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O último ato do Mestre Terto

Fotos: Rogério Medeiros
 
Não é preciso ter diploma para ser mestre da cultura popular. Alguns podem até ser analfabetos. Mas sabem ler o passado e escrever o presente, mantendo as tradições e sabedorias vivas para o futuro. O que vale mesmo é a palavra. O mestre é o senhor da palavra. Possui o dom da escuta e a palavra final.
Um desses grandes mestres é Tertolino Balbino. Esse homem negro de nome que rima, é um verdadeiro patrimônio da cultura capixaba, tendo sido reconhecido a nível local e nacional.
O Mestre Terto, como é chamado, comanda o Ticumbi de São Benedito há 64 anos. Ainda muito jovem assumiria o posto. Mas na semana passada, durante as festas de São Benedito e São Sebastião em Itaúnas, Conceição da Barra, realizou sua última e emocionante apresentação à frente do grupo.
Aos 85 anos, Mestre Terto está perdendo a visão, e por isso, escolheu transmitir o comando do ticumbi para Berto Florentino, seu fiel contraguia, em cerimônia marcada para abril. Nessas mais de seis décadas, por seus olhos passou parte da história do Espírito Santo, e pese todas as mudanças políticas, econômicas e sociais, o Ticumbi segue vivo no norte do Estado.
O ticumbi é uma manifestação composta apenas por negros. Possui música, versos e representação. Com vestimenta branca, cabeça enfeitada com flores e fitas coloridas, os negros interpretam guerreiros de duas nações, liderados cada uma pelo Rei de Congo e Rei de Bamba, com seus secretários que servem para mediar o diálogo.
São séculos de realização da cerimônia feita em louvor a São Benedito, o santo negro. Uma festa dos negros para os negros – na verdade pouco importa os turistas ou forâneos que ali estejam assistindo. Conta-se que começaram a realizar missas na manhã do primeiro dia do ano, enquanto a elite ainda dormia do porre do ano anterior.
Não foi fácil superar a discriminação de uma sociedade marcada pelo racismo, especialmente na região norte do Espírito Santo. Tertolino viveu o tempo em que os negros, ao desembarcar com a imagem de São Benedito pelo rio, tinham que pedir para a polícia e o prefeito “licença” para “brincar” o Ticumbi.
Os integrantes do Ticumbi eram formados por uma espécie de “elite negra”, que conseguia um condição econômica relativamente melhor diante da venda de farinha, até então, um dos principais produtos da economia capixaba. A estrutura de pequenas propriedades, com suas casas de farinha, começaria a ser desmontada com a chegada do plantio de eucalipto. 
Essa transição em parte forçada, levou à expulsão e êxodo rural dos quilombos para as favelas da Grande Vitória, como o Morro de São Benedito – olha ele homenageado novamente aí! E foi por ter melhores condições que essa elite conseguiu ficar e manter os festejos e tradições.
Veio o eucalipto. Passou uma ditadura, a democracia, um novo golpe. Vários prefeitos, governadores, presidentes. Vieram as mudanças tecnológicas, os celulares, as estradas asfaltadas. Veio a globalização da economia e da cultura. E Mestre Terto seguiu com seu Ticumbi.
Viva Tertolino Balbino, Mestre Terto! Viva o Ticumbi!

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