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​Inscrições abertas para Formação em Benzimento Tecnologias Ancestrais

Formação é aberta para homens e mulheres, e será feita em Vila Velha e Domingos Martins

A prática do benzimento pode ser fortalecida por meio da Formação em Benzimento Tecnologias Ancestrais, que está com inscrições abertas. A iniciativa, idealizada pela jovem benzedeira Yasmin Ferreira, a Veia do Patuá, de apenas 26 anos, busca engajar a juventude na arte do benzer como forma de manter viva essa tradição. Serão quatro módulos, aos sábados, das 9h às 13h, que acontecerão no Espaço Ayahuasca Vila Velha, no Centro de Vila Velha, exceto o último, que será em uma cachoeira em Domingos Martins, na região serrana do Estado. 

A formação tem apoio do Práticas Integrativas e Complementares (PICS Ufes), um grupo de pesquisa interprofissional que se dedica ao estudo dessas práticas, é aberta para homens e mulheres, e começa no dia 27 de agosto. Os demais módulos serão nos dias 3, 10 e 17 de setembro. O primeiro, no qual Veia do Patuá falará sobre a “semente do benzimento”, começa na lua nova, que tem a ver com expansão, “o despertar interno”. “Vai ser a abertura para o plano espiritual, apresentação do que é o benzimento, e o propósito dessa prática na Terra”, diz.

O segundo, na lua crescente, tratará do “caminhar da benzedeira”, do seu cotidiano, como os tipos de ferramenta e de rezas que ela utiliza.

Leonardo Sá

Na lua cheia, relacionada ao campo emocional, acontecerá o terceiro módulo. Nele, será discutido como lidar com as energias. “Um processo de mergulho interno para autoconhecimento e auxiliar no próprio benzimento e no do próximo”, explica Yasmin. Ela destaca que nesse módulo serão trabalhadas as plantas medicinais, a africção para tirar o sumo das ervas na água.

O último módulo, na lua minguante, trabalhará “a missão e os dons do bendizer”. Será uma espécie de batismo em uma cachoeira de Domingos Martins.

Veia do Patuá afirma que a formação será “o início, o despertar da consciência da benzedeira”. A ideia é que, caso as pessoas queiram, possam já dar início à prática. As pessoas que participarem da formação serão inseridas em um grupo no Telegram e, “quem se sentir chamado”, pode também participar de vivências de benzimento com a supervisão dela, nos espaços em que a jovem já benze.

Mapeamento
Veia do Patuá, junto com Ione Duarte, pesquisadora de plantas alimentícias tradicionais e integrante da Rede Urbana Capixaba de Agroecologia (Ruca), realiza um mapeamento das benzedeiras do Espírito Santo. Para auxiliá-las nessa tarefa, baste preencher um formulário, registrando o maior número de informações possíveis sobre a benzedeira que a pessoa conhece. O mapeamento é o ponto de partida para a criação de uma rede de benzedeiras.
“Isso surgiu da necessidade de manter os saberes. Somos mulheres pretas, muitos dos saberes dos nossos mais velhos passam pela oralidade e vão morrendo, inclusive, vários dos nossos mais velhos faleceram de Covid-19. Queremos promover a comunhão, a concretização de uma rede”, diz Ione.

Ela informa que redes semelhantes a que ela e Veia do Patuá querem criar já existem em estados como Minas Gerais e Florianópolis. “Temos necessidade de saber quem as benzedeiras são, quantas, o que podemos desenvolver em conjunto”, afirma.

O mapeamento será feito de forma contínua, não tendo prazo para ser finalizado. Quando já tiver uma quantidade considerada relevante, o próximo passo será entrar em contato com as benzedeiras que foram mapeadas.

Entretanto, para dar início a esse contato, será necessário auxílio financeiro. Algumas das alternativas destacadas por Veia do Patuá são a possibilidade de criação de um financiamento coletivo, de elaboração de projeto para edital, e de contar com o suporte de pessoas que queiram auxiliar nessa tarefa, por exemplo, disponibilizando automóvel para as viagens a serem feitas, já que a ideia é contatar benzedeiras de todo o Espírito Santo.
“Através do mapeamento, conseguiremos saber quais os custos e iremos ligar para as benzedeiras cadastradas para saber se têm interesse em receber a gente. Com certeza, teremos que visitá-las mais de uma vez para poder criar laços”, diz Veia do Patuá. Ela destaca que, antigamente, as benzedeiras conheciam umas às outras, mas hoje “está cada uma no seu canto”. “Há preconceito, racismo. A maioria delas é negra, de comunidades, são tachadas de feiticeiras, macumbeiras, por causa disso muitas nem se dizem mais benzedeiras”, lamenta.
O mapeamento, conforme proposto por Ione e Veia do Patuá, irá culminar não somente na criação de uma rede, mas também na realização de um Encontro Estadual das Benzedeiras do Espírito Santo, “um resgate afetivo, escuta afetiva e o poder da oralidade”.

Outras ideias são a elaboração de um documentário sobre as benzedeiras do Espírito Santo e a publicação de um livro sobre o mesmo tema. “O benzimento é uma prática muito ancestral e muito sagrada. Queremos conhecer a história dessas mulheres, fazer com que sejam reconhecidas”, ressalta Veia do Patuá.

Perpetuar a tradição
Outro mapeamento é feito por um grupo de mulheres que não querem deixar o benzimento morrer no Espírito Santo. Elas têm realizado encontros mensais, nos quais relatam suas experiências na convivência com benzedeiras e também na atuação dessa atividade, já que o grupo é aberto a quem já se dedica ao benzimento. A ideia é que o mapeamento seja feito inicialmente na Grande Vitória, para que esse coletivo recém-criado aumente e seja possível traçar ações conjuntas de despertar desse dom.
Arquivo Pessoal

A aposentada e pesquisadora em desenvolvimento humano e processos educacionais, Helena Rosa de Oliveira, que teve a iniciativa de criar o grupo, afirma que a ciência é fundamental, mas não precisa atuar sozinha. Para ela, quando se trata das energias, se enxerga o ser humano de maneira integral.

“Por isso queremos resgatar o benzer, as curas, rezas, imposição de mãos. Articular esses saberes, ver onde estão, descobrindo a força do benzo e ajudando pessoas que estão doentes de forma geral, não somente fisicamente. Estamos em uma situação de pandemia, degradação governamental, empobrecimento, fome, de um desgoverno que inverte a ordem do bem viver. A população adoece, fica com o coração sofrido, está faltando generosidade e fraternidade nas relações humanas”, enfatiza.

Helena Rosa criou o grupo pensando “no que há de mais simples, de mais humano, de mais chão, no resgate da troca, de gente que benze com amor, que reproduz a doação que herdou dos ancestrais”. Trata-se, ainda, de uma forma de “harmonização com o seu ambiente, a sua casa, a casa comum, que é a Terra. Não estamos falando de doutrina, de religiões”, pontua.

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