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Na guerrilha do grafite: o desafio de fortalecer a cena local da arte de rua

 
Num cenário em que une cama e roupas a tintas, pincéis, molduras, rolos de tecidos, revistas, escritos e muitos acessórios, atua João Paulo Postiço, grafiteiro e artista de rua. Em Bairro República, Vitória, ele faz questão de apresentar  as telas de produção própria, em que ele mesmo compra o tecido, planeja as molduras e monta tudo. E é nesse ateliê em planejamento que concentram-se diversos trabalhos de Paulo: quadros e até um frigobar para pintar. O cenário é um tanto confuso, mas reflete exatamente o que o artista envolve em seus trabalhos, a arte lúdica, a mistura de diversas referências e o passeio entre o grafite e a arte plástica, formando um “grafite plástico”, como ele mesmo denomina.
 
O objetivo principal é fazer do ateliê um espaço que seja vitrine para diversas artes, como o vídeo, a tatuagem, a pintura, a música, uma galeria de arte e um espaço para a realização de workshops. Tudo em prol de ser vitrine para a arte de novos artistas, já que para ele são poucos os espaços abertos aos artistas de rua e grafiteiros locais. Por ter vindo do Rio de Janeiro, Paulo que fazer do ateliê também um ambiente de intercâmbio cultural, em que artistas cariocas venham ajudar na formação de novos artistas interessados e contribuir com a cena. 
 
A ambição é grande e os planos são certeiros, mas Paulo leva tudo sem pressa, quer abrir o espaço somente quando estiver do jeito que ele projetou. Depende também dos recursos financeiros advindos de seus trabalhos pelo Estado, além da parceria dos amigos. Então, a montagem do ateliê segue o ritmo da rotina do artista. E enquanto tudo não fica pronto, ele vai atuando e vivendo naquele local que, de cara, já é um ateliê, pois agrega e reflete toda a arte de Paulo Postiço. 
 
“Fiquei um pouco de fora do movimento por um tempo para analisar o grafite e o artista de rua. Enquanto isso eu estudava e pesquisava arte (sempre estudei por conta própria, não tenho formação acadêmica). Daí essa vontade de ter um atêliê começou a ficar cada vez mais forte, até porque eu já integrei um ateliê no Rio de Janeiro, junto com um coletivo cultural formado por alguns amigos meus, e me deu mais vontade de ter um espaço aqui no Espírito Santo”, conta ele. 
 
 
 
“O grafite e a arte de rua não são a mesma coisa”
 
Para Paulo existem diferenças bem claras entre o grafite e a arte de rua. “O grafite começou em Nova York, com a escrita – aquelas letras trabalhadas e com significado apenas entre os grafiteiros. Até hoje o grafite é a escrita. Já o artista de rua é quem faz a arte desenhada, com um lance mais figurativo e com mais pesquisas e referências, essa é a arte de rua. Enquanto o grafite é uma rebeldia, uma ânsia por tomar espaço desordenado da cidade e da publicidade, a arte de rua tem um trabalho mais poético, que quer tocar as pessoas de outras formas”, detalhou ele. 
 
De grafiteiro a artista de rua, Paulo hoje foca mais na arte em telas – usa tinta acrílica, óleo, pincel e trabalha para envolver mais linguagens na própria arte. Quer atingir mais gente. “Gosto muito quando estou pintando e chegam crianças decifrando e lendo meu trabalho. Elas apontam exatamente o que eu estou fazendo. Meu objetivo é exatamente esse, da arte mais lúdica que mexe com o imaginário. Eu quero resgatar, fazer com que as pessoas olhem para as minhas pinturas e se transportem para a infância”, declara Paulo. 
 
Morando desde 2011 em Vitória, o artista não sabe bem explicar porque saiu de uma capital como o Rio de Janeiro, em que a arte de rua tem mais espaço, para morar em Vitória, onde a cena artística é um pouco menor. “As oportunidades são menores aqui, mas eu gostei da cidade e sempre tive vontade de morar em Vitória. Uma das coisas que gosto daqui, como artista, é que sofro menos influência do ambiente caótico da cidade. Aqui meu processo artístico meio que acontece naturalmente”, explicou. 
 
Mas essa certa tranquilidade em morar em Vitória vem unida a uma força de vontade intensa de movimentar a cena. “A realidade é que o artista de rua daqui não consegue viver só da arte dele, precisa trabalhar em outros ofícios. Daí não existe tempo suficiente para se dedicar só à arte e criar relações com outros artistas, movimentar de forma intensa a cena.  No Rio, apesar das diversas dificuldades também, os artistas conseguem pintar com mais frequência e se unirem em diversos projetos”. Para Paulo, é nessa lógica que o movimento cresce, pois a cidade recebe cada vez mais intervenções, as pessoas nas ruas começam a lidar mais intensamente com a arte nos muros, e vão se acostumando, perdendo o preconceito e, assim, a cena vai se fortalecendo.
 

“A arte de rua não precisa de ninguém para crescer, ela flui. Mas a cena sempre é abafada devido ao preconceito das pessoas”
 
“Existe um conservadorismo gigantesco aqui no Estado. Enquanto no Rio você pinta um muro e, em questão de minutos, aparecem pessoas interessadas em terem seus muros pintados também, aqui você pede e quase ninguém deixa. Eu já andei de Jardim da Penha até o Centro de Vitória pedindo muro para pintar e voltei só com recusas. Foi um andada sem conseguir muro nenhum, até que um senhor aceitou que eu pintasse o muro dele e ficou triste por não ter dinheiro para me pagar, mas eu fiz como forma de presente para ele e para as pessoas que passam na rua”, contou Paulo sobre uma das suas experiências desde que chegou em Vitória.
 
Entre recusas e aceitações, Paulo já foi convidado para pintar alguns restaurantes, um caminhão e  alguns muros de casas. Atualmente, entre trabalhos periódicos, ele se dedica às telas e, assim que conseguir inaugurar seu ateliê. Quer expor na galeria do espaço uma mostra só com suas artes. Enquanto as coisas vão se firmando, Paulo Postiço segue integrando um coletivo cultural no Rio de Janeiro e apostando forte na cena artística de Vitória que, para ele, dentro de alguns anos, alcança a movimentação esperada. 

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