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Gregório de Matos Guerra e a revisão crítica

Gregório de Matos Guerra é um poeta que começou a ser analisado através da polêmica, o que é uma crítica lamentável do que se quer como análise ou crítica literária séria ou madura, pois o termo polêmico é usual na boca de inscientes que nunca souberam que o senso crítico de um poeta ou artista não são exatamente sinal de polêmica, mas de inteligência na sua forma angulosa, feita para o combate.

O poeta nasceu e cresceu em família abastada, o que lhe deu condições de estudar e ter um diploma, algo bem distinto e um privilégio no cenário social que cercava o poeta no século XVII. E a crítica bisonha que erigiu a imagem do poeta polêmico durou pelo menos três séculos.

E o desastre da crítica se consolidou entre dois extremos da burrice: a imagem que colocava o poeta como imoral ou a da imagem idealizada de um gênio inigualável na poesia brasileira. A leitura anacrônica vendendo um poeta dissipado consumou esta insciência tendenciosa em que a polêmica toma o lugar das letras, o que nunca foi verdade.

Nas últimas décadas temos uma correção feliz de rumo sobre o que se entende da pessoa e do poeta Gregório, pois a caricatura perde lugar e ganhamos um poeta que tinha rigor em obedecer as normas vigentes da produção poética e literária de seu tempo. A dimensão que tomou a poesia de Gregório sempre foi em sentido de unir a vida e a obra numa unidade rígida, isto é, o poeta vivido era reflexo direto do poeta escrito.

E temos aqui claro que a produção poética do século XVII tinha uma característica coletiva, pois as obras eram produzidas coletivamente, o que coloca Gregório em parceria provável com vários escritores de seu tempo. O extremo da categoria gênio, tão mal utilizada em todos os tempos e hoje tão banalizada que leva ao constrangimento, o poeta Gregório também foi vítima deste tipo de romantização e mistificação, temos então que tal categoria de gênio se tornou uma expressão preguiçosa e temerária.

Por sua vez, há uma divisão em que o fenômeno de plágio dos poetas espanhóis por Gregório é negada, pois o poeta seguia padrões de composição coletivamente organizados, uma vez que tal associação com poetas de outras vertentes ou nacionalidades seria uma concepção talvez insuficiente para a crítica renovada produzida em relação ao poeta, devido ao que se sabe hoje que a sátira, por exemplo, tem um caráter público, mas que mantém uma composição de engenho, pois ser poesia agradável não isenta a responsabilidade poética de ser relevante, daí que o caráter público não é gratuito, mas dentro das regras que se davam entre os poetas da daquele século XVII em que vivia Gregório.

O caráter coletivo que inunda a poesia de Gregório tem sua consolidação na obra de João Adolfo Hansen, este que se estendeu na exploração do material do poeta em arquivos físicos diversos, e o cruzamento destas informações revela uma linha de ambientes e gêneros poéticos, o que revela um modo poético próprio que havia no contexto social e literário em que viveu o poeta, e tal é o caráter coletivo de tal produção que o próprio poeta se evanesce e sua materialidade é apenas um nome, fonte que é originária na organização de arquivos que formam o códice de James Amado.

No século XVII temos então a produção coletiva de poesia baseada em disputas que eram feitas pela elite colonial, as reuniões eram intensas e os versejadores participavam de torneios que passavam por temas e nomes dos mais diversos. Não havia muita preocupação com a autoria dos versos, pois muito do que se produzia se escrevia à mão e de memória, e a circulação e divulgação deste material ia por meio de folhas volantes que alcançavam leitores muito além do círculo da elite colonial.

POEMAS

TORNA O POETA A INSTAR SEGUNDA VEZ. : O poeta insta a colocar seu amor esbelto numa flor, e ele, bem ladino, faz a corte, no que vem : “Bela Floralva, se Amor/me fizera abelha/um dia,/todo esse dia estaria/picado na vossa flor :”. E segue : “Se eu fora a vosso vergel,/e na vossa flor picara,/um favo de mel formara/mais doce, que o mesmo mel :/mas como vós sois cruel,/e de natural castiço/deixais entrar no caniço/um Zangano comedor,/que vos rouba o mel, e a flor,/e a mim o vosso cortiço.”. E o poeta, bem medido em ironia, tem um jogo de rima, cai mel e vê sua amada cruel, coloca a coda como um toque final de queixa suave.

