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Gosto de estar nas galerias, mas o principal pra mim é pintar na rua’

Nascido no norte do Rio de Janeiro, Fredone Fone se mudou com um ano de idade para o bairro Serra Dourada, na periferia da Serra. Desde novo ajudava o pai como pedreiro e pintor de paredes, que depois virou sua profissão, enquanto também se desenvolvia na pintura no âmbito artístico nos muros de rua e também na música, skate e outros elementos da cultura hip hop.

Em 1995 fez suas primeiras assinaturas em muros de Serra Dourada, ilegais. Anos depois, já pintou e expôs em diversos lugares do mundo. Atualmente, além de sua arte estar presente em vários lugares nas ruas do Espírito Santo e do exterior, também está exposta até 23 de fevereiro de 2020 na exposição Tríade: linha, plano e imagem, junto a Bruno Zorzal e Sandro Novaes.

É comum as pessoas diferenciarem graffiti e pichação. Como você enxerga isso?

Eu considero que graffiti e pichação não são diferentes um do outro. Não existe uma pichação que não seja graffiti. Uma coisa que as pessoas confundem é de pensar que o que é liberado pelo proprietário é graffiti e o que é pichação é feito ilegalmente. Mas às vezes há uma assinatura em preto na parede que pode ter sido autorizada e uma pintura com 50 cores que não tenha sido autorizada. Não é a estética que define se foi ou não autorizado.

De fato o termo pichação vai ganhar destaque na época da ditadura em que você não podia pichar na rua. Pichar vem de escrever com picho. Por exemplo, escrever com pincel “abaixo a ditadura”. Então aquilo era considerado pichar, essa palavra estava na cabeça das pessoas como algo muito ruim, proibido, subversivo.

São palavras criadas pelo governo e pela mídia no Brasil. Nos Estados Unidos, Europa ou mesmo na América Latina não existe pichação, é tudo graffiti. Se pego uma lata de spray e escrevo meu nome, apelido ou uma frase na rua, estou fazendo graffiti.

As assinaturas rupestres nas cavernas eram chamas de grafito na Itália, quando os jovens de Nova York começam a riscar trens e paredes escrevendo seus nomes, apelidos e nomes de suas gangues, classificam isso como graffiti, que é o plural de grafito. Naquela época eles se classificavam como “writers”, escritores, pois escreviam numa plataforma pouco usual, que era a parede.

Podemos falar também de um movimento que existe em torno da pichação, que existe em vários lugares, no Brasil principalmente em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Paraná, Brasília.

E que tipo de atividades esses movimentos realizam?

É muito comum terem encontros para pichar e também se encontrar, cada um ter um caderninho no papel em que pede para os outros escrever suas tags, assinaturas estilizadas. Quando mais pessoas fazem suas assinaturas e quando mais antiga essa agenda, mais valorizada ela é. E essas agendas também existem nos muros, quando uma pessoa sobe numa marquise e deixa sua marca, outras também vão ao lado e fazem sua assinatura, geralmente no mesmo tamanho, é uma estética construída de forma coletiva.

E o graffiti acabou sendo uma escola para muitos artista destacados hoje. Começaram nesse espaço proibido e a partir daí construíram sua trajetória artística…

Eu vim disso. Em 1995 já fazia pichação, que eu chamo de graffiti, com amigos do bairro. Era um grupo de jovens entre 13 e 15 anos. Ali comecei a pensar como eu poderia fazer uma letra diferente para escrever meu apelido era Dé, que era meu apelido familiar, então comecei assinar como Dezão porque meus amigos me chamavam assim. 

Fredone preparando suas pinturas no ateliê

Eu fica treinando mil vezes em casa a letra D, a letra E, para ser bem feita. Ali comecei a criar algo. Desenvolver a letra, buscando que aquilo estivesse em sintonia. No meu caderno era que começava a fazer minha letra, aquilo me tomava cinco horas por dia. O que eu estou querendo dizer é que para fazer uma pichação existe um longo passo até chegar à parede e fazer. Não estou nem entrando na questão da ilegalidade, estou falando principalmente da dificuldade, do processo criativo que se tem para se desenvolver aquela assinatura que vai ser escrita na parede.

Não são simples garranchos ou simples rabiscos. Tudo bem que quase ninguém entende. Mas me diz: todo mundo entende a arte contemporânea? Não.

Ou a arte abstrata…

São códigos. E quando mais você entende os códigos, mais aquilo vai fazer sentido. A pichação tem seus códigos, mas tem algo que é repelente. A pintura que faço hoje em mural ou galeria, por exemplo, não é fácil de ser decifrada, as pessoas veem as cores e não sabem o que estou dizendo.

Mas as pessoas escutam pichação e acham que é ruim. Automaticamente ela diz que é ruim, que é garrancho, que não tem criatividade e que ela simplesmente é crime. Está na lei, de fato é crime. Mas não deixa de ser arte por ser crime, não deixa de ser arte por ser feia. 

E como a pichação ou graffiti te ajudou como artista?

Além da estética, a pichação de formar como artista. Me formou não só por aprender a usar a tinta, desenvolver meu traço, mas como como pessoa, mudou meu jeito de ver a cidade, de observar a cidade, de observar. Como venho da construção civil, já tenho outra observação da cidade. Mas quem picha, por exemplo, está preocupado em que altura está pichando, se ali cai água, se escorre água da calha, porque se escorre vai durar menos seu trabalho, se a parede é em chapisco ou azulejo dura mais tempo, porque se faço numa parede branca, vai durar menos que numa parede chapiscada, porque não tem tanta manutenção.

