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Grandes discos da música capixaba estão inacessíveis ao público

No livro “Os Sons da Memória”, José Roberto dos Santos Neves reivindica políticas para disponibilizar acervos

No próximo dia 5 de outubro, o jornalista, escritor e pesquisador musical José Roberto dos Santos Neves lança o livro Os Sons da Memória – Uma Leitura Crítica de 40 Discos que marcaram época na Música do Espírito Santo (Editora Cândida), no qual retrata álbuns marcantes da história da música feita no Espírito Santo, contando também a trajetória dos artistas envolvidos nestas obras. Boa parte destes álbuns, infelizmente, hoje são de difícil acesso para quem quiser conhecer a nossa história musical.

“Minha preocupação foi destacar majoritariamente discos e artistas que correm o risco de cair no ostracismo. Ou que já estão no ostracismo”, aponta o autor da obra, que já lançou outros cinco livros na área da música como Maysa, MPB de Conversa em Conversa e Rockrise

José Roberto aponta a necessidade de políticas para salvaguardar e disponibilizar todo esse rico acervo existente, “Realmente é preciso trabalhar no sentido de digitalizar o material, torná-lo acessível”, analisa, já que poucos são os discos dos mais antigos disponíveis em plataformas digitais, o que geralmente ocorreu em alguns casos em que as famílias que se preocuparam em guardar e disponibilizar as obras deixadas pelos artistas.

José Roberto Santos Neves lança seu sexto livro sobre música. Foto: Daniella Spadeto

José Roberto conta que alguns desses discos podem ser encontrados em vinil garimpando em sebos. Para sua pesquisa, valeu-se, além de pesquisas diversas, do acervo de seu pai, João Luiz dos Santos Neves, colecionador de vinis, a quem dedica o livro. Ele destaca a criação em curso pela Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo (Secult-ES) da Midiateca Capixaba, espaço online que poderia absorver parte dessa produção, especialmente aquela produzida com recursos do Estado, dos quais seria mais fácil conseguir os direitos autorais, que podem ser uma tarefa trabalhosa.

Mas ele também sugere a criação de um museu onde as pessoas pudessem visitar e encontrar esse material, vendo como um lugar propício o Palácio da Música Sônia Cabral, em Vitória, que como o próprio nome sugere tem foco na produção e difusão musical, apesar de também incorporar outras linguagens. “Poderia ter lá uma sala onde o público pudesse ter acesso a LPs, CDs, revistas, jornais, livros, instrumentos antigos, e outros elementos que remetam à produção musical do Espírito Santo. Faz muita falta”, diz o pesquisador.

Em seu novo livro, José Roberto Santos Neves aponta que o recorte de álbuns selecionados tem início com discos pioneiros nas décadas de 1940 a 1960, como o clássico disco do Brasil: Música na História – 50 peças progressivas para piano”, do Maestro Carlos Cruz, interpretado pelo pianista Manolo Cabral, e obras de artistas como Helio Mendes, Maria Cibeli e Mauricio Oliveira.

A orquestra do trombonista e compositor Clovis Cruz foi fundamental para o desenvolvimento da música popular no ES nas décadas de 1930 e 1940. Foto: Divulgação

Ele ressalta que muitos cantores dessa época só conseguiram gravar seus primeiros álbuns depois de décadas de carreira, especialmente nos anos 1980 quando o Departamento Estadual de Cultura (DEC) financiou vários discos de artistas que eram considerados destacados. “O DEC tinha uma equipe muito comprometida que permitiu esses registros fonográficos. Não era feito por concurso ou processo seletivo, mas teve importância no sentido de reconhecer o trabalho desses artistas e registrá-los como documento, foi fundamental. Não teríamos uma boa parte desse material registrado se não fosse essa iniciativa”, conta, lembrando que alguns importantes músicos do Espírito Santo tiveram esses como únicos álbuns publicados em vida. Entidades como a Ufes, a Codesa e empresas privadas também ajudaram a fomentar a produção e lançamentos nesta mesma década.