A MESMA CUSTODIA MOSTRA A DIFFERENÇA QUE HÁ ENTRE AMAR, E QUERER. : O poeta aqui usa seu engenho para fazer a distinção entre querer e amar, numa tentativa de definir tais faculdades como um contraste, no que vem : “Sabei, Custódia, que Amor/inda que tirano, é rei,/faz leis, e não guarda lei,/qual soberano Senhor.”. E o poeta se atrai, em direção ao seu anelo, no que tem : “Que vossa boca tão bela/tanto a amar-vos me provoca,”. E o amor aqui ganha uma certa languidez própria do apaixonado que canta : “Dera-vos pouco cuidado/então ser eu vosso assim,/e anda hoje para mim/vós, e o mundo concertado./Mas eu amo sem confiança/nos prêmios do pertendente,/amo-vos tão puramente,/que nem peco na esperança./Beleza, e graciosidade/rendem à força maior,/mas eu se vos tenho amor,/tenho amor, e não vontade.”. Pois, agora, o poeta força a sua distinção, tentando se convencer de sua correção, de que ama mais do que quer, o que julgo indiscernível, mas o poeta quer seus escaninhos, no que vem : “Amar, e querer, Custódia;/soam quase o mesmo fim,” (…) “Quem diz, que quer, vai mostrando,/que tem ao prêmio ambição,/e finge uma adoração/um sacrilégio ocultando.” (…) “Quão generoso parece/o contrário amor : pois quando/está o rigor suportando,/nem penas crê, que merece./Amar o belo é ação/que toca ao conhecimento/ame-se co entendimento,/sem outra humana paixão.”. Seu esforço conceitual é comovente, e o poema defende sua tese até o fim, no que vem : “Amor ama, amor padece/sem prêmio algum pertender,/e anelando a merecer/não lhe lembra, o que merece./Custódia, se eu considero,/que o querer é desejar,/e amor é perfeito amar,/eu vos amo, e não vos quero./Porém já vou acabando,/por nada ficar de fora/digo, que quem vos adora,/vos pode estar desejando.”. O poema se encerra neste anelo que se julga próprio do amor, e é.

FINGINDO O POETA QUE ACODE PELAS HONRAS DA CIDADE, ENTRA A FAZER JUSTIÇA EM SEUS MORADORES, SIGNALANDOLHES OS VÍCIOS, EM QUE ALGUNS DELLES SE DEPRAVAVÃO. : O poema faz estribilho com a justiça de El-Rei, e seus versos são uma pancada, no que vem : “Uma cidade tão nobre,/uma gente tão honrada/veja-se um dia louvada/desde o mais rico ao mais pobre :/Cada pessoa o seu cobre,/mas se o diabo me atiça,/que indo a fazer-lhe justiça,/algum saia a justiçar,/não me poderão negar,/que por direito, e por Lei/esta é a justiça, que manda El-Rei.”. O poema cumpre sua ironia e sarcasmo rascantes, Gregório não economiza aqui veneno e inoculação, e deprava até a donzela, no que vem : “A Donzela embiocada/mal trajada, e mal comida,/antes quer na sua vida/ter saia, que ser honrada :/à pública amancebada/por manter a negra honrinha,/e se lho sabe a vizinha,/e lho ouve a clerezia/dão com ela na enxovia,/e paga a pena da lei :/ esta é a justiça, que manda El-Rei./A casada com adorno,/E o Marido mal vestido,/Crede, que este mal Marido/penteia monho de corno :/se disser pelo contorno,/que se sofre a Fr. Tomás,/por manter a honra o faz,/esperai pela pancada,/que com carocha pintada/de Angola há de ser Visrei :/esta é a justiça, que manda El-Rei.”. E o poeta-carrasco continua seu périplo, e o poema ganha tônus crítico avassalador, em que a honra é destituída por mandriões e cambalachos, no que vem : “O Clérigo julgador,/que as causas julga sem pejo,/não reparando, que eu vejo,/que erra a Lei, e erra o Doutor :/quando veem de Monsenhor/a Sentença Revogada/por saber, que foi comprada/pelo jimbo, ou pelo abraço,/responde o Juiz madraço,/minha honra é minha Lei :/esta é a justiça, que manda El-Rei.”. O poema então faz a sua sátira final, e o golpe é dado, a hipocrisia religiosa, aqui de medíocres tartufos, na verdade aqui em puteiros, fora da órbita com suas pulsões, revela a decadência, e o poema dá a marretada, no que vem : “Se virdes um Dom Abade/sobre o púlpito cioso,/não lhe chameis Religioso,/chamai-lhe embora de Frade :/e se o tal Paternidade/rouba as rendas do Convento/para acudir ao sustento/da puta, como da peita,/com que livra da suspeita/do Geral, do Viso-Rei :/esta é a justiça, que manda El-Rei.”. E o estribilho em coda aqui cumpre o protocolo de que o poeta se serve para fazer seu intento crítico e mordaz.

