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Fantasias descartadas podem virar móveis para Sambão do Povo

Projeto Re-Colheita começou experimentos com resíduos carnavalescos

A maior festa popular do Brasil é também um dos momentos de maior geração e descarte de resíduos de forma efêmera no país. O que fazer com todo o lixo gerado pelas apresentações das escolas de samba para suas fantasias e alegorias? O projeto Re-Colheita, idealizado pela designer Juliana Lisboa, está buscando respostas para fazer com que parte dele seja reciclado e transformado em peças a serem utilizadas no próprio Sambão do Povo, onde acontecem os tradicionais desfiles em Vitória.

Assentos, mobiliários urbanos, lixeiras, separadores de público, estão entre as possibilidades futuras de criação para serem usadas em arquibancadas, camarotes e espaços públicos que envolvam o Complexo Walmor Miranda, nome oficial do sambódromo capixaba. Ainda que se tratem de protótipos e do uso de uma quantidade apenas simbólica perto do volume impressionante de resíduos gerados no carnaval, o projeto busca provocar uma discussão que permita ajudar a repensar os materiais usados e sua destinação final.

Fantasias coletadas após desfiles em Vitória. Foto: Vitor Taveira

Juliana explica que nas fantasias e alegorias carnavalescas há sobretudo uma grande variedade de tipos de plástico, que para serem reciclados precisam ser agrupados. Os de maior interesse na Re-Colheita são o EVA, presente em muitos adereços, fantasias e até em carros alegóricos; o TNT (“tecido não tecido”), material sintético produzido a partir de fibras aglomeradas e fixadas por pressão ou calor, que compõem os forros das fantasias, saias, e carros alegóricos; e o PEAD, Polietileno de Alta Densidade, material rígido e resistente, presente em bambolês do aro que estrutura a saia das Alas das Baianas nas escolas de samba, por exemplo.

Transformar esses materiais envolve questões técnicas e químicas complexas. “Vamos trabalhar dentro de um laboratório de engenharia de materiais”. Esse material será processado, triado, higienizado, triturado, derretido e modelado no laboratório de materiais e reciclagem criativa A Fantástica Carpintaria, em Vitória, e possivelmente em outros laboratórios parceiros de São Paulo e Pernambuco, que possuem equipamentos mais avançados.

Diálogo com comunidades

Mas para além da questão técnica, Juliana Lisboa acredita também na valorização da perspectiva do diálogo com as comunidades relacionadas com a coleta desses resíduos como uma forma de potencializar o projeto. No caso do carnaval, a parceria é com a ONG ReciclaFolia, que atua desde 2009 em Vitória na coleta e conscientização sobre os resíduos da grande festa popular brasileira.

Diego Nunes

“Por que as pessoas doam ou destinam sua fantasia para esses projetos? Sei que já existe uma dinâmica das escolas de samba grupos de acesso que utilizam os descartes do grupo especial. Já há uma lógica cíclica de reaproveitamento, com várias dinâmicas. Mas quero entender também o que motiva as pessoas, o que elas pensam para além do impacto do carnaval”, diz a designer, que está acompanhando de perto as coletas nos desfiles realizados neste fim de semana, como parte dos estudos sobre os materiais utilizados e da articulação com as comunidades que já os reaproveitam em diversos municípios capixabas.

A idealizadora da Re-Colheita quer abrir um diálogo e trazer propostas que possam contribuir com a inovação, criar novos processos para lidar com os resíduos, seja para o armazenamento, seja para monetização ou criação de novos materiais com valor agregado, contribuindo para fortalecer esses projetos já existentes.

O projeto Re-Colheita foi o único do Espírito Santo aprovado no concorrido Rumos Itaú Cultural 2023-2024, que selecionou 100 entre mais de 9 mil projetos inscritos de todo o país. “Almejo no futuro apresentar esses resultados ao público em forma de uma exposição, tanto sobre o processo criativo como com a divulgação dos materiais produzidos”, relata. Ela considera que o patrocinador pode ter interesse em apoiar desdobramentos futuros que podem ajudar a projetar as experiências construídas a partir de Vitória a nível nacional. “Há um grande interesse quando se fala em pautas que envolvem as urgências ambientais e climáticas relacionadas com questões da vida cotidiana das pessoas. Esse trabalho traz uma perspectiva tanto sensível quanto funcionalista”.

Re-design

Juliana Lisboa é designer e co-fundadora da Cidade Quintal e A Fantástica Carpintaria. Juliana, hoje em dia, se considera na verdade uma “re-designer”. “Tem tempo que estou mais nessa perspectiva de recriação, do repensar, do transformar, do que por exemplo, em pensar que o mundo precisa de mais uma cadeira ou desse tanto de coisa que a gente cria por aí. Estamos precisando repensar os ciclos produtivos”, afirma.

Diego Nunes

Ela conta que diante desses incômodos e questionamentos, começou a realizar uma pesquisa sobre moda sustentável, por meio do programa Re-Farm Cria, promovido pela empresa carioca Farm. Começou a realizar diálogos sobre as roupas íntimas, muitas delas feitas de plástico, sem ter um destino ecologicamente adequado, terminando muitas vezes em aterros.  Daí ela foi ampliando as discussões e provocações sobre os impactos da indústria da moda até chegar ao Re-Colheira, que está com três frentes de atuação.

Uma delas, já mencionada, é com resíduos do carnaval. Outra com resíduos do trabalho de trancistas, que usam cabelos sintéticos nos penteados, e ainda tem uma frente a partir de resíduos de uma escola indígena de Aracruz. “Cada uma dessas coletas se tornará daqui há alguns meses numa pesquisa de materiais que culminará na entrega de protótipos que vão discutir a questão dos resíduos dentro dos seus contextos: do carnaval, das vivências de uma aldeia indígena e de um salão de uma trancista”, conta a designer.

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