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terça-feira, setembro 10, 2024

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Ilustradora capixaba conquista prêmios e clientes pelo mundo

Conheça a trajetória de Amanda Lobos, que aos 25 anos já fez trabalhos para Google, McDonalds e Adidas

Google, McDonalds, Adidas, Hersheys, Ambev, Lollapalooza, YouTube, Snapchat, Brastemp, Apple Music, LinkTree. O que têm em comum essas grandes empresas? Todas já contrataram o trabalho da ilustradora e designer capixaba Amanda Lobos, de 25 anos, que vem conquistando prêmios e reconhecimentos internacionais em sua área.

Ela respondeu ao Século Diário logo após retornar de um curso no Instituto Europeu de Design em Barcelona (Espanha), para o qual ganhou uma bolsa após vencer o LAD Young Talent, premiação para a nova geração do design latino-americano que conquistou no ano passado no Peru.

Mas o que faz de seu trabalho ser tão reconhecido?, pergunto. “Eu acho que as cores são o maior chamativo, porque antes mesmo de ter uma ‘identidade’ minha, já gostavam e identificavam meu estilo de composição e paletas antes de eu entender que isso era uma característica forte assim”, responde a ilustradora.

Arte: Amanda Lobos

Ela explica que foi uma construção de anos até ter um estilo próprio e isso ser identificável. “Mas as coisas que eu gosto de desenhar e incluir em projetos acabam sendo do meu dia a dia ou de uma fuga da realidade, um bicho, uma semipessoa de quatro olhos, seres fazendo biquinho, estampas, maximalismo, acho que isso atrai as pessoas pelo mesmo motivo do qual eu me atraio por referências assim: é gostoso de ver e divertido de descobrir formas, detalhes, seres. Não necessariamente trato do assunto mais sério do mundo, mas a arte é feita para entreter, divertir, despertar curiosidade, dançar, rir, etc.. Fujo da literalidade e realismo, e os significados pessoais eu proponho, mas cada um tem sua leitura”, explica a jovem.

Seu processo criativo começa com alguns rascunhos para tirar as primeiras ideias da cabeça. Anota e desenha o que vier para revisitá-las depois. Do papel vai para a etapa de pesquisa teórica e visual, a maioria dela pela internet e nem sempre de forma intencional. “Quando estou no Instagram num domingo à noite posso ter um estalo de uma solução de um projeto que eu comecei há duas semanas”, cita como exemplo.

Depois de ter um acervo de pesquisa direcionado a um cliente específico, volta para os rascunhos até chegar em uma estrutura em que se sinta confortável para enviar para aprovação e seguir com a finalização, cores, e etc.

No caso de projetos próprios que realiza, é quase a mesma coisa, diz, porém sem a mesma amarra de prazos e briefings (documento que reúne as ideias e necessidades dos clientes). “Tenho um grande acervo de referências e a partir dali e de anotações de ideias vou desenvolvendo rascunhos e guardando, até um belo dia resolver desengavetar algum por um milagre”, brinca. Recortes e resultados de suas artes, trabalhos e carreira ela costuma postar no Instagram, que atende pelo irônico endereço @maisdeumlobo, o nome artístico com que costuma assinar suas obras.

Criaturas e criadora: ilustradora feliz com as garrafas térmicas Termolar com sua arte. Foto: Acervo Pessoal

“Minha maior dica sempre será postar tudo e se manter disponível e online. Infelizmente, hoje, grande parte do trabalho é garantido estando presente digitalmente e expondo seus projetos, pessoais ou comerciais, e gostos”. Ela também mantém páginas no Linkedin e Behance, mas mantém discrição sobre sua vida pessoal nas redes profissionais. Nestas acredita ser fundamental manter o portfólio atualizado, postar processos, pesquisar muito, criar fora da sua área de conforto e se divertir nisso. “Os potenciais clientes, amigos e pessoas interessadas no seu trabalho vão chegar pelas plataformas digitais mesmo e vão acompanhar sua evolução”, analisa a ilustradora e designer.

Nesse seu processo de crescimento profissional, Amanda diz que também foi construindo contatos e amizades com algumas de suas principais referências em ilustração em design, especialmente artistas pretos que acompanhava pelo Instagram. “Sonhava em ser um terço do que eles são. Hoje em dia comentam nas minhas coisas, é muito bonito ver que pessoas que são parte dessa indústria maluca também admiram seu trabalho e têm os mesmos medos, problemas, receios, e cuidam um do outro”, reflete.

