“Até que os leões possam contar suas próprias histórias, as histórias de caça sempre irão glorificar o caçador”. O ditado africano pode servir de princípio para o livro Classe Média Baixa (2014), de Wagner Silva. No romance, a periferia de Vitória é o cenário e a favela é retratada com muito orgulho e sinceridade pelos olhos de um morador. O oprimido retoma seu protagonismo e desconstrói os estereótipos criados por aqueles que estão fora do seu contexto.
O escritor Wagner fala do empoderamento do morador dos bairros de periferia, que utiliza sua própria voz para contar sua história. E a voz que Wagner escolheu para sua narrativa é uma voz poética com fluxos de consciência, muitos detalhes e citações de músicas e filmes. Mesmo com essa estética, Wagner escreve com grande simplicidade e reproduz muito bem as gírias e a linguagem dos jovens da região.
É interessante também como o cenário se insere na história como mais um personagem. O livro passeia pelos arredores de Mangue Seco, em Cariacica, e desce e subo o Morro do Sesi, local onde o autor nasceu e cresceu e, provavelmente, viveu muitas das situações descritas em Classe Média Baixa. Além de Cariacica, o livro também passa pelo Centro de Vitória, ao som do bloco “Pouco amor não é amor”, durante uma tarde de Carnaval.
Entretanto, o livro não é um retrato fantasioso da favela, onde só há alegria e festa. O livro também tece diversas críticas e fala principalmente do extermínio da juventude negra que o Espírito Santo vem sofrendo. Outra questão abordada são os ataques ao tráfico de drogas nos morros, conflitos nos quais a polícia e o traficante se misturam e se igualam na violência, e quem sofre são os moradores.
Classe Média Baixa é dividido em duas partes: Escola de samba e Acadêmicos da Rua Unidos no Mangue Seco. O personagem principal é um rapaz chamado Tom, muito inteligente e atencioso a tudo que acontece ao seu redor. Tom mora com a família, sua mãe é empregada doméstica e seu pai trabalha em uma grande mineradora da região.
Tom vive o choque entre gerações, enquanto seus pais preferiram a estabilidade dos empregos e constituir uma família. Ele cursa uma universidade e prefere lutar pelos sonhos e trabalhar com aquilo que acredita, a literatura. No romance, vive entre dois mundos, a realidade dura da favela e as oportunidades que a universidade lhe oferece.
Mesmo em uma universidade pública, Tom muitas vezes não se sente contemplado pelo discurso acadêmico e tão pouco representado pelas falas dos professores, o que mostra que infelizmente a periferia e a universidade ainda são dois universos muito distantes.
Assim como Wagner, Tom é professor de literatura e vê no seu ofício a missão de aproximar esses dois mundos.
Serviço
Classe Média Baixa
Wagner Silva
Editora Pedregulho
92 páginas
R$ 22,00 em média