Influenciado pela MPB e tropicalismo, músico mineiro radicado na Barra do Jucu lança disco ‘Encontro dos Rios’
“As coisas demoram anos para acontecer de repente”, afirma João Bernardo de sua casa na Barra do Jucu, em Vila Velha. A frase do cantor e compositor mineiro, que viveu quase duas décadas no Rio de Janeiro até se fixar no Espírito Santo, diz muito sobre as confluências que permitiram chegar a seu novo disco que acaba de entrar nas redes. Encontro dos Rios.
Em meio a tempos de caos, um álbum que surgiu com leve e certa naturalidade, como o fluir dos rios que se encontram na direção ao mar. Influenciado pela MPB e tropicalismo, seu disco foi gravado no estúdio de Gilberto Gil e lançado pela Dubas Música, selo de Ronaldo Bastos, produtor do Clube da Esquina, duas de suas mais importantes influências musicais.
De um menino belorizontino que compôs sua primeira canção aos 11 anos e sonhou em ser como Chico Buarque ou em virar pop star, ficou o homem sereno como o da capa do disco, que caminha rumo ao mar, no registro do desenhista André Dahmer, conhecido pelas tirinhas Os Malvados, de humor e crítica social afiados.
É também de André Dahmer a autoria da letra da música que dá nome ao disco, musicalizada e complementada por João Bernardo. A canção conta com participação da cantora Mãeana, que também canta em Longe daqui (É perto de outro lugar).
Além de várias parcerias nas composições, o time que acompanha João Bernardo nos instrumentos é formado por Bem Gil (guitarra e flauta), Bruno de Lullo (baixo, vioão e synthis) e Domenico Lancelotti (bateria, percussão e synthis). O cantor destaca a leveza do processo de produção do álbum. “Me propus que fosse de um jeito diferente, então chamei pessoas que pudessem trabalhar da forma que estava querendo”, diz. Buscou instrumentistas entrosados e que prezavam não só pela técnica, mas também com uma sensibilidade aguçada.
Chegou ao estúdios com cerca de 50 composições, das quais “peneiraram” até sobrarem as nove que compõem Encontro dos rios. “Eu chegava no estúdio para gravar e ninguém sabia o que ia ser, ninguém ensaiou. E a coisa foi-se dando sem dramas nem traumas em hora nenhuma, diferente de outras vezes”.
O espírito tropicalista se dá em termos musicais e também na forma de encarar as situações. “O negócio é o que você faz com as coisas que te atravessam”. Se refere às diversas influências que lhe chegam por um ouvido eclético. Ensaia um afrossamba em Puxadinho e até um fado português em Nosso fado. Como sugere o nome, um fado à brasileira.
“Trago samba e fado, mas desconstruídos, é um aspecto da música contemporânea, da MPB como música universal brasileira”, diz situando-se em meio ao turbilhão informativo e comunicativo dos tempos de hoje. “Ficar amigo do algoritmo é legal”, brinca sobre a curiosa nova reconfiguração no mundo da cultura, que desafia todos artistas na divulgação de seu trabalho.
Uma marca do trabalho de João Bernardo é o jogo com a língua e as palavras, gerando trocadilhos e combinações que provocam um agradável ou desconcertante humor. Nessa linha ele até ensaia um nome para um próximo álbum: “Eu tenho uma reputação a lesar”.
Para um artista, publicar uma obra que custou um longo tempo de trabalho é também uma libertação. “A minha sensação é de alívio, foi uma gestação de elefante, levou dois anos. Estou muito satisfeito com o resultado, e a cabeça não para, pensando no que fazer daqui pra frente”.
A decisão de lançar o disco em plena época de pandemia e isolamento social não foi fácil. Apesar do inesperado problema, ele decidiu seguir com o planejado. “Quando o coronavírus apareceu no horizonte, eu não tinha força nem vontade de desligar a máquina”, disse sobre o processo de lançamento que já caminhava para sua culminação. Conseguiu superar um sentimento de culpa por sentir algo feliz num momento tão triste. “Estou fazendo o que sei e o que posso fazer. Na quarentena muitas pessoas estão se dando conta de como os artistas são importantes e espero dar alguma contribuição para diminuir a noite escura que estamos atravessando.
“Esse caminho de compor sempre fez muito sentido pra mim e me salvou da tristeza e da depressão”. É essa serenidade que João Bernardo busca entregar ao ouvinte. “Meu coração aguenta sofrer as maiores alegrias”, diz a letra de Sertão.
Não com precisão, mas com sensibilidade. “As entrelinhas que são interessantes, aquele espaço entre o que você disse e o que a pessoa pode entender com o que ela pensa e sente”.