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Máximo Gorki, o pequeno burguês e o operário

O EMBATE DE GORKI

Quando Máximo Gorki concluiu a sua peça “Pequenos Burgueses”, isto no fim de 1901, que foi a sua primeira incursão como autor teatral, Gorki consegue, neste ponto, estabelecer uma constante no que seria a sua obra literária e teatral, que era a reflexão sobre o tema das classes sociais. Mais especificamente, portanto, entre uma classe estável, porém esvaziada, segundo a interpretação que dará Gorki, que é traduzida no Ocidente por burguesia, mas que na Rússia soviética terá suas particularidades, sendo mais uma classe ou grupo social urbano, e o proletariado, este sendo idealizado na obra de Gorki.

Gorki muitas vezes, por ter esta visão ideal dos explorados, terá parte de sua obra ganhando um caráter esquemático, como se vê em seu romance “A mãe”. Mas, este embate se desdobrará por toda a sua obra, que é nada mais que um choque de classes que se traduzirá como a disputa entre cosmovisões antagônicas, uma representando o vício e outra a virtude, segundo a interpretação gorkiana, o que também será uma constante na visão política do marxismo, do leninismo, e no realismo soviético que surgirá na literatura e no teatro da primeira metade do século XX.

A obra de Gorki, portanto, será uma arena entre o ímpeto para a conquista de uma vida digna, de um lado, e a hipocrisia conformada da rotina, de outro. Com o texto de Gorki e sua montagem sendo palco de uma luta entre a estabilidade esvaziada  e o desejo de justiça, entre o que há de retrógrado e desumano, e um novo humanismo que terá o operário como fonte de exaltação. E, então, Gorki dará, desde os seus primeiros contos, até o seu último romance, “Vida de Klim Ságuin“, a imagem e a tradução deste embate de classes. Sendo, em suas primeiras estórias, como a imagem dos vagabundos que buscam um meio de reação a uma situação social baseada numa falsa estabilidade que, em Gorki, é denunciada como o mundo da hipocrisia, de uma sujeição aparentemente normal, constituindo na obra de Gorki como uma luta contra uma vida fundada na mediocridade e na mesquinhez.

O TRABALHO DE EXPRESSÃO EM GORKI

Gorki então se dedicou, em sua obra, em descrever e analisar, com minúcia, quais eram as forças sociais de sua época, sobretudo no contexto russo, que era uma relação de forças que se traduzia como uma luta social por um mundo melhor, com condições para a dignidade da vida. E, como dito no texto anterior, com uma visão mais geral sobre a sua obra, Gorki por vezes, neste seu ímpeto por justiça social, como autor ele não se terá, inicialmente, a faculdade da contenção expressiva, e muitas vezes vociferará contra a injustiça, num texto arrebatado, exaltado, interrompendo a fluência narrativa. E isto, por sua vez, foi motivo de uma crítica negativa, sendo depois fonte de um esforço do autor para ajustar sua linguagem, para então retomar a fluência natural da existência, deixando mais civilizado nele o homem apaixonado, e com a sua veemência aparecendo num novo contexto mais adequado para a sua realização estética no teatro e na literatura.

E aqui temos o momento no qual Gorki deixa, na sequência de sua obra, as personagens num desenvolvimento por uma linha mais inerente à índole de cada um, abstendo o autor de ataques exaltados pelo que elas eram, e na busca mais autoconsciente da compreensão destes personagens em função de um dado contexto social. Com Gorki passando a alcançar um nível melhor de realização de seu trabalho como autor. Bastando, portanto, na visão geral do que foi a sua obra, uma comparação, por exemplo, entre o esquematismo de algumas das personagens de seu romance “A mãe”, e a vida autêntica de seus vagabundos insolentes.

Neste sentido, o teatro passou a ter na obra do autor um novo tipo de disciplina, pois quando Gorki deixou as personagens falarem por si próprias, já num esforço de autodomínio, ele teve, mesmo em seu caráter panfletário, de um homem da gesticulação e do discurso apaixonado, ainda presente em algumas de suas personagens, sobretudo em seu trabalho teatral, uma forma que já não era mais a do autor de “Os veranistas” ou de “Os filhos do sol”, pois já se tratava de um autor obedecendo uma fluência narrativa natural, e não mais dos gestos abruptos. E, falando de sua habilidade de construir um indivíduo com poucos traços, centrando nisso o caráter discursivo das personagens, isto é, com elas se revelando com as suas próprias falas, que se torna então uma característica do trabalho de Gorki, podemos ver aí a influência salutar de Anton Tchekhov, fazendo Gorki encontrar a tonalidade de seu teatro autoral.

