Quais as fronteiras entre o legal e o ilegal? Quem define o que é arte? Perguntas como essas tornam no mínimo curiosa a exposição Táticas de Graffiti e Não-Graffiti, de Renato Ren, na Galeria de Arte Homero Massena.
Aprovada e apoiada pelo Funcultura, da Secretaria de Cultura do Espírito Santo (Secult), a exposição registra em 144 fotos (10x10cm), diversas intervenções urbanas feitas pelo artista na Grande Vitória.
O visitante não deve se surpreender se por acaso encontrar entre os retratos, obras que já viu por aí. Antes da galeria, os graffitis e não-graffitis já habitavam as ruas, onde embora sem registro formal, pode-se supor que o público deva ser muito maior do que o número registrado na galeria. “Minha preocupação é continuar na rua, trazendo para dentro da instituição só um índice do que seria o trabalho, ou seja, um registro dele. É uma estratégia, uma tática de tentar devolver essas questões para o poder público, sobre a forma como eles veem as leis e aplicam elas”, explica Ren.
“Mantenho a essência de um graffiti, a ilegalidade dele. Faço tudo sem autorização, e essa é uma questão da exposição”. Pela lei, intervenções como estas poderiam resultar em multas de até R$ 9 mil reais na capital.
Aí está um dos elementos principais para o que Renato classifica para uma obra ser considerada graffiti: a não permissão, ou mesmo a ilegalidade e transgressão. “Por vezes vemos grandes painéis classificados como graffiti em centros culturais, bienais ou exposições. É uma tentativa de domesticar o graffiti para vender, obter lucro, com uma ideia que é mentira”. Em seu entendimento, a diferenciação que alguns tentam fazer entre o pixo e o graffiti, com a intenção de reconhecer este como arte e o outro como mero ato de vandalismo, é falsa e fruto de desinformação.
Mas sua preocupação na instalação não é definir o que é ou não é, mas simplesmente provocar a partir das intervenções urbanas (graffiti e não graffiti, como diz o título) questionamentos sociais.
O artista nascido em São Paulo mas radicado desde a adolescência em Viana, onde começou a pintar, explora essas e outras contradições. É lá que realizou uma das obras, mas precisamente na construção abandonada de um Centro de Artes e Esportes Unificado (CEU) no bairro onde cresceu, Marcílio de Noronha. A esperança de um espaço de convivência e políticas públicas virou um triste elefante branco, que agora conta também com o singelo adorno colorido de um graffiteiro.
A exposição destaca a existência de pessoas que fazem graffiti, seja com spray, lambe, stencil ou outras, mas não se percebem como graffiteiros. Baseado num desses casos, em que um anúncio pixado dizia “Corto Árvores”, seguido de um telefone para contato, Renato Ren inverteu a lógica criando um stencil com os dizeres “Planto Árvores” seguido de seu próprio número de celular. “Infelizmente ninguém ligou. Talvez as pessoas estejam mais interessadas em cortar árvores”, lamenta.
Dois lambes também chamam a atenção. Em um deles, se vislumbra o desenho do trajeto da pluma de rejeitos do rompimento da barragem de Mariana, seguido da inscrição VANDAL ART. Detalhe que o graffiti muitas vezes é enquadrado como crime ambiental nas cidades, resultando na punição dos “pixadores”. O questionamento que fica no ar é: num crime ambiental de proporções catastróficas como o da Samarco ninguém será punido? Além da pergunta de junho de 2013: quem são os vândalos?
O outro lambe, colado especialmente em edifícios abandonados do Centro de Vitória, traz a inscrição “SITE OCIOSO OCUPAR”, junto com um desenho do mapa da galeria. Outra crítica contundente ao uso e desuso do espaço urbano, mais pertinente ainda num momento em que o movimento de luta por moradia intensifica as ocupações no bairro. Se a oposição ao grafite se baseia também no direito à propriedade, por que o poder público não se incomoda também com o não cumprimento de sua função social, prevista na Constituição?
Em outra obra, Ren insere pequenos ladrilhos de cerâmica vermelha com inscrições que vão desde a homenagem a artistas urbanos que o inspiraram até o nome de peixes exterminados com o crime no Rio Doce. “O graffiti é tratado como algo que destrói, mas nesse caso eu estava fazendo um trabalho de manutenção”, explica, tendo em conta que inseriu o trabalho em locais do piso em que faltava ladrilho.
Entre os vídeos que registram parte do trabalho de intervenção e também fazem parte da exposição, chama atenção cenas que mostram como uma moradora de rua se aproxima para “ajudar” Renato na tarefa de inserir e fixar o bloco. “É interessante observar a receptividade nos bairros. Apesar de ser ilegal, as pessoas não ligavam ou até gostavam de ver a intervenção sendo feita”.
É curioso notar nos registros fotográficos – ou diretamente nas intervenções nas ruas, mapeadas no site da exposição – como as obras dialogam com outros graffitis existentes na mesma parede, sejam tags de graffiteiros, mensagens políticas ou anúncios, ampliando os possíveis significados das obras.
No total, o trabalho foi desenvolvido ao longo de cerca de nove meses, incluindo pesquisa, produção e aplicação das obras e preparação da exposição. Renato Ren contou com curadoria de Clara Sampaio.
SERVIÇO
Exposição Táticas de Graffiti e Não Graffiti, de Renato Ren
Data: até 3 de fevereiro
Local: Galeria Homero Massena – Rua Pedro Palácios, 99, Centro de Vitória
Horário de visitação: Segunda a sexta-feira de 9 às 18h; Sábado de 13 às 17h
Entrada gratuita
Site da exposição: https://taticasdegraffitienaograffiti.com