Também acompanha amizades mais próximas territorialmente, que faz questão de citar com suas arrobas que servem de cartão de visitas na sociedade do hiperlink: @aboutsk, que é artista, fotógrafa e customiza roupas; @pabluxu, produtor cultural, artista e fotógrafo; @vivavilar, artista multidisciplinar; @mathmoreiran, artista visual e DJ; e @alicesaqueiroz, designer. Também manifesta “gigante admiração” por @lebassis, @mulambeta, @dasclucas, @giuliafagundes, @ivvanojosebrabo, dentro de uma lista em que poderia citar muitos outros de uma nova geração de artistas.

Novo momento profissional

Apesar de ainda jovem, agora, ela avalia, está num momento da carreira em que pode criar coisas do jeito que gosta e os clientes buscam justamente essa identidade criativa característica dela, não esperando que apenas replique algo que já existe.

Trabalha especialmente como freelancer para uma clientela diversificada. Como integrante da Geração Z, nativa digital, afeita à diversidade e mais habituada a “jobs” do que a empregos, ela diz curtir a gama de possibilidades que sua carreira vem tendo. “O legal de trabalhar dessa forma é sempre ser surpreendida com novos convites e novas formas de ver uma criação minha, seja digital, em mural em outro estado, bicho inflável de 9 metros, telinha do Google, garrafa térmica, me divirto muito no processo e espero sempre me sentir assim”, sonha, de olhos abertos e mãos ativas.

Um dos trabalhos que mais a surpreendeu foi um Google Doodle, uma alteração especial, temporária e comemorativa no logotipo do mais famoso buscador da internet mundial. Em seu caso, coube criar uma arte para homenagear a cantora Cássia Eller.

“Acho que a dimensão disso é imensurável até você tentar perceber quantas vezes por dia acessa o Google em uma rotina comum e quantas pessoas fazem o mesmo no Brasil todo. Foi um alcance bizarro e um convite lindo por afinidade também, sou fã da Cássia e as músicas dela fizeram parte da minha infância e adolescência. Também foi importante entendê-la como um ícone abertamente bissexual em um país conservador”.

Cartaz do festival Lollapalooza

Em termos de repercussão e visibilidade, ela cita também o fato de ter feito artes para o festival Lollapalooza, que possui uma legião de frequentadores. “As pessoas fissuradas pelo festival e por música amam colecionar o poster de edição especial de cada ano e até hoje recebo mensagens de fãs do festival ou de alguma banda do lineup querendo a arte para colecionar, guardar, imprimir, colocar na parede, gosto muito dessa relação do poster de evento musical e a representação dele naquela memória afetiva”

Mais recentemente, Amanda Lobos também teve oportunidade de transitar com sua arte para outras linguagens. Convidada para participar da Festa da Luz em Belo Horizonte neste ano de 2024, criou um arte inflável gigante e iluminada (o tal “bicho inflável de 9 metros” mencionado anteriormente) que ficou no topo do Edifício Central, visível e destacado para quem passava pelo Centro da capital mineira. “Foi uma oportunidade de trazer minha arte em volume e escala de uma forma que eu nunca pensei ser possível, foi muito maluco ver uma coisa criada por mim em cima de um prédio sendo sobrevoado por drones!”, lembra a artista.

Instalação “Ventura”, de Amanda Lobos, em Belo Horizonte. Foto: Rodrigo Zermiani

 Impulso na carreira

Antes de tudo isso, um trabalho que ajudou a impulsionar sua carreira foi a criação de uma embalagem para a empresa de chocolate Hersheys, para a campanha Hershe, além de ter participado de seletivas gratuitas e ser premiada pelo Fundo de Desenvolvimento de Artistas da Adobe, empresa transnacional desenvolvedora de algumas das principais ferramentas de design do mundo contemporâneo. “Pretendo criar uma representação visual de existir, criar e viver como uma artista negra e bissexual brasileira escapando da maior crise política, social e de saúde através da arte”, disse na ocasião ao site da empresa.

Seu talento desabrochava em um momento extremamente difícil para a humanidade mas curiosamente – e até contraditoriamente – de muitas oportunidades em alguns campos profissionais. “Esses dois projetos, assim como grande parte do meu crescimento de 2020 a 2022, foi durante a pandemia”, lembra.