José Roberto explica que até então gravar um disco era difícil pois não haviam estúdios adequados no Espírito Santo, sendo que artistas importantes gravaram no Rio de Janeiro ou em outros estados. É só em 1991, com a criação da Lei Rubem Braga para fomento da produção artística em Vitória que a produção ganha um fôlego maior, com a publicação de projetos aprovados por meio de editais e a consolidação das políticas públicas culturais, reforçadas a partir de 2009 com a criação do Funcultura e dos editais em  âmbito estadual. Hoje, como se sabe, com o avanço tecnológico, as gravações se tornaram muito mais acessíveis com vários estúdios profissionais e também caseiros.

O livro Sons da Memória traz um recorte diverso em termos de artistas e ritmos, no que José Roberto classifica como música popular brasileira feita em terras capixabas. “Não gosto nem utilizo a expressão ‘música popular capixaba’. Acredito que fazemos MPB produzida no Espírito Santo. Dentro desse recorte inclui discos de samba, bossa nova, música instrumental, jazz, blues, rock, o rockongo de bandas com Casaca e Manimal, um diversidade que passa também por boleros, choro, canções de contracultura, até um disco de rap”, explica.

Nessa lista entram Pedro Caetano, Maurício de Oliveira, Raul Sampaio, Ester Mazzi, Aprígio Lyrio, o disco Tributo a Zumbi, reunindo importantes artistas da cultura hip hop, Trio Caiçara, Regional de Aquiles, Carlos Bona, Lula D’Vitória, Carlos Papel, Urublues, Lordose para Leão, Wanderson Lopez, Fabiano Araújo, Anderson Alcântara, Afonso Abreu e os importantes grupos que participou, entre outros, com suas histórias e discos, analisados criticamente levando em conta os momentos da história em que foram lançados.

A publicação segue uma ordem cronológica da biografia dos artistas e não necessariamente dos discos, permitindo conhecer um pouco mais da historiografia da música feita no Espírito Santo. “São discos de músicos, cantores e compositores que acredito que têm uma obra relevante e que merecem ser mais ouvidos pelo público, destacando a riqueza e a diversidade da música feita no Espírito Santo”, aponta.

Além dos músicos, José Roberto lembra também de figuras fundamentais de outras maneiras, como seu colega jornalista Osmar Silva, um dos pioneiros na cobertura e documentação da música popular do Espírito Santo, tendo trabalhado em jornais como A Gazeta e A Tribuna e até recebido homenagem em forma de música pelo Grupo Caiçara.

“Ele morreu cedo, aos 42 anos, mas produziu os textos de divulgação das Noites Capixabas, do Projeto Moqueca, que promovia apresentações musicais de artistas locais no Teatro Carlos Gomes nos anos 70 do século 20. “Apesar de ser um período difícil de repressão e censura da ditadura, foi uma época de muita efervescência”, afirma.

Após sua morte, o governo do estado chegou a lançar um livro reunindo artigos e entrevistas de Osmar Silva, que José Roberto Santos Neves entende que merecia uma nova edição, assim como o livro Carnaval Cem Anos, de Anselmo Gonçalves, lançado em 1985 para comemorar o centenário do primeiro registro carnavalesco no Espírito Santo, feito pelo jornal Cachoeirano, de Cachoeiro de Itapemirim, sobre a primeira festa do Momo no município.

Enquanto esses livros e discos que marcam a história da música do Estado ainda são de difícil acesso, “Os Sons da Memória – Uma Leitura Crítica de 40 Discos que marcaram época na Música do Espírito Santo” serve como um ponto de partida e referência para quem quer se aproximar da questão, a partir do longo estudo e escrita do autor, membro da Academia Espírito-santense de Letras, que repercute em 460 páginas textos e imagens sobre protagonistas de nossa cena musical ao longo das décadas.

O lançamento acontecerá de forma híbrida, com vagas limitadas e protocolos sanitários no Auditório do Titanic, no Centro de Vila Velha, onde haverá apresentação da obra pelo autor e participação musical de Carlos Bona e Elaine Vieira, e transmissão ao vivo pelo YouTube da Editora Cândida.

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