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‘Nossa cultura tem que ser resgatada’, cobram mestres de congo de Guarapari

Projeto reativou banda do mestre Gilmar Viana, parada por 20 anos por falta de incentivo do poder público

 Os mestres Gilmar, Régis e Domingos lideram três bandas de congo de Guarapari. Após longos anos sem o som dos tambores e das casacas, eles se reencontraram para tocar juntos novamente no último dia 30, no bairro Perocão, de onde veio a banda mais antiga da cidade. Eles cobram o resgate da cultura do município e apontam os impactos do tempo em que as apresentações ficaram totalmente paralisadas, fator que atribuem à falta de incentivo do poder público.

“Nós estamos tentando, há uns três, quatro anos, o resgate das bandas de congo de Guarapari. Temos três quilombos e as bandas de congo estavam todas paradas. Guarapari é rico em cultura, mas está parada”, reitera o mestre Domingos Teixeira Marques, presidente da Associação das Bandas de Congo de Guarapari (ABCG).

A banda de Perocão é um exemplo. Antes do evento realizado no dia 30, o grupo, liderado pelo mestre Gilmar Viana, estava sem se apresentar há quase 20 anos. “Parou por falta de incentivo. Nunca ninguém ajudou”, afirma.

Gilmar Viana, mestre da banda de Congo de Perocão, em Guarapari. Foto: Pedro Maciel

É o que reitera o mestre Régis Loureiro, do quilombo Alto Iguape. Só este ano, a liderança conseguiu regularizar a banda de Congo da região, por meio de um projeto apresentado via Lei Aldir Blanc. “Aqui, eles não dão valor à cultura. Você vê aqui um representante do poder público? Não tem. O negócio do prefeito [Edson Magalhães, PSDB] é praia. A nossa cultura tem que ser resgatada, mas eles não dão esse apoio”, denuncia.

Para o mestre Domingos, uma das iniciativas da prefeitura poderia ser a promoção de apresentações nas escolas, aproximando a manifestação popular das salas de aula. “As crianças iriam começar a saber o que é a nossa cultura. Hoje isso fica escondido. Futuramente, elas vão ter que estudar essa cultura, suas raízes, de onde vieram”, destaca.

Mestre Gilmar conta que, há alguns anos, até tentou levar as apresentações de Congo para unidades de ensino do município, mas não obteve sucesso. “Os mais interessados seriam as escolas. Eu tentei levar pras escolas, mas viraram as costas”, conta.

Com o tempo, a história que também é relatada por outros mestres de Congo se repetiu: os integrantes mais antigos foram envelhecendo e os mais novos perdendo o interesse pela tradição popular, que enfrenta resistência até mesmo dentro dos bairros. “A maioria das pessoas tem preconceito. Aqui até a igreja tem preconceito. Você vê que antigamente tinha festa da retirada do mastro, hoje não tem mais nada disso”, aponta.

Domingos atribui a falta de incentivo vivida em Guarapari à visão imediatista dos governantes. “O poder público gosta de mostrar o hoje. E a cultura é antiga. Mas, com isso aqui, a gente mostra pra eles que nós somos a cultura viva. O Congo é patrimônio imaterial”, declara Domingos.

Domingos é mestre de Congo e presidente da Associação das Bandas de Congo de Guarapari (ABCG). Foto: Pedro Maciel

Com o evento do último dia 30, o grupo de Perocão foi a primeira banda de Congo da zona urbana de Guarapari a ser retomada, após longos anos de espera. O resgate foi iniciativa do projeto Xapuri, voltado para a formação artística, ambiental e turística de crianças do município.

A retomada emocionou o mestre Regis que, desde criança, viu o pai tocar na banda de Perocão, e, de prontidão, aceitou o convite do Mestre Gilmar. Para ele, o resgate dessa história é primordial. “A cultura não morre. O município sem cultura não segue. Nós temos belas praias, mas temos uma cultura em Guarapari que é muito forte. Hoje são seis bandas de congo, com o resgate da banda de Perocão, vamos pra sete. E muita gente não sabe disso”, relata.

Gilmar, que se apaixonou pelo congo ainda criança, quando a mãe organizava apresentações em Perocão, trazendo bandas da Barra do Jucu, Vila Velha, acredita que o evento pode marcar a retomada das apresentações em Guarapari. “O congo é tudo. Não pode morrer. Se não, daqui a 10, 20 anos, como vão saber que existiu?” questiona. 

A história por trás do som dos tambores

Apesar de ser uma herança cultural do Espírito Santo, a falta de incentivo relatada pelos três líderes mostra que a valorização da tradição ainda caminha a passos lentos. Uma tradição que não é contada por esconder relatos de resistência de negros escravizados, um mundo de histórias presente em cada verso das das canções entoadas, intercalada entre os sons de tambores e casacas.

“Tem o congo colonizado, que é o congo beira-mar, e os congos mais restritos. Esse vira um jongo rápido, conforme as polícias, antigamente, da Guarda Nacional chegavam, virava um jongo, era versinho de roda. Quando saía, eles cantavam essas toadas aqui: ‘minha mãe não quer casca de coco no terreiro’, aí os homem chegava, eles cantavam ‘pegaram meu carneiro, cortaram os quatro pés. Não quero saber de nada, quero meu carneiro em pé’. Aí os homem olhava e falava: ‘é batuque vermelho, deixa ir embora”, conta, dando risadas, o mestre Domingos.

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