O PEQUENO BURGUÊS NA VERSÃO RUSSA

A atividade literária de Gorki foi marcada, então, pela luta contra o meio e o espírito pequeno burguês. Sendo necessário buscar, agora, o sentido desta classe na realidade social russa e sua tradução cultural, o que significa lembrar que ela vem da denominação mieschtchanin, palavra russa que se acomodou traduzir aqui no Ocidente como “pequeno burguês”, mas que no contexto russo tem um sentido mais lato, sendo um tipo de homem que não pertencia nem à nobreza, nem ao campesinato, nem ao clero, isto é: era o habitante das cidades. De outro modo, o burguês enriquecido era designado por outros nomes, se referindo na maioria das vezes à sua ocupação profissional.

E o mieschtchanin, portanto, se puder fazer uma aproximação com a palavra ocidental “burguês”, ela tem referência mais a um estado estético, como o “gosto burguês”, e tem ainda, e também, um sentido moral, sendo o mieschtchanin, moralmente, o homem mesquinho, que em Gorki será o inimigo de tudo o que é grande e belo. Por sua vez, não obstante estas particularidades, podemos ter na tradução do título em português da peça de Gorki como “Pequenos burgueses”, uma justificativa plausível, pois traz em seu bojo este estado de espírito da mesquinhez, da falsa estabilidade e da hipocrisia, as quais Gorki tentará denunciar em suas peças, contos, romances, autobiografia e textos críticos.

ACEPÇÃO DA BURGUESIA NA OBRA GORKIANA

Mas, quanto ao tipo do burguês, teremos uma gama de sentidos específicos que vão aparecer no trabalho de Gorki sobre o que é esta figura, e isto tanto no contexto da realidade social russa, como também sendo um dos modos de se compreender a posição do autor no enfrentamento que ele dá a esta mesma realidade no conjunto da sua obra, revelando então novas acepções em que esta classe se dá no texto gorkiano. Como temos, por exemplo, na peça “Pequenos Burgueses”, quando o autor nos mostra uma de suas personagens, como o velho Bessemenov, que é apenas um dos elementos da realidade que o escritor demonstrou sob o nome e conceito de mieschtchanin.

Pois, quando Gorki faz a sua análise do burguês como indivíduo, no momento em que isto aparece nas suas personagens, o autor apresenta uma realidade bem mais complexa do que uma definição peremptória deste tipo de homem ou classe de homens, já que, por demanda da narrativa, Gorki passa a demonstrar este conjunto para além de um desenho determinístico, aparecendo o mieschtchanin também em tons cambiantes, numa riqueza de matizes que subvertem uma visão simplista ou de um contraste de branco e preto. E que ganha mais sentido quando Gorki aborda a marginalidade, por exemplo, inserindo este fenômeno no contexto burguês, com estes indivíduos da burguesia passando a ser reduzidos implacavelmente, como se fossem seres condenados a viver dentro de sua própria classe, numa redoma moral e de cosmovisões achatadas. O que se pode ver, por exemplo, no embate da personalidade central de “Fomá Gordiéiev“, o primeiro romance de Gorki, no qual um indivíduo de caráter exuberante, repleto de vitalidade, é cerceado e mutilado num cenário mesquinho e limitado de uma cidade provinciana.

E a Tatiana de “Pequenos burgueses”, por sua vez, é mais um exemplo do desperdício incalculável deste achatamento moral e de ideias que Gorki procura revelar, pois ela aparece na peça como a expressão de uma existência inutilizada pelas circunstâncias dadas e difíceis de serem superadas, por mais que alguém tente, e acaba sucumbindo na mediocridade. E Tatiana, então, se vê destruída por este meio burguês. Por sua vez, a reflexão gorkiana sobre os diferentes caminhos e destinos do indivíduo, dentro da classe burguesa, o coloca, também, diante de exemplos reais, como o do burguês que se revolta contra sua própria classe, como foi o caso de Sava Morozov e outros industriais russos que financiaram o movimento bolchevique, como ainda de Nicolai Schmidt, que era o dono da melhor fábrica de móveis finos de Moscou, e que acabou preso pela polícia política, por ocasião da revolta de dezembro de 1905, sob a acusação de conivência com os revolucionários, e que foi torturado barbaramente, o que levou Gorki a produzir um artigo indignado sobre o caso.

