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Glória e tragédia do Melpômene, primeiro grande teatro capixaba

No final do século 19, a construção do Theatro Melpômene marcaria uma transformação cultural e também urbana na cidade de Vitória. 
 
Se antes as apresentações teatrais eram realizadas em pequenas casas coloniais adaptadas pelos grupos de teatro da capital, a cidade passara a ganhar um grande espaço, o primeiro com todos requisitos de um teatro italiano (plateia frontal, palco com caixa cênica, cortinas, entre outros). Ao ser construído na parte baixa, zona de pescadores próxima ao manguezal, onde se encontrava o Largo da Conceição (hoje Praça Costa Pereira), criou um novo ponto de encontro cultural e social. Reconfigurou, assim, a paisagem e a vivência da cidade, antes centrada na Cidade Alta com seus casarios e Igrejas.
 
Essas conclusões estão contidas num estudo interdisciplinar coordenado por Colette Dantas, atriz, professora de teatro e arquiteta. Como resultado, o projeto Revivendo o Melpômene gerou um livro, um site, uma apresentação teatral e uma exposição que está aberta para visitas na sede do Arquivo Público, no Centro de Vitória. Unindo a paixão por teatro e arquitetura, Colette, com apoio de pesquisadores de outras áreas, buscou reconstruir a história desse importante marco numa área tão pouco pesquisada como o teatro capixaba.
 
A história (quase) começa em 1872, quando o grupo de teatro Melpômene consegue um empréstimo para instalar um teatro no Largo da Conceição. Mas o empreendimento não vai adiante. A sociedade é extinta, mas anos depois, o projeto é recuperado pelo então governador Muniz Freire, filho do diretor da antiga companhia cênica, que mantém o nome da sociedade e decide empreender a construção no mesmo lugar, nas proximidades de onde hoje se encontra a Praça Costa Pereira, mais exatamente entre o Hotel Imperial e o início das ruas Graciano Neves e Rua Sete. 
 
Sua construção começa em dezembro de 1895. “Em um ano e meio, o grande edifício já estava de pé e funcionando, enquanto hoje, com toda modernidade, ainda há projetos que se arrastam por anos e anos”, alfineta Colette, fazendo impossível que não lembremos do imbróglio em torno da construção do Cais das Artes.
 
De acordo com a pesquisadora, a edificação chama a atenção por alguns motivos: uma arquitetura eclética, a imponência que permitia visibilidade desde vários pontos da cidade, e a utilização de madeira como material principal, tendo apenas a base formada por cimento e alvenaria. “Na época, a madeira não era considerado material nobre por aqui, estava associado aos barracos, era considerada de segunda linha”, conta Colette. Junto com esse preconceito, surge também o mito de que o Melpômene seria assim mais vulnerável a incêndios.
 
O pioneirismo do edifício também se concretiza ao ser o primeiro a ter luz elétrica e primeiro local a fazer uma exibição cinematográfica em Vitória, em 1901. Analisando os arquivos históricos, os pesquisadores identificaram ampla atividade no local, com programação intensa, exceto em algumas paradas para obras, como reforma para inserir equipamento de cinema, calçamento da rua e contenção de alagamentos, já que por ali estava o estuário do Reguinho, o riacho que seria canalizado para a construção da Rua Sete.
 
Mas apesar do sucesso, o temido aconteceu em 8 de outubro de 1924: um princípio de incêndio iniciado na cabine de projeção durante uma sessão de cinema. Apesar de não ter afetado a estrutura do prédio, o pânico e alvoroço causado no público presente provocou a morte de duas pessoas e o fechamento do Theatro Melpônene diante da repercussão do caso. 
 
O que a pesquisa ajuda a elucidar é que talvez não tenha sido o incêndio propriamente a razão fundamental do fechamento do teatro, já que o mesmo edifício serviu de sede provisória para a Companhia de Melhoramentos, órgão público, antes de ser desmontado em 1925. O que poderia estar em jogo era uma outra visão de desenvolvimento, que começara a ser construída a partir do governo de Jerônimo Monteiro, rival político de Muniz Freire.
 
O desmonte do teatro vai ter como sequência uma série de reformas nos arredores, ajudando a configurar a atual geografia do Centro de Vitória, com a construção de ruas e do Teatro Carlos Gomes, inaugurado em 1927 como substituto do Melpômene, com semelhanças em sua estrutura interna. O Melpômene pode ser considerado mesmo uma espécie de pai do Carlos Gomes: este foi construído aproveitando as colunas metálicas do edifício anterior. O novo teatro foi projetado por André Carloni, que havia trabalhado como aprendiz, ainda adolescente, na construção do primeiro grande teatro da capital.
 
Para além de ter sido um marco arquitetônico e um espaço pioneiro, Colette Dantas destaca que o Theatro Melpômene marca a atual configuração da cidade de Vitória. Não só deslocou o eixo do Centro, como atraiu para ali novos equipamentos culturais, como o Theatro Carlos Gomes e o Cine Teatro Glória, hoje Sesc Glória.
 
A exposição segue Revivendo o Melpômene contém fotos, textos e uma maquete do antigo teatro. Pode ser visitada até março, de 10h às 17h30, no Arquivo Público, localizado na Rua Sete de Setembro, número 414. O livro resultado da pesquisa está à venda ali por perto, tanto na Editora Cousa como na Banca do Batata, em frente ao bar Bimbo, ambos na Rua Sete. Mais informações do projeto podem ser encontradas no site theatromelpomene.com.
 
Para fechar, uma boa notícia fresquinha: em julho, a exposição deve ficar temporariamente exposta na pequena pracinha localizada entre o Hotel Imperial e a Praça Costa Pereira, local onde realmente “viveu” o Theatro Melpômene. Uma possibilidade de ressignificar o espaço e tornar sua história mais acessível a quem por ali passa.

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