Olhando a fachada bem pintada do edifício histórico na Avenida República, Centro de Vitória, não dá pra imaginar quantas histórias estão guardadas ali. O Museu Capixaba do Negro – Veronica da Pas (Mucane) completa 25 anos de criação neste dia 13 de maio.
Um marco para o início do processo foi a Comissão do Centenário da Lei Áurea, que organizou em junho de 1988, o I Seminário Internacional de Cultura Afro na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com participação de importantes nomes do movimento negro capixaba, além de convidados de outros estados e países, fomentando e visibilizando mais debates e propostas do movimento negro para o Espírito Santo.
Em 2008, o edifício foi cedido à Prefeitura Municipal de Vitória (PMV), que se tornou gestora do Mucane. Passou a funcionar provisoriamente na Rua Graciano Neves, até que fossem concluídas as reformas para ser reaberto em 2012, depois de muitos atrasos, em evento com presença do grupo afro Ilê Aiyê.
Iniciou-se, então, um novo período no Mucane, em que a política pública passa a ser mais presente. Hoje, o espaço possui editais de ocupação para selecionar atividades e também serve de utilização para reuniões, encontros, seminários e oficinas e outras atividades relacionadas com as temáticas do espaço. “O museu representa um espaço com muito poder para alterar completamente essa realidade social da população negra da cidade. Trazer uma proposta cultural vinculada a uma proposta política é muito importante”, acredita Ariane.
A participação social é garantida por meio de um Conselho Gestor paritário, composto pelo poder público e entidades da sociedade civil representativas do movimento negro, com poder deliberativo. “Nosso trabalho só é possível porque atua o tempo inteiro com sociedade civil”, diz a atual coordenadora do Museu, a jovem Thaís Souto Amorim, que tinha apenas seis anos quando o museu foi criado. “Nossa militância é manter o espaço ativo o tempo inteiro”.
Atualmente há oficinas permanentes de dança, música e contação de histórias com vistas de manter a transmissão da história pela oralidade. Ao mesmo tempo em que também há preocupação com a documentação por meio da manutenção da Biblioteca Joaquim Beato, com acervo específico sobre o povo negro no Espírito Santo, no Brasil e no Mundo. Há grupos artísticos que ensaiam de forma frequente no local, outros realizam eventos e atividades de forma provisória.
Apesar das melhorias, da insistência do movimento social e do esforço de gestores e servidores, Ariane ainda considera que o cenário poderia ser melhor se houvesse maior sensibilidade das grandes esferas de poder. “O Mucane possui um curso de qualificação em dança afro com dois anos de duração que é único no Brasil, mas as condições para trabalhar não são adequadas, a estrutura não é como a da Fafi, por exemplo, que não tem foco na questão racial”, reclama. Ela ressalta que as dificuldades são menores justamente pela contribuição voluntária de pessoas e do movimento negro em relação a certas precariedades.
Ariane também acredita que as pessoas precisam ocupar mais o local, principalmente os negros e negras. “O museu é aberto a todos e é bom que todos possam participar. Mas as pessoas negras não vão tanto como poderiam. É importante que nos questionemos onde estamos falhando, se está faltando um pouco mais de empenho não só do poder público, mas principalmente do trabalho que fazemos como sociedade civil em nossas comunidades”.
Dificuldades à parte, o Mucane é um equipamento cultural focado na cultura negra como poucos no Brasil e assume um caráter estratégico para o combate ao racismo e valorização de manifestações culturais por séculos minimizadas ou ocultadas pelas forças hegemônicas.
Olhando sua história em um quarto de século, uma grande lição é que só junto com o poder público ou apesar dele, a sociedade organizada pode impulsionar conquistas importantes, ainda mais pelas populações periféricas, que sofrem diretamente e historicamente com o racismo institucional.