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O amor em Tristão e Isolda

Na História da lenda, a magia gera o amor, e Tristão e Isolda bebem uma poção

Divulgação

Tristão e Isolda vem da lenda celta do Século IX. Um relato que se passa durante o reinado do Rei Marcos, um escocês, de 780 a 785. Não existe uma fonte comum para esta narrativa, sua origem é difusa, não há consenso se veio de fatos reais, em certa medida, ou se é mesmo pura lenda. Sua ancestralidade remonta ao Século XII, com versões diferentes surgindo, com as mais antigas vindas justamente da cultura popular celta, no norte da França.

Os textos mais populares da lenda, neste primeiro período, vieram dos poetas Tomás da Inglaterra e Béroul. Maria da França tinha uma habilidade em transcrever romances de cavalaria, e auxiliou bem na propagação da lenda de Tristão e Isolda, que vinha da tradição oral. Esta lenda, usualmente, se passava na Cornualha, península da Grã-Bretanha.

Tristão é retratado como um bravo guerreiro e bom harpista, aí vem uma trama de envenenamento por duelo e peripécias que o levam a caminhos até Isolda e ao Rei Marcos, que era seu tio, e que acaba se casando com Isolda. A lenda segue com a poção mágica tomada pelos amantes Tristão e Isolda e todas as consequências e acontecimentos que decorrem de suas movimentações. Tristão conhece Isolda já nas costas da Irlanda e a lenda ali se desenvolve, com idas e vindas.

Os amantes são flagrados ao fim da lenda, e Tristão é envenenado depois de fugir. Isolda também morre ao beijá-lo, por sorver parte deste veneno, e seus corpos são encontrados abraçados e entrelaçados. Aqui há um desfile de versões de honra, amor e traição, com relatos irlandeses, italianos, holandeses, espanhóis, persas e outros. Esta lenda é ligada por muitos ao ciclo arturiano, depois do Século XIII, em que ocorreu o triângulo amoroso entre o cavaleiro Lancelote, o rei Arthur e sua esposa Guinevere.

A grande peça romântica e trágica de Shakespeare, Romeu e Julieta, bebeu muito dos versos do poeta Arthur Brooke, lançados em 1562, que, por sua vez, tiveram influência das narrativas e lendas sobre Tristão e Isolda. Por fim, na narrativa de Tristão e Isolda há questões como a do amor cortês, da religiosidade, da natureza, do mar, e da busca pela imortalidade ou eternidade. O mar é que orienta o destino de Tristão, de um lado ao outro do mundo celta, entre Cornualha, Irlanda e a Pequena-Bretanha.

Dos autores modernos da lenda, pode-se citar o escritor que escreveu O Romance de Tristão e Isolda, uma lenda céltica sobre o amor trágico que une um cavalheiro e uma princesa irlandesa, que veio mais fortemente do Século XII em sua formação cultural de tradição de lenda e que ganhou versões na literatura mais moderna. Este escritor é Adolphe Joseph Bédier, que foi um estudioso e historiador da França medieval. Tem também, além das versões antigas de Béroul e de Thomas da Inglaterra, diversas versões sem autores conhecidos sobre a lenda de Tristão e Isolda.

Na lenda, a magia gera o amor, Tristão e Isolda bebem uma poção, e daí em diante enfrentam diversas provações, citando Bédier: “Os amantes não podiam viver nem morrer um sem o outro. Separados, não era a vida, nem a morte, mas vida e a morte ao mesmo tempo”. Esta história de amor é fonte de dores e maldições, em que os jovens se veem obrigados a ocultarem o que sentiam, tendo trechos da lenda em que Tristão tem que se disfarçar para encontrar Isolda secretamente, enquanto os dois tentavam enganar e ludibriar o Rei Marcos.

Tal lenda nos remete à Alta Idade Média, e tem uma narrativa bem rica em acontecimentos. É uma trama bem movimentada, com muitas reviravoltas e fatos que conduzem bruscamente para vários lados, criando uma narrativa de ação, muito mais do que de aprofundamento e análise de personagens, o que, muitas vezes, ao menos na versão que eu li – uma edição da editora Francisco Alves, vigésima edição, de 2007, com tradução de Maria do Anjo Braamcamp Figueiredo -, torne os diálogos e as relações de causa e efeito do que se lê bem pueris e superficiais.

Richard Wagner, compositor alemão, avançou com sua arte total e inovou na ópera, com uma intensidade que revolucionou a experiência operística, com um envolvimento total deste artista na confecção e montagem destas óperas, o que nem Wolfgang Amadeus Mozart ou Giuseppe Verdi tinham feito. Wagner escrevia os libretos, buscava os cantores, regia e até criou um teatro de ópera.

Wagner chega a escrever um ensaio chamado A obra de arte do futuro, em que articula a sua ideia de ópera como expressão do que ele vai chamar de “obra de arte total”. O drama musical aparece aqui como algo capaz de conjugar, simultaneamente, diferentes formas de expressão artística, indo da poesia à música, e passando por aspectos cênicos. E na sua busca que explora a poesia germânica e nórdica, há a produção de um material operístico que tenta traduzir ideias místicas sobre o amor e a identidade alemã.

Quando Wagner já havia concluído em 1852 o libreto do ciclo de quatro óperas de O Anel dos Nibelungos, e composto em 1857 as duas primeiras óperas de O Ouro do Reno e A Valquíria, além da terceira parte de Siegfried, esse ano de 1857 foi quando, também, se apaixonou por uma mulher casada, a poetisa alemã Mathilde Wesendonck (1828-1902), que virou a sua musa inspiradora de Tristão e Isolda, a sua versão operística da lenda de origens celtas.

Uma ópera que coloca em prática o leitmotiv, quebrando os limites da tonalidade, invadindo tudo com a sua intensidade sonora, e todo o amor trágico de Tristão e Isolda é sentido nesta obra de arte total, com ricas texturas harmônicas que se expandem, e esta expansão sonora testa os limites da tonalidade, ficando aberto o caminho para as futuras óperas atonais modernas. Wagner foi a experiência que esgotou todos os limites do romantismo musical, que dali em diante foi implodido e veio a modernidade. Era o fim da harmonia convencional e da tonalidade.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog
: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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