TORNA A DEFINIR O POETA OS MAOS MODOS DE OBRAR NA GOVERNANÇA DA BAHIA, PRINCIPALMENTE NAQUELA UNIVERSAL FOME, QUE PADECIA A CIDADE. : O poema, bem esquemático, e nas minhas palavras burocrático, tem uma estrutura rija, e repete tudo com o rigor chato que este poema pretende ter, no que vem : “Que falta nesta cidade? ……… Verdade/Que mais por sua desonra ……. Honra/Falta mais que se lhe ponha ……… Vergonha./O demo a viver se exponha,/por mais que a fama a exalta,/numa cidade, onde falta/Verdade, Honra, Vergonha./Quem a pôs neste socrócio? ……….. Negócio/Quem causa tal perdição? ……….. Ambição/E o maior desta loucura? …………. Usura./Notável desaventura/de um povo néscio, e sandeu,/que não sabe, que o perdeu/Negócio, Ambição, Usura.”. O esquema aqui se repete ad nauseam, pior do que estribilho mal comportado, e o poema ganha proporção de letra estudada e não espontânea, no que vem : “E que justiça a resguarda? …………… Bastarda/É grátis distribuída? ……………………….. Vendida/Quem tem, que a todos assusta? …….. Injusta./Valha-nos Deus, o que custa,/o que El-Rei nos dá de graça,/que anda a justiça na praça/Bastarda, Vendida, Injusta./Que vai pela clerezia? ………………. Simonia/E pelos membros da Igreja? ………….. Inveja/Cuidei, que mais se lhe punha? ……… Unha./Sazonada caramunha!/enfim que na Santa Sé/o que se pratica, é/Simonia, Inveja, Unha.” . Mais uma vez o poeta se salva na crítica clerical, mas o esquema continua, e fere os ouvidos de maneira tosca, num jogo de rima que se acode ao fim de estrofes que terminam como matracas, desagradável, pois : “A Câmara não acode? …………. Não pode/Pois não tem todo o poder? …….. Não quer/É que governo a convence? ………. Não vence./Quem haverá que tal pense,/que uma Câmara tão nobre/por ver-se mísera, e pobre/Não pode, não quer, não vence.”. O poema é todo esquemático, nada natural, mas ainda se detém em certo senso crítico, talvez o que lhe salva.

POEMAS 

TORNA O POETA A INSTAR SEGUNDA VEZ

Bela Floralva, se Amor

me fizera abelha um dia,

todo esse dia estaria

picado na vossa flor :

e quando o vosso rigor

quisestes dar-me de mão

por guardar a flor, então

tão abelhudo eu andara,

que em vós logo me vingara

com vos meter o ferrão.

 

Se eu fora a vosso vergel,

e na vossa flor picara,

um favo de mel formara

mais doce, que o mesmo mel :

mas como vós sois cruel,

e de natural castiço

deixais entrar no caniço

um Zangano comedor,

que vos rouba o mel, e a flor,

e a mim o vosso cortiço.

 

A MESMA CUSTODIA MOSTRA A DIFFERENÇA QUE HÁ ENTRE AMAR, E QUERER.

Sabei, Custódia, que Amor

inda que tirano, é rei,

faz leis, e não guarda lei,

qual soberano Senhor.

 

E assim eu quando vos peço,

que talvez vos chego a olhar,

as leis não posso guardar,

que temos de parentesco :

 

Que vossa boca tão bela

tanto a amar-vos me provoca,

que por lembrar-me da boca,

me esqueço da parentela.

 

Mormente considerada

vossa consciência algum dia,

que nenhum caso faria

de ser filha, ou enteada.

Dera-vos pouco cuidado

então ser eu vosso assim,

e anda hoje para mim

vós, e o mundo concertado.

