Há mais de 15 anos eles trabalhavam em escolas com grupos mirins de Ticumbi, Jongo e Reis de Bois
Dois mestres de cultura popular de Conceição da Barra, norte do Estado, que realizavam o projeto Cultura nas Escolas foram exonerados pela prefeitura. Antônio Conceição e Anízio Ribeiro realizavam há mais de 15 anos o trabalho de formação de grupos mirins de Ticumbi, Jongo e Reis de Bois nas escolas do município, que é reconhecido por lei como Capital Estadual da Diversidade Folclórica, pela grande quantidade de manifestações e grupos de cultura popular existentes em seu território.
A política dos mestres ensinando nas escolas pode ser considerada um bom exemplo no Espírito Santo, embora possua sérias debilidades. Não só em Conceição da Barra mas no Brasil e no mundo, a maioria dos grupos de cultura popular sofre com a dificuldades de atrair jovens, sendo composto em sua maioria por idosos que encontram dificuldades de passar adiante o legado e veem a existência dos saberes e festejos tradicionais ameaçados diante da falta de interesse das novas gerações.
Mas os grupos mirins nos colégios municipais ao longo dos anos ajudaram a iniciar e formar vários jovens que hoje se integraram aos grupos de suas comunidades ou regiões. Também introduziram melhor os conceitos aos chamados festeiros, aqueles que não integram os grupos, mas acompanham e apoiam as atividades e são fundamentais para que elas aconteçam. E mesmo para os que não se envolvem, ajudam a familiarizar e quebras os estigmas criados contra os grupos, em grande parte oriundos de comunidades rurais e quilombolas.
Os grupos mirins formados a partir do projeto também já se apresentaram em universidades e faculdades de Vitória, Vila Velha e São Mateus e também em Conceição da Barra nos festejos tradicionais de cada ano e em recepção a autoridades que visitam o município.
No site da Prefeitura Municipal de Conceição da Barra (PMCB), o programa Cultura nas Escolas é o único e principal destaque da ação da Secretaria de Cultura e Turismo, com atuação nas áreas de folclore, música e teatro dentro das escolas, segundo o site, dez no total.
O trabalho dos mestres era de segunda a sexta-feira, na região central e nas comunidades do município, recebendo um salário mínimo, porém lotados como operadores de serviço de higiene, asseio e limpeza.
Segundo relatos, o projeto de levar a cultura popular às escolas surgiu nas gestão do prefeito Chico Donato, entre 2001 e 2005, como contrapartida a uma parceria com a Associação de Folclore de Conceição da Barra. Acabou sendo incorporado pelas gestões seguintes de Manoel Pé de Boi, Jorge Donati (dois mandatos) e Francisco Vervloet, o Chicão (PSDB), que foi afastado em março pela Justiça Eleitoral, por abuso de poder político.
A demissão dos mestres que trabalhavam nas escolas ocorreu justamente nesse período conturbado no município, com a nova gestão provisória e a pandemia do novo coronavírus. Em 9 de março, dias antes de ser afastado, Chicão emitiu um decreto de calamidade financeira que pede cortes. Três dias depois, ele foi afastado do cargo junto ao vice-prefeito. O presidente da Câmara de Vereadores, Mateusinho (PTB), filho do ex-prefeito Mateusão, assumiu o cargo na sexta-feira, 13 de março. Na segunda-feira seguinte (16), o governador Renato Casagrande (PSB) emitiu o decreto de emergência em saúde pública no Estado, dando início ao período de isolamento social, com o fechamento de escolas, onde os mestres exerciam as atividades.
O secretário de Cultura e Turismo, Roberto Malacarne, que assumiu junto com Mateusinho, atribuiu ao decreto e à necessidade de cortes a demissão dos dois mestres, que afirma ter sido em comum acordo diante do fechamento das escolas e do fato de ambos terem aposentadoria. Garantiu, porém, que no retorno das aulas os mestres seriam recontratados para as funções. O decreto de calamidade financeira prevê ao menos seis meses de vigência até nova análise.
Os dois mestres foram os únicos da secretaria a serem demitidos, segundo o comandante da pasta. O presidente da Associação de Folclore de Conceição da Barra, Lucas de Oliveira, que também assumiu cargo de gerente na mesma secretaria na nova gestão, tratou com normalidade a questão, e afirmou que com a volta as aulas os mestres devem voltar, e que a meta é estender o projeto e incluir outras manifestações culturais.
Também afirmou que seu mandato na associação terminou e não será candidato à reeleição, mas que acontecerão eleições no próximo dia 21 de julho, no ginásio municipal, com os devidos cuidados em relação à Covid-19, o que tem preocupado integrantes de grupos, já que muitos dos mestres são idosos e pertencem a grupo de risco. Mas a alegação é de que a eleição precisa ocorrer para que a entidade possa ter acesso ao último edital para eventos virtuais e semipresenciais lançado pela Secretaria de Estado da Cultura (Secult).
Apesar da garantia de palavra por parte dos gestores, fica evidente a debilidade institucional do projeto Cultura nas Escolas, que embora ainda conte com a parceria da Secretaria Municipal de Educação, teve sua equipe de folclore desfeita com muita facilidade, apesar dos anos de existência e dos resultados apresentados. Será que em meio a toda crise, haverá mesmo recontratação? E se houver, por que não reconhecer os mestres pelo serviço que realmente desempenham, de educadores nas escolas, com a devida remuneração para o cargo?
São perguntas que ficam para os gestores e para os que valorizam a cultura não só em Conceição da Barra, mas em todo Estado, dada a importância do município do litoral norte nas manifestações de cultura popular capixaba.
A forma como tratamos nossos mestres talvez diga muito sobre nossa sociedade.