– O artista costuma trabalhar para que sua obra dure o máximo possível. Um graffiti na rua pode duras dias ou permanecer por anos. Mas mesmo as obras de museus, muitas vezes ficam expostas por pouco tempo e depois retornam para os acervos, onde não são vistas pelo público, por exemplo. Como você enxerga essa distinção entre as ruas e as galerias de arte?

Nas galerias as obras estão sendo exibidas para um público muito seleto. O público de fora de um museu é muito maior do que o que está dentro. O museu é um cubo, um espaço lacrado com hora para abrir e fechar. Na rua a obra está aberta o tempo inteiro e também sujeita a qualquer alteração. Ainda mais se feita sem permissão, em que o dono do imóvel pode não gostar e pintar.

A questão é que se a gente começar a pensar essas intervenções como arte vai ser muito mais divertido, ou menos incômodo. Se passo na rua, vejo uma pichação e falo que é coisa de meninos vagabundos, que não têm o que fazer, que merecem apanhar ou receber uma multa de R$ 9 mil, eu só vou guardar minha raiva e repulsa. Acho que seria menos agressivo para quem está vendo pensar assim: “vamos tentar entender o que esses meninos colocaram na parede”.

Há um ódio implantado nas pessoas contra o graffiti. Mas é uma tinta na parede. E essa tinta na parede pode ser facilmente removida. Um caminho menos agressivo se o proprietário não gostar seria você que “sujou”a parede – não considero como sujeira – apagar o que fez. Não precisa ser preso ou pagar uma multa de R$ 9 mil como em Vitória.

O crime em que se enquadra o grafiteiro seria o mesmo que poderia punir quem pinta o meio fio de verde amarelo, ou pinta o símbolo da Seleção Brasileira na época da copa do mundo, ou de quem pinta o ponte da mesma cor da loja que está na calçada. E é considerado crime ambiental, assim como jogar lixo em local proibido ou algo similar.

Trabalho realizado por Fredone Fone em 2019 na Sérvia

E qual foi seu primeiro trabalho no âmbito artístico?

Eu comecei a expor quando fui no centro comunitário do meu bairro, que estava todo destruído, com paredes quebradas. Então peguei minhas tintas e fui lá, pintei minha arte com spray. Estava em exposição então. Era um artista inicialmente, amador, um trabalho um pouco mal feito, mas pergunto quantas obras são ruins, mas estão nas galerias?

Na época em que entrei pro graffiti, 95% dos grafiteiros eram da periferia. Não é comum alguém da periferia expor seu trabalho. O caminho de Serra Dourada até a primeira galeria de arte é muito longo. Não digo isso apenas como metáfora. De fato preciso pegar um ônibus e andar muito até chegar à primeira galeria de arte. Além de enfrentar o trânsito, tem barreira sociais e mentais. Na minha primeira exposição em 2002, no Sesi de Jardim da Penha, alguns amigos foram de chinelo e bermuda e perguntaram se podiam entrar. Claro que podiam. Mas era uma barreira, eles não sabiam se podiam porque parecia um lugar muito chique para eles.

Para mim graffiti é um jeito democrático de fazer arte. Foi assim que uma vez recebi uma parede na Praia da Costa para fazer graffiti, tive um pedaço lá, ocupei uma parede na Praia da Costa. Para mim graffit, assim como skate, é ocupar espaços na cidade, assim como as ocupações de prédios abandonados.

Comecei de forma ilegal. Eu poderia ser, como acho que já fui chamado, de garoto que não tem o que fazer, vagabundo, que não sabe fazer arte. Mas eu estou aqui hoje e continuo fazendo pintura na rua, no muro. Manter isso por 25 anos não é fácil, não é qualquer vagabundo à toa, é um trabalho que implica escolher os melhores lugares, correr riscos. Já fui preso por algumas horas, já paguei multa.

Mas o interessante é que na rua a arte chega nas pessoas, está muito mais próximas delas. Ao longo desses anos pintando, inúmeras vezes alguém me para e perguntar o que estou fazendo, o que significa o desenho. Aí eu converso, gosto de conversar. E estou fazendo o mesmo papel que o mediador faz na galeria de arte, estou expondo um trabalho como na exposição na galeria de arte, produzindo como se produz para expor numa galeria de arte. Mas meu alcance é muito maior, está muito mais próximos das pessoas. Eu gosto de estar nas galerias, mas o principal pra mim é pintar na rua. O principal é alguém me ver pintando e conversar comigo, é uma forma de estar mais perto das pessoas fazendo arte. Assim você faz palestra, oficina, curadoria, mediação de visita.

Comecei sem intenção nenhuma de expor em galeria, de ganhar dinheiro. Naquela época se eu falasse que ia ganhar dinheiro expondo numa galeria, iam me chamar de louco. Mas desde garoto era um adolescente com pequena meta, gostava de fazer isso, buscava melhorar, tinha um método. Não estava à toa na época, porque trabalhava com meu pai de pedreiro, ia para a escola. Não era garoto à toa. Então tem alguma coisa errada nesse estigma de que “são só garotos à toa fazendo rabiscos e sujando a cidade”.

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