Nesta análise dos tipos ou indivíduos da burguesia, Gorki consegue, nesta busca, produzir um de seus romances mais vigorosos e impactantes, que foi o “O negócio dos Artamonov“, que constitui numa espécie de saga de uma família de industriais, tendo o mesmo tema lhe inspirado a escrever a peça em que surge a sua personagem teatral mais poderosa: o velho burguês de “Iegor Bulitchóv e Outros”, que é um homem sem caráter e de uma lucidez diabólica que, contudo, está cercado de uma malta de medíocres aproveitadores, donde seu apego existencial, por sua vez, que tem em si uma vitalidade que leva ao entendimento de sua morte como uma verdadeira tragédia. E, falando de sua trilogia autobiográfica, Gorki aqui também revela uma análise visceral e relevante, que vai fundo no que é o meio burguês, sendo esta trilogia, portanto, um documento importante e irrepreensível desta realidade social no contexto russo, um documento que ganha tanto o caráter literário da narrativa, como o caráter humano de uma vida, que é a do autor e sua história.

O CARÁTER MONOLÍTICO DO OPERÁRIO EM GORKI

Diante da complexidade dada ao sujeito burguês na obra de Gorki, é de difícil compreensão o momento e a construção que se dá nesta mesma obra do homem e conjunto de homens da classe operária, pois ele aparece, muitas vezes, numa matiz monocromática e num tom monocórdio, numa abordagem amiúde idealizada, sem senso crítico. Tal fenômeno leva Gorki, como autor, embora muito celebrado como o fundador da literatura proletária, a um tipo do operário que surge unidimensional, sempre repleto de virtudes e portador da vida social verdadeira, sem defeitos, imaculado. É o que fica patente, por exemplo, no romance “A mãe”, uma limitação que é apontada, inclusive, por críticos literários marxistas, tal como Lunatchárski, e com tal tendência gorkiana se consolidando, de modo mais evidente ainda, no seu teatro. Para Gorki, portanto, o operário é um ser quase ideal, enquanto o burguês, por sua vez, é um ser oscilante, com altos e baixos, instável e contraditório. Tal fato já aparece, de algum modo, no personagem Nil, de “Pequenos burgueses”, e se tornará mais evidente em “Os inimigos”, no que se dá um desenho cênico idealizado e proselitista do princípio marxista da luta de classes.

O ASPECTO INTELECTUAL DO BURGUÊS EM GORKI

Em Gorki temos diferentes tipos psicológicos do burguês que aparecem em sua obra, que pode ser, por exemplo, a do burguês liberal, o qual busca amainar o rigor da exploração do capital, mantendo, no entanto, a separação entre as classes sociais diferentes, e que resulta sempre em fracasso, pois o abismo que o capitalismo sempre abre não tem, por sua vez, intenção de patrocinar reformadores sociais, isso sem falar na ideia de revolução proletária, o que hoje é visto, num senso crítico empiricamente verificado, tanto da derrocada soviética, de um lado, como do crime ambiental do consumo e do capital, de outro, em abismos históricos e novos abismos sem solução, no momento. Ou seja, o burguês liberal, o qual tenta amenizar tal abismo, ainda se vê, contudo, limitado pelos próprios meios em que as relações sociais se estabelecem, e nas quais as classes sociais, mesmo com tentativas de mobilidade, também alimentam um espírito de corpo que se comportam como estanques. Parece que, no fim, todos têm consciência das condições dadas, e os que são proprietários não vão mudar, e os de baixo, por sua vez, não poderão se movimentar para além de um certo limite.

