Professor e fotógrafo Rodrigo Rossoni e assentados de Piranema, em Fundão, fizeram fotos com latas, máquinas e celulares
O assentamento Piranema, em Fundão, é o local que deu origem ao livro Olhares Comprometidos: Fotografia e identidades no MST, de Rodrigo Rossoni. A obra registra uma pesquisa participativa de 20 anos, incluindo três momentos diferentes do assentamento e da fotografia, além de novas tecnologias, e será lançado nesta quarta-feira (17), em evento online no canal da Edufba.
Rossoni, hoje professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), visitou o local pela primeira vez em 1997, quando ainda era um acampamento com barracas de lona preta à beira da BR, com famílias lutando pela conquista de uma terra por meio da reforma agrária. Chegou ali como estudante de jornalismo e fotógrafo de um trabalho de conclusão de curso sobre infâncias em condições de privação de direitos básicos. Ali, registrou com suas lentes em imagens em preto e branco, fotos das crianças que viviam com seus pais na luta pela terra.
O trabalho, feito em parceria com outros dois colegas, teve boa repercussão, virou revista e exposições, mas levou Rodrigo Rossoni também à reflexão e inflexão. Por mais que suas fotos ajudassem a mostrar de outra maneira um movimento que geralmente aparecia na grande mídia por meio de imagens negativas, não deixa de ser um olhar externo. “Eu decidi parar de fotografar quando percebi que o trabalho que eu tinha feito não mudaria em nada a vida daquelas pessoas. Eu é quem estava em destaque, e não eles ou a causa”, diz.
O livro Olhares Comprometidos reúne fotografias registradas nesses três momentos distintos e ainda de imagens que Rodrigo Rossoni registrou da última exposição com os fotógrafos do assentamento segurando as fotografias que fizeram no passado. Junto a isso, diversas reflexões em texto feitas pelo professor em primeira pessoa, contando sobre seu processo de vivência e pesquisa junto à comunidade e das mudanças ocorridas ao longo deste tempo, numa linguagem acessível adicionada de algumas referências acadêmicas.
Se em 1997 ele registra uma situação precária de vida debaixo da lona e sem infraestruturas básicas, em 2003, quando ele passa as câmeras para as mãos e olhares das crianças assentadas, mostram em grande parte as conquistas nesse intervalo de tempo que mudaram a qualidade de vida das famílias: as casas de alvenaria, quase sempre com as famílias à frente, os automóveis e os cultivos que vão sendo implementados, com destaque para o tom terroso das imagens.
Rodrigo Rossoni considera interessante observar como a mudança tecnológica trouxe em tempo relativamente curto uma grande mudança na representação dessas pessoas, que de invisíveis ou retratados de forma negativa ou estereotipadas por outros, para uma autorrepresentação por meio de imagens, facilmente difundidas e compartilhadas com outros por meio das redes sociais. “É preciso compreender o processo de desenvolvimento, essas relações identitárias, as conquistas materiais que vão se desenvolvendo, o desejo de consumir outras coisas, os registros de festas, relacionamentos, do corpo, mostram sujeitos com identidade híbrida, em fluxo”, comenta.
Para ele, as selfies precisam ser analisadas para além da lógica do narcisismo, espetacularização ou alienação, já que é uma prática paradigmática da sociedade contemporânea e proporciona autonomia dos jovens sobre as imagens de si mesmos.
A obra pode ser adquirida pelo site Olhares Comprometidos, que inclui mais informações sobre o projeto, como a revista publicada como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em 1997, a dissertação feita por Rossoni em 2003, vídeos, um blog e diversas fotografias que não foram publicadas no livro.