Uma das bandas de congo mais tradicionais do Espírito Santo nasceu sem nome. A inspiração veio com um gesto singelo: a pura e simples contemplação do céu a cada ensaio da banda, como contou Mestre Reginaldo em entrevista a 2006 a Século Diário. “Nós tocávamos sempre à noite, de cara pro mar – lá no Morro de Santa Marta, né? Então, a lua saía lá no alto, bonita, sempre na nossa frente…”, disse.
Mestre Reginaldo faleceu na última sexta-feira (13), após um infarto, na UPA de Carapina, na Serra. Estava com 92 anos; tinha sete filhos. O mestre é um dos pilares das tradições populares do Espírito Santo. A Amores da Lua, banda de congo da qual é um dos fundadores, é um patrimônio da cultura capixaba. Hoje a Festa de São Benedito realizada a cada fim de dezembro na região do bairro Santa Marta, em Vitória, é uma das nossas maiores e mais tradicionais festas de congo.
Mestre Reginaldo devotou uma vida de quase um século para manter viva e exuberante a força das tradições populares do Espírito Santo. Uma única vez, em 2010, portanto em mais de 60 anos de festejos, afastou-se da condução por impedimentos da saúde. Por essa época já enfrentava problemas de audição e, devido à catarata, visão. Mas ainda exibia lucidez e energia invejáveis para um homem quase centenário.
Em 30 de março de 1945, o bairro Santa Marta ainda se chamava Mulembá quando Reginaldo, Alarico Azevedo, seu sogro, e Alfredo Manoel da Silva se reuniram para definir que, tal e qual Goiabeiras Velha, a comunidade deles também deveria ter uma banda de congo para reverenciar São Benedito, o santo protetor do povo negro. Nascia, aí, ainda sem nome, a Amores da Lua, conforme contou na mesma entrevista. Ensaiavam no terreiro de Dona Maria Rosa, sogra de Alarico.
Reginaldo Barbosa Sales nasceu em 5 de julho de 1923 em Goiabeiras Velha. Desde criança, ouvia as toadas de congo na voz dos pais e tios, como contou por ocasião do lançamento do disco Banda de Congo Amores da Lua – 65 Anos de Existência, em 2011. O disco é um resgate histórico da banda. “Eu ficava olhando pra boca deles e, já daqui a pouco, com meus dez anos, cantava tudo direitinho. Eu era escolhido logo, só ‘tocavam’ os outros”, lembra.
Meu São Benedito Que Vem de Lisboa e Madalena são algumas das canções que povoaram sua meninice. O mestre aproveitou para alfinetar a versão de Martinho da Vila para Madalena. “Ele pegou a música capixaba, levou pra lá e botou o ritmo dele de samba e gravou. Isso aí foi uma coisa errada que ele fez. A toada Madalena é nossa, porque nós cantava (sic) em Goiabeira era nesse ritmo [de congo]”.
Ele era cabo do Exército quando se mudou a casa na Rodovia Serafim Derenzi, marco inicial das festas de São Benedito. O mestre recordava que no Natal de 45, os festejos contaram com 20 pessoas no congo e 100 na festa. Setenta anos depois, Festa de São Benedito reúne entre 20 e 30 mil pessoas.
Os festejos começam sempre no dia 24 de dezembro com devotos iniciando a procissão em frente à residência do mestre Reginaldo, daí seguindo até a Igreja de São Benedito, que fica no alto do bairro Santa Martha, na Praça Dalmácia Maria Rosa. No domingo, os devotos iniciam a puxada do mastro com o barco e corda e seguem em direção à Avenida Nossa Senhora da Penha e Leitão da Silva, passando por Santa Lucia e Itararé, até a igreja de São Benedito, no bairro Santa Martha, onde é fincado o mastro.
Ao final de cada ano, Mestre Reginaldo Sales visitava Século Diário. Vestia-se sempre com certa formalidade humilde de homem do povo: camisa de botão, calça social, sandália e uma indefectível boina. Já era um senhor de idade avançada. Ainda assim, aparecia com um sorriso plenamente desabrochado para divulgar mais uma edição da Festa de São Benedito.