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Perturbadora, performance iLha quer seu silêncio, não aplauso

“Uma experiência sensorial. Uma ode ao incerto”.

O espetáculo começa antes. O convite de ILha, do Clã Arte Studio, traz algo de mistério. É preciso ser pontual, pois a entrada será fechada na hora marcada. Para assistir à apresentação será preciso desligar os celulares, tirar os calçados, passar por uma lâmina de água, estar preparado para lidar com a nudez total de corpos alheios.

Na sala de espera clean, entre música ambiente, um vídeo experimental e uma mesa com petiscos, um provável encontro com a timidez e acanhamento dos capixabas, quebrado aos poucos quando encontrada alguma razão para puxar assunto. Mas atenção: o que é dito ali estará sendo gravado e poderá ser usado na performance. Antes de começar, a apresentação já começou.

Despidos de celulares e sapatos, aparatos físicos e simbólicos/virtuais que podem representar as impurezas externas que trazemos conosco, descemos o mezanino para chegar ao local de apresentação. Pisar as águas pode remeter a um novo purificar ou à tranquilidade.

Para quem espera que iLha fosse encenada entre areia e palmeiras, ledo engano. Você não foi convidado para o conforto ou para o óbvio. Pelo contrário, bem-vindo à angústia, ao desconforto, bem-vindo ao mundo das artes. “Entendemos que tudo que é coletivo, identidade de um povo, como religião, comida, dança, música, é cultural. Já a arte, para nós, é quando um sujeito imerso na coletividade sai e lança uma contraproposta, inicia um movimento contracultural, assim começa a trilhar os caminhos da arte”, considera Gê Viana, diretor e idealizador de iLha.

É nesse sentido explicitado que o Clã aprofunda suas pesquisas em busca de construir um teatro contemporâneo, entendendo o artista com um questionador, insatisfeito, inadaptado. “O filósofo italiano Giorgio Agamben diz que a arte e o teatro contemporâneos são perceber em pleno rosto o facho de escuridão de nosso tempo. O artista cria novas estruturas de pensamento a partir de sua insatisfação com seu tempo. O artista de qualquer área, se não estiver insatisfeito com seu tempo, não produz nenhuma proposta contra sua cultura. Nietszche disse que a arte serve para que a realidade não nos destrua”.

Com uma estética tech-minimal, um minimalismo aliado com tecnologia, a ilha do espetáculo é feita de vidros, luzes, telas, câmeras, ruídos, corpos, gritos. Um cubo cercado de água. Pessoas isoladas dentro de si. As principais influências estéticas de iLha, conta Gê, não vêm do teatro.

“Acreditamos que o teatro no século 21 está morto, perdido, se não mumificado por uma linguagem dos séculos 19 e 20. É um zumbi morto-vivo que perambula e se movimenta com o resto de uma carcaça que já morreu”. Bebe-se então de outras fontes: da arquitetura, das artes plásticas, das artes visuais, da música experimental.  

Na atuação, iLha vale-se das críticas do belga Maurice Maeterlinck – esse sim oriundo do teatro, mais exatamente do teatro simbolista – que propõe a supressão do ator, que pode ser substituído por alegorias. As emoções e subjetividades dos atores interferiria nos personagens, comprometendo o trabalho do poeta. Daí a técnica do Teatro de Andróide, em que os atores abrem mão da expressão para serem apenas transmissores das palavras.

O belíssimo texto que sustenta iLha surge a partir da lírica de poemas de Casé Lontra Marques, poeta fluminense radicado no Espírito Santo. Trechos de suas obras vão se encontrar com fragmentos de textos de William Blake, Charles Baudelaire e Marco Albuquerque. Não pedem um sentido ou total absorção para tocarem o espectador. O mais importante é provocar sentimentos e reflexões. “São trechos que nos levam a questionar nossa existência”.

A água, que rodeia a ilha-palco e molha os pés do público, para Gê, também serve de metáfora da vida. “Quando nascemos da barriga das mães e o ar entra no pulmão, a gente grita, chora”, lembra.

“É quase um clichê dizer isso, mas toda mudança traz dor. É um questionamento que o texto apresenta. Nossa sociedade não quer falar de dor, de incômodo. A cultura quer nos resguardar, poupar de incômodos, reafirmar e continuar seguindo o fluxo. A arte vem como água que engasga, tira do lugar de conforto”. Não é uma performance para deixar ninguém cômodo na cadeira, nem para arrancar aplausos. Até agora nenhuma platéia aplaudiu ao final, diz o diretor sobre as apresentações de pré-estreia para convidados.

“A nossa provocação é que não queremos aplausos. Queremos seu silêncio. O silêncio de cada um, o mergulho em si, usando a ilha como metáfora. Não precisa expressar para nós ou para o outro nenhum valor ou mostrar se gosta ou não gosta. A proposta é estar consigo mesmo. As pessoas precisam desse momento consigo mesmo”.

Falar de ilha em Vitória é refletir também sobre a própria condição geográfica da cidade e o comportamento cultural de sua população. Gê, formado na primeira turma de atores da Fafi, lembra de José Saramago quando diz que é preciso sair da ilha para se dar conta de certas coisas. “As pessoas que vivem e ficam aqui a vida inteira não conseguem perceber que estão conectadas com o mundo, da mesma forma que uma ilha se liga ao continente por meio das placas tectônicas, mesmo que embaixo do mar”.

Algo que o diretor também busca romper com iLha é o que considera como uma hegemonia do teatro popular, teatro de rua e circo, entre as companhias capixabas. Com a arte contemporânea, distanciando-se cada vez mais do teatro tradicional, o grupo traz uma estética e linguagem que embora possam não ser novidades em outras realidades continentais, trazem um fôlego, uma diversidade e um questionamento à cena artística da ilha-capital.

Com limitação a 21 vagas por apresentação, ILha estará em longa temporada, daí a necessidade de um espaço próprio, que também permite a montagem de um cenário elaborado e menos tradicional. Com estreia no próximo sábado (10), terá apresentações às quintas e sábados às 19h30 e aos domingos às 18h30, até o dia 16 de dezembro. É necessário fazer reserva prévia. Depois das férias, o espetáculo volta a ser apresentado em 2019.

AGENDA CULTURAL

Temporada 2018 de iLha

Quando: de 10/11 à 16/12, apresentações quintas-feiras e sábados às 19h30 e domingos às 18h30

Onde: Clã Arte Studio – Rua Barão de Monjardim, 341, Centro de Vitória/ES

Classificação: 18 anos

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)

Informações e reservas: +55 27 99880-0293 ou +55 27 98867-0550

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