Gorki, por sua vez, quando se volta para a situação do intelectual na sociedade burguesa, ainda estará longe, por exemplo, da ideia gramsciana de intelectual orgânico, pois a perspectiva soviética que irá logo eclodir terá fonte marxista e fundamentação leninista. Porém, Gorki ainda se refere ao intelectual burguês, e que é um tipo de preocupação do autor que aparecerá desde seus primeiros escritos, o que leva Tchekhov, em carta dirigida a Gorki, a dizer: “Na descrição que você faz de pessoas da intelligentsia, sente-se uma tensão, uma espécie de circunspecção, o que não se deve ao fato de os ter observado pouco; não, você os conhece, mas não sabe seguramente por que lado os abordar”.

Tal observação de Tchekhov tem um certo fundamento, se for levado em conta escritos tal como o romance “Várienka Oliéssova“, tendo, no entanto, na sequência da obra gorkiana, já depois da morte de Tchekhov, uma evolução da análise dos tipos intelectuais, o que será, portanto, um clímax para o trabalho de Gorki, embora ainda houvesse outros momentos em que a caricatura fosse também um modo de abordagem de Gorki, mais alimentada pelo rancor social do autor ou suas idiossincrasias, mesmo que Gorki tenha tido, no seu contato com o meio intelectual russo, um conhecimento direto e vasto da evolução das ideias e dos movimentos culturais, e do contexto de vitalidade que muitas vezes envolviam a realidade social russa.

O OPERÁRIO E O BURGUÊS, A VONTADE E A RAZÃO

Na sequência, por exemplo, numa nota ao conto “O vigia”, Gorki escreveu: “A sensação alarmante do afastamento espiritual da intelligentsia, como princípio racional, em relação à espontaneidade do popular, perseguiu-me toda a vida com alguma insistência. Em meu trabalho literário, abordei mais de uma vez esse tema, e ele suscitou contos como “Meu companheiro de estrada” e outros. Pouco a pouco, esta sensação transformou-se num pressentimento de catástrofe. Encerrado, em 1905, na Fortaleza de S. Pedro e S. Paulo, tentei desenvolver o mesmo tema na peça fracassada “Os filhos do sol”. Se a separação entre a vontade e a razão representa um difícil drama na existência do indivíduo, na vida do povo esta separação constitui uma tragédia”.

“A separação entre a vontade e a razão”, por sua vez, seguindo aqui a percepção gorkiana, pode ser exemplificada no personagem Piotr de “Pequenos burgueses”, quando o próprio Gorki escreve: “Piotr deseja viver sossegado, sem obrigações com as pessoas, mas sente que viver assim é indigno do homem, procura uma justificação para si mesmo, não a encontra e se irrita”. Por outro lado, Piotr pode representar um tipo de elo entre o intelectual que ainda pode se revoltar e o outro lado dos pequenos burgueses, que são conformados, embora eficientes em sua condição.

A POLÊMICA LITERÁRIA DE GORKI

Por sua vez, na abordagem que Gorki realiza em sua obra sobre o burguês, o autor parte de problemas de um indivíduo, e neste ponto de partida tem como chegada final a reflexão geral sobre os problemas de todo um povo, o que na indignação diante do caráter verdadeiro do que venha a ser este “pequeno burguês”, Gorki passa a ver estes traços de espírito também nas manifestações clássicas do gênio russo, lugar controverso, e tanto, que muitos ainda não haviam procurado tais características aonde Gorki tentou enxergar o problema. Tal mira gorkiana que se voltava numa direção que era nada mais que a polêmica suprema levantada pelo autor em relação a cânones russos como Dostoiévski e Tolstói, no que Gorki produz um escândalo no mundo intelectual russo ao atestar num ensaio a presença do espírito pequeno burguês nas obras clássicas destes autores, entidades até então imaculadas da cultura literária russa.

Gorki estava, paradoxalmente, fascinado pela obra de Dostoiévski e Tolstói, e faz daí um rasgo crítico incendiário, pois ele percebia a hora própria que surgia na cultura e política russas de uma ruptura radical, que era nada mais que a hora certa dos melhores homens russos buscarem um meio de luta contra a opressão que fustigava um povo inteiro, pois que, na interpretação de Gorki destes cânones, eles pregavam o conformismo e a resignação, numa adequação ao estado de coisas vigente e a um ethos cultural até então estável e calcado em tradições. Para Gorki, portanto, se tratava de uma revolução política e também literária, com o realismo soviético estando prestes a emergir desta nova luta pelo povo, e que era um novo movimento de afirmação que Gorki intuía, uma nova força de revolta e desafio, que era nada mais que o intento de combater e derrubar tudo o que era mesquinho e sufocante, numa direção de vitalidade e de ideais sociais renovados.

