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Mulheres criam grupo de congo feminino na Barra do Jucu

As Madalenas do Jucu já iniciaram ensaios e devem passar a se apresentar a partir de maio deste ano

É fim de uma tarde ensolarada de sábado quando a música ecoa pelo Centro Cultural Tambores de Congo, na Barra do Jucu, em Vila Velha. Muitos que voltam da praia olham da rua curiosos, alguns param para assistir. Há algo diferente ali. No comando dos tambores, casacas, chocalhos e caixa, apenas mulheres, posicionadas em um círculo de instrumentistas. Trata-se de um ensaio das Madalenas do Jucu, um grupo de congo feminino em formação.

Exatamente do outro lado da rua, um muro pintado há anos ilustra as principais personagens femininas das três bandas tradicionais do bairro litorâneo de Vila Velha: bandas Mestre Honório, Tambores de Jacarenema e Mestre Alcides. Entre as mulheres homenageadas em desenho estão Beatriz Rego, sua mãe, irmãs e filha, integrantes da banda de congo Mestre Honório. De frente para a pintura de si mesma, Beatriz, atual regente da banda, comanda o grupo das Madalenas, formado por 30 mulheres.

Muro registra tradição da participação das mulheres nas três bandas de congo da Barra do Jucu. Foto: Vitor Taveira

“O projeto nasceu do sonho de nosso mestre de formar um grupo feminino de tambor. Foi o primeiro mestre a dar abertura para as mulheres sentarem no tambor”, conta Beatriz , que participa desde 1988 da Banda de Congo da Barra do Jucu, que ganhou o nome de Mestre Honório, depois que ele faleceu em 1993.

Desde 2003, ela atua como regente da banda, responsável pela caixa e por introduzir os jongos que serão cantados. “Precisa entender um pouco de todos os instrumentos, todos precisam estar bem harmônicos. Não estudei música, não entendo de notas musicais, sou autodidata. A maioria das pessoas que participa do congo vai muito pelo ouvir, pela harmonia, sabe quando algo está fora do toque, aprendemos tudo na banda de congo, são muitos anos, toda minha juventude, meus filhos, minha família”, conta a regente de 54 anos.

Nas fincadas de mastro, que fazem parte dos festejos tradicionais a São Benedito, já era tradição na banda um momento em que se pedia licença aos homens e apenas as mulheres sentavam no tambores, assim como ocorre agora com o novo grupo, mas de forma permanente. “Em geral, a participação das mulheres nas bandas de congo hoje está muito diferente. Antes a função era carregar a bandeira, cantar e dançar. Era difícil sentar no tambor para a mulher. Usávamos saia e a gente começou a se arriscar a sentar no tambor. Seu Honório deixou, mas falou para as meninas usarem calça ou bermuda ao invés de saia para tocar”, lembra. Mas, apesar da aceitação e crescimento da participação das mulheres nos instrumentos na Barra do Jucu, essa não é uma realidade em todas as bandas do Espírito Santo, pontua Beatriz Rego.

Vitor Taveira

Ela explica ainda que as Madalenas do Jucu não são uma banda de congo, ou pelo menos ainda não. “Quem sabe daqui a alguns anos? Ia ser muito lindo”, diz. Embora bebam da tradição das bandas, o grupo não possui a mesma formação e configuração. Além disso, vai tocar desde jongos tradicionais, os cantos entoados nas festas de congo, até sucessos da música brasileira adaptados ao ritmo de congo, como composições de Alceu Valença, Gonzaguinha e Adoniran Barbosa.

Além das releituras e dos jongos populares nas festividades barrenses, o grupo de mulheres também traz algumas composições próprias, fruto de oficinas que antecederam a formação das Madalenas. A primeira etapa foi de ensino sobre o congo e seus toques em oficinas abertas a todos. Dali, as mulheres participantes foram convidadas para um segundo momento, no qual está sendo feita a formação do grupo, com ensaios e compra de instrumentos, vestimenta e outras necessidades. Ambos projetos foram apoiados por recursos públicos, por meio de editais de fomento à cultura da Secretaria de Cultura do Espírito Santo (Secult).

Às mulheres aprendizes das oficinas, somaram-se a experiência de integrantes femininas da banda de congo Mestre Honório e de outras bandas locais. O grupo é diverso, com integrantes da Barra do Jucu, de outros bairros e até de outros municípios, o mais distante deles é Anchieta, no sul do Estado. Além disso, figuram mulheres de várias idades, desde jovens até idosas, que encontram harmonia na música. O interesse em participar foi tão grande, que o grupo previa ter 20 componentes e cresceu para 30 mulheres, e tem lista de espera para novas integrantes. Nos ensaios, elas participam de todo o processo, se revezam entre tambores, casaca e chocalhos, instrumentos utilizados, além do canto das músicas, onde por vezes ganham apoio do público que as assiste.

Registro do segundo ensaio do grupo, penúltimo antes da pausa durante a quaresma. Foto: Divulgação

Seguindo a tradição do congo, depois do carnaval, os tambores silenciam. Não se tocam durante o período de quaresma. Nesse tempo, o projeto não para, mas se adapta. Serão feitas outras atividades, como a pintura dos tambores com desenhos típicos, a preparação do vestuário do grupo, o ensaio dos cantos, além do aprendizado sobre história e vivência do congo.

Em maio, termina o ciclo de formação previsto no projeto e as Madalenas do Jucu estarão prontas para entrar de vez na cena, dispostas a tocar em diversos eventos para o qual forem convidadas. “É um sonho se apresentar. Está sendo uma experiência muito boa, as pessoas são loucas para fazer isso, pensavam mas não tinham oportunidade. Com esse grupo feminino, está sendo colocado em prática também o sonho delas. As Madalenas do Jucu vêm para isso”.

Um vídeo nas redes sociais do grupo lembra que o grupo não parte do zero, mas proporciona o aumento da participação feminina: “As Madalenas do Jucu já existem. Elas dançam e cantam, ornamentam o mastro, carregam o estandarte, abrem a roda com chuvas de pétalas, tocam tambores, casacas, chocalho e caixa e, ainda trazem seus filhos e filhas para a roda, passando a tradição entre as gerações, proporcionando momentos de acolhimento e compartilhamento de saberes tradicionais, históricos e culturais”.

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