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O encantamento do poeta maratimba

Imagine se os lugares fossem classificados pela forma como trata seus poetas. Como estariam posicionados os capixabas de acordo com “poetômetro”? Em terra de esquecimentos, quem tem memória é rei.

Por isso, nesta quinta-feira, às 19h, a livraria-café Jalan Jalan, na Praia do Canto realiza um evento em homenagem ao escritor Miguel Marvilla, cuja morte completou 10 anos em outubro. A atividade terá roda de conversa e recital com Jorge Elias Neto, médico, escritor e amigo de Miguel que o acompanhou até seus últimos dias no hospital, quando partiu aos 50 anos de idade em 2009.

“O encantamento do poeta maratimba” é o título do evento. Encantamento é uma palavra poética para falar da morte. Poeta porque Miguel foi um dos mais destacados escritores de poesia do Espírito Santo, embora também tenha publicado o marcante livro de contos Os mortos estão no living, em 1989. Maratimba pois Marvilla nasceu em Marataízes, ainda que tenha vindo morar muito novo em Vitória.

Com a separação dos pais, chegou a morar no Orfanato Cristo Rei, onde era escalado para ler o evangelho nas missas e encontrou o gosto pela leitura também na biblioteca do local, onde se encantou com a literatura em quadrinhos, segundo conta sua biógrafa Joana D’Arc Herkenhoff. Na adolescência, conheceu a obra de outros grandes escritores, entre eles Gabriel García Márquez, seu favorito, apresentado por um professor.

Seu envolvimento com a literatura persistiu e ainda jovem teve contato com grandes escritores capixabas. Junto com Oscar Gama Filho, Renato Pacheco, Reinaldo dos Santos Neves, José Augusto Carvalho, Marcos Tavares, Luiz Busato criou o grupo Letra, uma união de escritores que publicava suas produções por meio de uma revista de mesmo nome, que marcou época. “Era um militante da cultura”, diz o escritor Sérgio Blank, que afirma que Marvilla já era uma referência quando ele começou a escrever.

De origem humilde, Miguel conseguiu furar as barreiras e se formar em Letras na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e cursar mestrado em História. Também foi editor da revista Você, publicada pela Ufes e com grande relevância para a cena cultural capixaba durante sua existência.

Blank lembra da proximidade do estilo do poeta capixaba com a escrita de Carlos Drummond de Andrade, que chegou a enviar cartas de felicitações por seu primeiro livro. As intertextualidades e diálogos com outros escritores como Drummond e Fernando Pessoa são presentes na obra de Miguel Marvilla, que atinge um estágio de grande maturidade no livro Dédalo, no qual “são resgatados os experimentos formais e o humor dos seus primeiros livros, somados a outras conquistas como a habilidade de manejar o poema longo, o soneto, a ousadia de retomar o coloquial, as quadras populares e os mais variados ritmos e métricas”, conforme escreve Herkenhoff.

Ganhou prêmios por sua obra e em 1991, já com cinco livros publicados, é eleito para ocupar a cadeira de número 18 na Academia Espírito-Santense de Letras. Publicou mais de dez livros e editou muitos outros mais.

Começou a editar livros ainda nos anos 70 usando a técnica do mimeógrafo, que era o possível para publicar e forma independente na época. Mas em 2000 seu trabalho editorial atingiu outro patamar quando fundou junto com Christoph Schneebeli a Florecultura, que marcou história no campo editorial capixaba. “Como editor, Marvilla estabeleceu novos padrões de qualidade do livro feito no Espírito Santo. Antes o livro capixaba tinha cara de livro capixaba, você já notava quando via em cima da mesa, não precisava nem abrir”, conta Saulo Ribeiro, da editora Cousa. Se antes se utilizavam papéis de menor qualidade, com brilho, diagramações pouco atrativas, a Florecultura elevou a qualidade e sinalizou caminho para outras editoras.

Curiosamente, a Cousa também completa dez anos, tendo estreado no mesmo mês da morte de Marvilla, que era então uma importante referência. “A gente pegou o bastão”, diz Saulo sobre o padrão que foi seguido pela Cousa, que depois inovou localmente ao criar mecanismos de difusão e comercialização dos livros, como é o caso do Jalan Jalan, onde acontece a homenagem ao poeta maratimba.

Sérgio Blank fala da importância de reeditar a obra de Miguel Marvilla e chamar a atenção dos jovens escritores para a qualidade e singularidade de sua escrita. Sobre Os mortos estão no living, o próprio autor chegou a criar um blog para publicar e discutir a obra, que havia sido indicada para compor a bibliografia do vestibular da Ufes de 2007 a 2009.

Em sua autodescrição no blog, Marvilla fala de seus livros e destila um pouco de sua ironia costumaz ao público-alvo majoritariamente jovem: “Não se culpe por não conhecê-los: foram publicados quando você ainda era criança — se bem que Shakespeare foi publicado bem antes e você conhece”.

Nos últimos anos, a atriz e escritora Suely Bispo tem sido uma das que mantém viva a obra do poeta, por meio de sua peça Um recital para Miguel Marvilla, cuja próxima apresentação será no dia 10 de novembro, às 19h, no Palácio Sônia Cabral, durante a segunda etapa do Festival Nacional de Teatro Cidade de Vitória.

Para os jovens ou não, duas oportunidades de se aproximar da poética e da vida de Miguel Marvilla, um dos grandes nomes da literatura feita por aqui.

Na primeira delas, nesta quarta-feira, Jorge Elias Neto falará da Jalan Jalan sobre sua relação com o escritor, a importância de sua obra e, principalmente, de sua morte, que acompanhou de perto como médico. “Apresentarei alguns poemas dele e falarei sobre a proposta de resgate da obra do poeta, no meu entendimento, mais importante da literatura capixaba nas últimas décadas”.

Embora contemporâneos na universidade, Suely Bispo não chegou a conhecer Miguel Marvila mas se debruçou sobre sua obra a partir de 2014 para produzir a peça, que passa desde as brincadeiras poéticas do escritor em seus jogos com as palavras e uso de ironias, até ganhar um contorno mais dramático quando o poeta fala sobre o medo e a morte, com quem flertou por muitos anos, por ter enfrentado um câncer.

Suely Bispo fala que sua poesia favorita de Miguel Marvilla  uma curtinha, chamada Ofício:

“Não posso prescindir da janela

Pretender a lua é meu ofício”

(Miguel Marvilla)

 

AGENDA CULTURAL

O encantamento do poeta maratimba – Homenagem a Miguel Marvilla

Quando: Quarta-feira (31), 19h

Onde: Avenida Rio Branco, 1083, Praia do Canto, Vitória/ES

 

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