O primeiro contato com a literatura é o mais importante e os contadores de histórias têm se dedicado cada vez mais para tornar esse momento especial e mágico para as crianças. “É justamente na infância que fixamos os hábitos que levaremos para toda a vida. Se na infância descobrirmos o gosto pela leitura, os livros serão nossos amigos para sempre”, reforça a escritora e contadora de histórias Maria Elvira Tavares.
Maria Elvira é o exemplo perfeito da importância de aproximar a literatura das crianças. Ela cresceu em uma casa de contadores de histórias e foi assim que aprendeu a dar vida as palavras por meio da voz e da interpretação. “Desde criança fui uma leitora voraz, o que resulta num repertório vasto e bem bacana. Era muito natural ter crianças por perto para ouvir minhas histórias”, recorda.
Mas foi apenas durante o projeto Proler que passou por Cachoeiro de Itapemirim (sul do Estado), na época em que Maria Elvira estava começando no ofício, que ela compreendeu a importância da sua arte e assumiu o título de contadora de histórias. A escritora já levou suas histórias para escolas, teatros, praças, comunidades quilombolas e onde mais a literatura lhe chamar.
“A atividade da contação de história é parte da cultura popular. Desde sempre, ainda em volta de uma fogueira para espantar o frio e as feras, as tribos se reuniam para contar suas aventuras, seus mitos, sonhos e crenças. Contar histórias é um ato sagrado da humanidade”, afirma. Mesmo tendo de competir com a televisão, o computador e os vídeos games, a voz do contador de histórias continua conquistando corações.
É nisso que também acredita a ex-professora Gabriela Kruger Arpini, hoje conhecida como Gab Kruger a Encantadora de Histórias. Para Gab, o que despertou o interesse em contar histórias foi a maternidade. Imersa no universo infantil, Gab decidiu que era hora de trabalhar com algo que realmente fizesse a diferença ao seu redor.
“Apesar de amar muito minhas crianças, eu não estava satisfeita com meu trabalho como professora. Eu queria desenvolver um projeto profissional que respeitasse a integridade da infância, que reafirmasse a identidade cultural brasileira e que aproximasse as crianças de uma literatura de qualidade”. Então surgiu a ideia da contação de histórias, trabalho que ela já desenvolvia em algumas escolas.
Gab se profissionalizou com estudos em teatro, folclore brasileiro e literatura infantil e agora é muito apaixonada e realizada em seu trabalho. Ela criou A Mala Produções, uma produtora de entretenimento cultural infantil que atende a projetos, feiras, empresas, escolas e festas. “Meu trabalho se preocupa em respeitar a inteligência da criança sem deixar de ser divertido e encantador. Sinto orgulho em ser contadora de histórias e espero ficar velhinha contando histórias, porque a parte mais legal do meu trabalho é que todos somos contadores de histórias. Inclusive você!”.
Para Fabiano Moraes, a contação de histórias também é algo que requer muito estudo e preparação. O escritor passou a se interessar por contar histórias depois de ter viajado para a região sul e serrana do Espirito Santo, em 2000 e 2001, e para o litoral norte do Estado do Espírito Santo, em 2002, coletando histórias junto a narradores tradicionais. Hoje ele não atua mais artisticamente e seus trabalho é voltado para ensino superior, pesquisa, publicação de livros e artigos, e palestras sobre educação e leitura.
No que diz respeito à arte da palavra narrada, Fabiano pesquisou sua própria prática como professor, o que resultou no livro Contar histórias: a arte de brincar com as palavras (2012). Na publicação, ele desenvolve técnicas próprias de preparação e narração de histórias.
Também em 2012, junto com a contadora de histórias e escritora Lenice Gomes, eles organizaram o livro A arte de encantar: o contador de histórias contemporâneo e seus olhares. A obra reúne artigos sobre diálogos entre a arte de contar histórias e as culturas indígenas, africana, europeia e camponesa, e entre a arte de contar histórias e práticas em espaços diversos, como as brincadeiras, a leitura, a biblioteca pública, a arte-educação, as relações intergeracionais, o espaço cênico. O livro reúne contadores de histórias pesquisadores do Brasil, da Espanha, de Cuba, do Perú, dos Camarões e de Portugal.
Para Fabiano, a estrela da cena da narração não é o contador e sim a história, o contador deve chamar a atenção para a história que esta conduzindo e sempre deixá-la em evidencia. “O trabalho do contador é coletivo, envolve o ouvinte, a história e o contador. As palmas são para o coletivo. As palmas são para a arte de construir esse rico espaço de coletividade. E isso é fruto de muito trabalho. Arte sim, pesquisa também, estudo nem se fala. Enfim, trabalho árduo”, reforça.
Hoje, Fabiano sobe nos palcos apenas em palestras e conferências e, volta e meia, conta uma história nesses momentos. Para ele, a contação de histórias não é algo exclusivo para crianças, muitos contadores de histórias atuam em empresas, hospitais, centros comunitários, e em culturas diversas, como comunidades rurais e povos tradicionais, e contam histórias para pessoas de todas as idades.
“Depois de ter contado histórias em palcos, aldeias indígenas, bibliotecas, museus, teatros e espaços culturais, hospitais, penso que crianças ou adultos não são tão diferentes quando estão escutando histórias”, diz Fabiano. Maria Elvira concorda: “Engana-se quem pensa que a contação de histórias é voltada, apenas, para o público infantil. Contar e ouvir histórias é para gente de qualquer idade! Quando a gente conta, todo mundo vira criança! Os olhinhos brilham, qualquer que seja a idade!”.