 

Mas eu amo sem confiança

nos prêmios do pertendente,

amo-vos tão puramente,

que nem peco na esperança.

 

Beleza, e graciosidade

rendem à força maior,

mas eu se vos tenho amor,

tenho amor, e não vontade.

 

Como nada disso ignoro,

quisera, pois vos venero,

que entendais, que vos não quero,

e saibais, que vos adoro.

 

Amar, e querer, Custódia;

soam quase o mesmo fim,

mas diferem quanto a mim,

e quanto à minha paródia.

 

O querer é desejar,

a palavra o está expressando :

quem diz quer, está mostrando

a cobiça de alcançar.

 

Vi, e quis, segue-se logo,

que o meu coração aspira

o lograr o bem, que vira,

dando à pena um desafogo.

 

Quem diz, que quer, vai mostrando,

que tem ao prêmio ambição,

e finge uma adoração

um sacrilégio ocultando.

 

Vil afeto, que ao intento

foge com néscia confiança,

pois guia para a esperança

os passos do rendimento.

 

Quão generoso parece

o contrário amor : pois quando

está o rigor suportando,

nem penas crê, que merece.

 

Amar o belo é ação

que toca ao conhecimento

ame-se co entendimento,

sem outra humana paixão.

 

Quem à perfeição atento

adora por perfeição

faz, que a sua inclinação

passe por entendimento.

 

Amor generoso tem

o amor por alvo melhor

sem cobiça, ao que é favor,

sem temor, ao que é desdém.

 

Amor ama, amor padece

sem prêmio algum pertender,

e anelando a merecer

não lhe lembra, o que merece.

 

Custódia, se eu considero,

que o querer é desejar,

e amor é perfeito amar,

eu vos amo, e não vos quero.

 

Porém já vou acabando,

por nada ficar de fora

digo, que quem vos adora,

vos pode estar desejando.

 

FINGINDO O POETA QUE ACODE PELAS HONRAS DA CIDADE, ENTRA A FAZER JUSTIÇA EM SEUS MORADORES, SIGNALANDOLHES OS VÍCIOS, EM QUE ALGUNS DELLES SE DEPRAVAVÃO.

Uma cidade tão nobre,

uma gente tão honrada

veja-se um dia louvada

desde o mais rico ao mais pobre :

Cada pessoa o seu cobre,

mas se o diabo me atiça,

que indo a fazer-lhe justiça,

algum saia a justiçar,

não me poderão negar,

que por direito, e por Lei

esta é a justiça, que manda El-Rei.

 

O Fidalgo de solar

se dá por envergonhado

de um tostão pedir prestado

para o ventre sustentar :

diz, que antes o quer furtar

por manter a negra honra,

que passar pela desonra,

de que lhe neguem talvez;

mas se o virdes nas galés

com honras de Vice-Rei,

esta é a justiça, que manda El-Rei.

 

A Donzela embiocada

mal trajada, e mal comida,

antes quer na sua vida

ter saia, que ser honrada :

à pública amancebada

por manter a negra honrinha,

e se lho sabe a vizinha,

e lho ouve a clerezia

dão com ela na enxovia,

e paga a pena da lei :

 esta é a justiça, que manda El-Rei.

 

A casada com adorno,

E o Marido mal vestido,

Crede, que este mal Marido

penteia monho de corno :

se disser pelo contorno,

que se sofre a Fr. Tomás,

por manter a honra o faz,

esperai pela pancada,

que com carocha pintada

de Angola há de ser Visrei :

esta é a justiça, que manda El-Rei.

 

Os Letrados Peralvilhos

citando o mesmo Doutor

a fazer de Réu, o Autor

comem de ambos os carrilhos :

 se se diz pelos corrilhos

sua prevaricação,

a desculpa, que lhe dão,

é a honra de seus parentes

e entonces os requerentes,

fogem desta infame grei :

esta é a justiça, que manda El-Rei.

 

O Clérigo julgador,

que as causas julga sem pejo,

não reparando, que eu vejo,

que erra a Lei, e erra o Doutor :

quando veem de Monsenhor

a Sentença Revogada

por saber, que foi comprada

pelo jimbo, ou pelo abraço,

responde o Juiz madraço,

minha honra é minha Lei :

esta é a justiça, que manda El-Rei.

