Com apresentação gratuita, peça denuncia violências a quem vive à beira das regiões industriais
A história da luta por moradia no Espírito Santo ganhou um capítulo nefasto há 13 anos, quando centenas de policiais militares, com helicóptero, cavalaria, bombas de gás, tiros de borracha e tratores, usaram todo esse arsenal contra cerca de 300 famílias de uma ocupação, em Barra do Riacho, Aracruz, região norte. A ação culminou na morte de Santa da Silva Peçanha, a Dona Santa, que teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Sua história é revisitada na peça Carambolas – Algumas Verdades em Memória de Dona Santa, com apresentação gratuita neste sábado (13) de um trecho, seguida de bate papo com o elenco sobre o processo de montagem. O evento será às 18h, na Má Companhia, Centro de Vitória. Os interessados devem retirar ingresso no local uma hora antes.
Na verdade, não se trata somente da história de Dona Santa, como afirma Thalia Peçanha, sua filha e dramaturga da peça juntamente com Nieve Matos. “Não é somente sobre a minha mãe, é sobre tantas outras mães e tantas outras filhas, sobre tantas outras vidas que vêm sendo cerceadas ainda hoje. Encontro Dona Santa toda vez que vejo uma reportagem onde essa mesma história se repete”, diz.
Carambolas se passa em uma cidade à sombra de uma siderúrgica de papel, em uma ocupação popular, destacando a narrativa dos moradores, como uma se entrelaça a outra, as relações de poder, as múltiplas violências vividas, como elas se dão nos corpos pretos, nas identidades masculinas e femininas. Barra do Riacho, afirma Thalia, é um campo de estudo pelo qual ela perpassa por ter vivido um tempo lá, mas outros locais nos quais morou também imprimem sua marca em Carambolas, como Cariacica, na Grande Vitória, e São Mateus, no norte.
São lugares, destaca, assim como muitos outros no Espírito Santo, marcados pela dominação industrial, por “uma institucionalização do poder que pesa nos corpos que estão ali, locais parecidos, que vivem situações semelhantes”. “É estratégico. Quais bairros são explorados? Quais corpos? São os corpos pretos, que já estão à margem. Essa população tem rosto, cor, nome. Carambolas conversa sobre as dores comuns de grupos semelhantes, que desde a colonização vêm sendo massacrados”.
Com a aprovação no edital, a dramaturgia, que era um texto curto, foi discutida coletivamente com o elenco, culminando em uma peça de cerca de uma hora. A proposta feita para Thalia, informa Nieve, foi porque o grupo Repertório costuma trabalhar histórias do Espírito Santo, falar do Estado “de forma universal, com viés político”.
“O texto de Carambolas é baseado na vivência da Thalia, mas esbarra em pontos que para a gente são importantes de se discutir a qualquer momento”, diz, destacando que o grupo teatral também busca, em suas peças, mesclar histórias reais com uma parte ficcional.
Um dos pontos que Carambolas traz e que é importante debater, segundo Nieve, é a exploração sexual de crianças e adolescentes, uma vez que o Espírito Santo tem um grande índice de casos desse tipo. A peça também será uma comemoração dos 16 anos do grupo Repertório e da Má Companhia, sede do grupo e do Elas Tramam, também coordenado por Nieve, e do Repertório.