Gorki, por conseguinte, passa a afirmar o amor, mas também a necessidade do ódio. Na peça “Os bárbaros”, Lídia diz, referindo-se a uma das personificações gorkianas do espírito pequeno burguês: “Como isto é simples! Ele trocou a filha por um pouco de prata ordinária. E querem obrigar-nos a ter pena dessa gente, amá-la até … isto agrada a vocês? Há de adiantar-lhes a comiseração? E pode-se acaso amá-los?”. Também no famoso monólogo de Sátin, na peça “No fundo” (apresentada no Brasil com o título de “Ralé”), a personagem diz: “É preciso respeitar o homem! Não ter pena dele … não o rebaixar com a comiseração …”. Para Gorki, portanto, nada pode haver de mais contrário à dignidade humana que a aceitação passiva do sofrimento ou a sua glorificação. A partir deste ponto, Gorki vai de encontro à exaltação dostoievskiana do sofrimento, às suas teorias sobre a aceitação do castigo como necessidade, que representa o clímax do teatro de Gorki, que é o combate contra a visão na qual a expressão do espírito de “pequeno burguês” tenta santificar o sofrimento, no qual o homem do povo se vê abatido pela perfídia, pela mesquinhez e pela hipocrisia.

 AS DUAS VERDADES

A reflexão de Gorki sobre o pequeno burguês, portanto, se dá também numa reflexão mais geral sobre a condição humana, e que levanta questões e conceitos como a verdade e a justiça. Assim, quando Tatiana, em “Pequenos burgueses”, se dirige contra as verdades do velho Bessemenov, ela tenta  mostrar que existem duas verdades, ou seja, a verdade do mundo dos opressores, que é estável e conformado, buscando sempre e amiúde conservar-se como tal, e a outra verdade, a dos que se sentem oprimidos pela primeira verdade, daqueles que não conseguem mais enquadrar-se nela, e neste ponto Tatiana é a porta-voz de uma das principais ideias de Gorki.

A preocupação com a verdade, portanto, se torna uma linha constante no teatro de Gorki, como também em toda a sua obra. Deste modo, por exemplo, no monólogo famoso de “No fundo”, Sátin afirma: “O homem – eis a verdade!”. E na mesma peça, Luká mostra a inutilidade de uma procura de certas verdades, que podem ser nocivas e sufocantes. Em “Os veranistas”, por sua vez, Riúmin retruca a outra personagem, a qual falava da necessidade de se ser sincero com as crianças, e de não esconder delas a verdade: “Ora, isto é arriscado! A verdade é rude e fria, e nela está sempre escondido o veneno sutil do ceticismo”. E adiante, num sentido mais geral: “Sou contra esses desnudamentos, essas tolas tentativas de arrancar da vida as belas vestes da poesia. É preciso enfeitar a vida!”. Por sua vez, a personagem Protassov, em “Os filhos do sol”, encontra uma maneira menos comum de abordar o mesmo tema: “Os velhos têm raramente razão … A verdade está sempre com o recém-nascido”.

CONCLUSÃO

Também outros argumentos relacionados com o tema do pequeno burguês podem ser encontrados tanto no teatro como na ficção ou nos escritos críticos e polêmicos de Gorki, no que, em sua obra, há um verdadeiro entrelaçamento entre o que dizem algumas de suas personagens teatrais e os seus tipos de ficção e o pensamento verdadeiro do autor. Portanto, tanto como autor de artigos e ensaios, como também autor de teatro e de ficção, Gorki possui uma unidade de pensamento e uma linha constante na sua reflexão. E até mesmo na sua transição entre uma manifestação exaltada e panfletária, para uma forma mais disciplinada de expressão, sempre é o mesmo autor com seu caráter de certo modo imutável, na luta social do operário contra o pequeno burguês, no manifesto estético e biográfico de um autor politizado e com sensibilidade humanista.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor

Blog: http://poesiaeconhecimento.

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