primitivas origens, enquanto sua utilização do som lhe confere uma força quase brutal quando nos chegam aos ouvidos”. Não é evidente, contudo, para Durrell: “o quanto o poeta deve aos psicólogos, mas um exame de seu matrimônio com a substância do estilo sugere que, como Joyce, ele fez bom uso da obra que Jung realizou com os símbolos arquetípicos”.
DYLAN THOMAS POR ELE MESMO
E, por fim, como assegura o próprio Dylan Thomas, ele começou a escrever porque “se apaixonara pelas palavras”, mais precisamente pelo som dessas palavras, e não pelo sentido ou símbolo delas, sendo aí vista a raiz musical de seus poemas. É Thomas que confirma: “E aquelas palavras eram para mim como notas emitidas pelos sinos, os sons de instrumentos musicais, os ruídos do vento, do mar, da chuva, o rangido das carroças de leite, o resvalar dos cascos dos animais sobre as pedras do calçamento, o dedilhar dos ramos sobre uma vidraça, poderiam ser para alguém que, surdo de nascença, descobrisse milagrosamente sua audição.” E é neste caminho do som que são edificados todo o telurismo cósmico e a inocência que dão nos seus três primeiros volumes de poemas: Dezoito poemas, Vinte e cinco poemas e O mapa do amor.
Mais adiante, podemos ouvir de Dylan Thomas, também, este apontamentos, em seu manifesto: “Deixem-me dizer que as coisas que primeiro me fizeram amar a língua e desejar trabalhar nela e por ela foram as nursery rhymes e os contos folclóricos, as baladas escocesas, alguns versos de hinos religiosos, as mais famosas histórias da Bíblia e os ritmos bíblicos, os Cantos da inocência de Blake e a majestade mágica absolutamente incompreensível e o absurdo de um Shakespeare ouvido, lido e quase assassinado nos primeiros anos de minha vida escolar.”
A TÉCNICA DYLANIANA
E é por esta razão que Lawrence Durrell afirma que a poesia de Dylan Thomas seja a da “sensualidade e do encantamento”, aquela que, “enquanto deita um olhar fugaz para uma das faces do verso de Hopkins que a influenciou, conserva no entanto um outro sabor mais enevoado que não seria incorreto julgar uma peculiaridade galesa”. No que conclui Durrell, categórico: “Thomas é um profeta da Bíblia e daquele Blake que escreveu os Livros Proféticos”.
Do ponto de vista técnico, indagado certa vez se se utilizava de artifícios de rima, ritmo, aglutinação de palavras em seus poemas, o poeta confirma e acrescenta: “Sirvo-me de tudo e de qualquer coisa para escrever meus poemas e dirijo tais recursos nas direções que bem entendo: velhos e novos truques, trocadilhos, portmanteau words, paradoxos, alusões, paronomásias, paragramas, catacreses, gírias, rimas assonantes, rimas vocálicas, sprung rhythm”, concluindo em seguida: “Qualquer recurso que exista na língua lá está para ser utilizado sempre que alguém dele se queira valer. Os poetas gostam às vezes de se divertir, e as contorções e os espasmos das palavras, as invenções e os artifícios são parte da diversão que, por sua vez, é parte do trabalho doloroso e voluntário.”
Mas, para concluir, não é exatamente na parte técnica, strictu sensu, que reside o ineditismo da poesia dylaniana, mas na parte julgada como a parte ampla de sua técnica, e que lhe dá a faculdade do estilo: uma poética que mora na contração simbológica das imagens, na violência barroca e consequente aprofundamento metafórico (ao abuso e exaustão), nas síncopes do ritmo e no desenho elíptico da linguagem, e que se tem, como resultado, um certo obscurecimento de sentido evidente, que é devido ao estrangulamento criativo do poeta com os liames racionais da língua comum, o que é patente no nervo exposto de todo poema excessivamente metafórico.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor
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