 

O Mercador avarento,

quando a sua compra estende,

no que compra, e no que vende,

tira duzentos por cento :

não é ele tão jumento,

que não saiba, que em Lisboa

se lhe há de dar na gamboa;

mas comido já o dinheiro

diz, que a honra está primeiro,

e que honrado a toda Lei :

esta é a justiça, que manda El-Rei.

 

A Viúva autorizada,

que não possui um vintém,

porque o Marido de bem

deixou a casa empenhada :

ali vai a fradalhada,

qual formiga em correição,

dizendo, que à casa vão

manter a honra da casa,

se a virdes arder em brasa,

que ardeu a honra entendei :

esta é a justiça, que manda El-Rei.

 

O Adônis da manhã,

O Cupido em todo o dia,

que anda correndo a Coxia

com recadinhos da Irmã :

e se lhe cortam a lã,

diz, que anda naquele andar

por a honra conservar

bem tratado, e bem vestido,

eu o verei tão despido,

que até as costas lhe verei :

esta é a justiça, que manda El-Rei.

 

Se virdes um Dom Abade

sobre o púlpito cioso,

não lhe chameis Religioso,

chamai-lhe embora de Frade :

e se o tal Paternidade

rouba as rendas do Convento

para acudir ao sustento

da puta, como da peita,

com que livra da suspeita

do Geral, do Viso-Rei :

esta é a justiça, que manda El-Rei.

 

TORNA A DEFINIR O POETA OS MAOS MODOS DE OBRAR NA GOVERNANÇA DA BAHIA, PRINCIPALMENTE NAQUELA UNIVERSAL FOME, QUE PADECIA A CIDADE.

1 Que falta neta cidade? ……… Verdade

Que mais por sua desonra ……. Honra

Falta mais que se lhe ponha ……… Vergonha.

 

O demo a viver se exponha,

por mais que a fama a exalta,

numa cidade, onde falta

Verdade, Honra, Vergonha.

 

2 Quem a pôs neste socrócio? ……….. Negócio

Quem causa tal perdição? ……….. Ambição

E o maior desta loucura? …………. Usura.

 

Notável desaventura

de um povo néscio, e sandeu,

que não sabe, que o perdeu

Negócio, Ambição, Usura.

 

3 Quais são os seus doces objetos? …….. Pretos

Tem outros bens mais maciços? …………… Mestiços

Quais destes lhe são mais gratos? …………. Mulatos.

 

Dou ao demo os insensatos,

dou ao demo a gente asnal,

que estima por cabedal

Pretos, Mestiços, Mulatos.

 

4 Quem faz os círios mesquinhos? ………….. Meirinhos

Quem faz as farinhas tardas? …………………. Guardas

Quem as tem nos aposentos? …………………. Sargentos.

 

Os círios lá vêm aos centos,

e a terra fica esfaimando,

porque os vão atravessando

Meirinhos, Guardas, Sargentos.

 

5 E que justiça a resguarda? …………… Bastarda

É grátis distribuída? ……………………….. Vendida

Quem tem, que a todos assusta? …….. Injusta.

 

Valha-nos Deus, o que custa,

o que El-Rei nos dá de graça,

que anda a justiça na praça

Bastarda, Vendida, Injusta.

 

6 Que vai pela clerezia? ………………. Simonia

E pelos membros da Igreja? ………….. Inveja

Cuidei, que mais se lhe punha? ……… Unha.

 

Sazonada caramunha!

enfim que na Santa Sé

o que se pratica, é

Simonia, Inveja, Unha.

 

7 E nos Frades há manqueiras? ……….. Freiras

Em que ocupam os serões? …………….. Sermões

Não se ocupam em disputas? ……………. Putas.

 

Com palavras dissolutas

me concluís na verdade,

que as lidas todas de um Frade

são Freiras, Sermões, e Putas.

 

8 O açúcar já se acabou? …………….. Baixou

E o dinheiro se extinguiu? ……………. Subiu

Logo já convalesceu? …………………… Morreu.

 

À Bahia aconteceu

o que a um doente acontece,

cai na cama, o mal lhe cresce,

Baixou, Subiu, e Morreu.

 

9 A Câmara não acode? …………. Não pode

Pois não tem todo o poder? …….. Não quer

É que governo a convence? ………. Não vence.

 

Quem haverá que tal pense,

que uma Câmara tão nobre

por ver-se mísera, e pobre

Não pode, não quer, não vence.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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