Era um período em que, como nunca antes, empresas e trabalhadores se viram obrigados a exercer suas atividades a partir do regime de “home office”. Isso implicou também, avalia Amanda, num aumento das contratações interestaduais e internacionais, o que a ajudou a conquistar novos espaços. “Nesse período eu cresci muito profissionalmente e tive acesso a oportunidades que em um momento anterior não conseguiria, porque chamariam designers e ilustradores conhecidos, ou da mesma cidade ou de perto, que poderiam estar lá fisicamente”.

Ilustração de embalagem de chocolates ajudou a impulsionar trabalho de Amanda na pandemia. Foto: Divulgação/Hersheys

Como sabemos, depois do fim da pandemia as coisas não voltaram a ser como antes. A digitalização do trabalho continuou avançando e já com um reconhecimento conquistado, a capixaba continuou dando voos altos. Hoje atende clientes em São Paulo, na Colômbia ou na República Tcheca sem maiores dificuldades.

Isso não quer dizer que não tenha clientes locais, pelo contrário. Seu trabalho também já estampou cartazes e muros a partir do festival Movimento Cidade, fez marca para Instituto das Pretas, cartaz para evento na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), arte para o Manifesto do Orgulho LGBTQIA+ da Associação Gold e murais no Parque Botânico da Vale e na casa de shows Casa 7, entre outros.

De Vila Velha para o mundo

Amanda Lobos nasceu em Vitória. Mas apenas nasceu mesmo. Desde que saiu da maternidade foi morar em Vila Velha, onde reside até hoje. “Tenho muitas referências próximas de mim, convivo diariamente com família e amigos extremamente criativos e inspiradores e devo grande parte do meu repertório a isso! Ser rodeada de pessoas de áreas diversas, consumir diversos tipos de arte e viver confortavelmente em uma cidade linda, ver o mar, andar com meu cachorro, são parte da minha rotina e me agrega no processo criativo”, avalia.

Seu interesse pelo desenho vem desde muito pequena e sempre teve apoio da família, o que a fez pensar em estudar artes. “Mas eu não entendia como fazer uma faculdade ‘só’ de artes poderia me dar uma carreira, então entrei em Artes Plásticas na Ufes e Publicidade na Faesa e cursei simultaneamente os dois cursos por dois anos”. No Sisu, sistema unificado de seleção para acesso ao ensino superior, sua segunda opção havia sido Biologia, “por causa das ilustrações dos livros”.

Os interesses estavam evidentes e os caminhos abertos para a jovem, mas ainda faltava lapidar a trajetória. Logo, ela percebeu que gosta mais da parte “artística” da Publicidade, o que a levou além de começar a fazer trabalhos freelancer para projetos de amigos, convites de casamento e quadrinhos em nanquim. Acabou largando os dois cursos que fazia para estudar Design na Ufes, graduação que terminou em 2023, quando sua carreira já havia começado a decolar.

Curiosamente, essa trajetória daria mais uma volta, ou melhor, um novo arranjo. “Durante esse tempo fui voltando à ideia original de ser artista, me afastando do design e me aproximando da ilustração, enquanto entendia isso como uma profissão também, não necessariamente separada do design, mas interligada”, comenta.

Amanda Lobos na pintura de um mural em uma creche na Serra. Foto: Divulgação

Sobre o que vem desenvolvimento atualmente, Amanda Lobos diz ter projetos se encaminhando, mas que, infelizmente, ainda não pode contar. Embora possam durar meses, obviamente eles só aparecem quando estão finalizados, prontos para surpreender o público. O que ela pode dizer é que em setembro fará um trabalho em parceria com sua mãe, a arquiteta Angela Gomes, para a CasaCor 2024.

“Para o futuro não projeto nada em específico, espero continuar tendo oportunidades de trabalho que me permitam expressar criativamente e me divertir, o que vem adiante é sempre uma surpresa!”, diz.

Mas ela solta um desejo: fazer mais murais no seu Estado, especialmente uma “empena” – grande superfície das fachadas laterais de um edifício. “Estou aberta a convites! Adoraria ter um mural na minha cidade”. Alô, Vila Velha! Alguém tem uma empena aí em mente?

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